A liturgia do V Domingo da Páscoa convida-nos a refletir sobre a nossa união a Cristo; e diz-nos que só unidos a Cristo temos acesso à vida verdadeira.
O Evangelho (Jo 15,1-8) apresenta Jesus como “a verdadeira videira” que dá os frutos bons que Deus espera. Convida os discípulos a permanecerem unidos a Cristo, pois é d’Ele que eles recebem a vida plena. Se permanecerem em Cristo, os discípulos serão verdadeiras testemunhas no meio dos homens da vida e do amor de Deus.
A primeira leitura (At 9,26-31) diz-nos que o cristão é membro de um corpo – o Corpo de Cristo. A sua vocação é seguir Cristo, integrado numa família de irmãos que partilha a mesma fé, percorrendo em conjunto o caminho do amor. É no diálogo e na partilha com os irmãos que a nossa fé nasce, cresce e amadurece e é na comunidade, unida por laços de amor e de fraternidade, que a nossa vocação se realiza plenamente.
A segunda leitura (1Jo 3,18-24) define o ser cristão como “acreditar em Jesus” e “amar-nos uns aos outros como Ele nos amou”. São esses os “frutos” que Deus espera de todos aqueles que estão unidos a Cristo, a “verdadeira videira”. Se praticarmos as obras do amor, temos a certeza de que estamos unidos a Cristo e que a vida de Cristo circula em nós.
Leitura
Naqueles dias:
26Saulo chegou a Jerusalém
e procurava juntar-se aos discípulos.
Mas todos tinham medo dele,
pois não acreditavam que ele fosse discípulo.
27Então Barnabé tomou Saulo consigo,
levou-o aos apóstolos
e contou-lhes como Saulo tinha visto o Senhor no
caminho, como o Senhor lhe havia falado
e como Saulo havia pregado, em nome de Jesus,
publicamente, na cidade de Damasco.
28Daí em diante, Saulo permaneceu com eles em Jerusalém
e pregava com firmeza em nome do Senhor.
29Falava também e discutia com os judeus de língua grega,
mas eles procuravam matá-lo.
30Quando ficaram sabendo disso,
os irmãos levaram Saulo para Cesaréia,
e dali o mandaram para Tarso.
31A Igreja, porém, vivia em paz
em toda a Judéia, Galiléia e Samaria.
Ela consolidava-se e progredia no temor do Senhor
e crescia em número com a ajuda do Espírito Santo.
Palavra do Senhor.
R. Senhor sois meu louvor em meio à grande assembléia!
26bSois meu louvor em meio à grande assembléia;*
cumpro meus votos ante aqueles que vos temem!
27Vossos pobres vão comer e saciar-se,
e os que procuram o Senhor o louvarão;*
‘Seus corações tenham a vida para sempre!’R.
28Lembrem-se disso os confins de toda a terra,*
para que voltem ao Senhor e se convertam,
e se prostrem, adorando, diante dele*
todos os povos e as famílias das nações.
30Somente a ele adorarão os poderosos,*
e os que voltam para o pó o louvarão.R.
Para ele há de viver a minha alma,*
31toda a minha descendência há de servi-lo;
às futuras gerações anunciará*
32o poder e a justiça do Senhor;
ao povo novo que há de vir, ela dirá:*
‘Eis a obra que o Senhor realizou!’R.
18Filhinhos, não amemos só com palavras e de boca,
mas com ações e de verdade!
19Aí está o critério para saber que somos da verdade
e para sossegar diante dele o nosso coração,
20pois, se o nosso coração nos acusa,
Deus é maior que o nosso coração
e conhece todas as coisas.
21Caríssimos, se o nosso coração não nos acusa,
temos confiança diante de Deus.
22E qualquer coisa que pedimos recebemos dele,
porque guardamos os seus mandamentos
e fazemos o que é do seu agrado.
23Este é o seu mandamento:
que creiamos no nome do seu Filho, Jesus Cristo,
e nos amemos uns aos outros,
de acordo com o mandamento que ele nos deu.
24Quem guarda os seus mandamentos
permanece com Deus e Deus permanece com ele.
Que ele permanece conosco, sabemo-lo pelo Espírito que ele nos deu.
Palavra do Senhor.
Naquele tempo, Jesus disse a seus discípulos:
1‘Eu sou a videira verdadeira
e meu Pai é o agricultor.
2Todo ramo que em mim não dá fruto
ele o corta;
e todo ramo que dá fruto,
ele o limpa, para que dê mais fruto ainda.
3Vós já estais limpos
por causa da palavra que eu vos falei.
4Permanecei em mim
e eu permanecerei em vós.
Como o ramo não pode dar fruto por si mesmo,
se não permanecer na videira,
assim também vós não podereis dar fruto,
se não permanecerdes em mim.
5Eu sou a videira
e vós os ramos.
Aquele que permaneceu em mim, e eu nele,
esse produz muito fruto;
porque sem mim nada podeis fazer.
6Quem não permanecer em mim,
será lançado fora como um ramo e secará.
Tais ramos são recolhidos,
lançados no fogo e queimados.
7Se permanecerdes em mim
e minhas palavras permanecerem em vós,
pedí o que quiserdes
e vós será dado.
8Nisto meu Pai é glorificado:
que deis muito fruto
e vos torneis meus discípulos.
Palavra da Salvação.
Fonte: Liturgia Diária – CNBB
Reflexão
ACREDITE E CARREGUE FRUTOS
Não há ramo sem videira: ficam reduzidos a uns paus secos, que dizem que são estupendos para assar bisteca ou preparar uma paeja, ou se esquentar com uma boa fogueira. E pouco mais. Também não há vinho sem uvas, em número suficiente. Com uma só uva não fazemos nada. Portanto: Se nós somos os ramos, e Cristo é a videira, sem estar unidos a ele não podemos fazer nada. Ficamos SECOS. E estando unidos a ele e ao resto dos ramos… devemos dar frutos suficientes para poder ter bom vinho. A afirmação de Jesus é: “Eu sou a videira, vocês (no plural) os ramos; o que permanece em mim e eu nele, esse dá fruto abundante; porque sem mim não podem (plural de novo) fazer nada”. É uma mensagem referida especialmente à comunidade de seguidores. Estas singelas afirmações, não precisam dar muitas voltas: compreendem-se muito bem. Outra coisa é que sejamos coerentes com elas.
Quanto ao fruto abundante que se refere Jesus (já que ele é o grão enterrado que dá muito “fruto”) tem haver com uma vida entregue, como a sua, e com o Reino, que pode ser descrito com palavras como “justiça, paz, serviço, misericórdia, compromisso com o pobre, o doente, o emigrante, acolhimento, liberdade, perdão, fraternidade…”. Palavras todas elas relacionadas e referidas aos outros. Embora devamos ter cuidado com as PALAVRAS, porque, como adverte hoje a carta de João: não fiquemos nas palavras, nas crenças, nas ideias, nos discursos, nas grandes afirmações, não amemos de “BOCA”, mais com obras, com fatos. Ou seja: dando frutos. Este é seu mandamento: “que creiamos no nome de seu Filho Jesus Cristo, e que nos amemos uns a outros, tal como ele nos mandou“. Crer em Jesus Cristo é amar, nos amar…
Estamos, pois, ante um ponto central: Em que contribui a fé realmente em nossa vida? Em que consiste para nós “TER FÉ”?
- A FÉ não se joga no terreno dos sentimentos: “Já não sinto nada… devo estar perdendo a fé”, dizem alguns. Não há dúvida de que a fé toca o coração, se sente, se experimenta, se desfruta, às vezes dói… Mas seria um erro reluzi-la a sentimentos e ainda pior a “sentimentalismo”: teria fé se me emociono ou se rolam lágrimas dos meus olhos, se “sinto algo” quando comungo… A fé -como o amor autêntico- é uma atitude responsável, uma decisão pessoal, um compromisso: tenha ou não tenha sentimentos.
- A FÉ também não é uma opinião. Cada crente tem a responsabilidade de aceitar Deus em sua vida e de amadurecer e aprofundar o que significa ser discípulo de Jesus hoje, em suas circunstâncias pessoais e sociais concretas. Cada um vive a sua fé de forma pessoal, única e intransferível. Mas não significa cair no subjetivismo: “Tenho minhas próprias idéias e acredito no que penso.” A fé não é um “cardápio” que escolho com o que quero, que me convém, o que condiz com minhas opções anteriores, e vivo com quem tem ideias semelhantes às minhas… deixando de lado o que não gosto, não me cabe… Não posso me tornar um deus à minha imagem e semelhança, nem posso construir uma fé sem os outros, sem honestamente contrastar e discernir, para purificar e amadurecer o que for necessário. Não posso ignorar ou rejeitar o “diferente” pelo simples fato de ser, ou estar sempre na defensiva e de capa de chuva por tudo que não me acompanha. Isso é mais típico das seitas, ou talvez dos partidos políticos, mas não do cristão. Como diz São Paulo, o critério principal deve ser o “bem comum“, a construção do Corpo de Cristo.
- A FÉ não é um simples costume ou tradição recebida dos pais, e que muitas vezes permanece no cumprimento de certos ritos e obrigações religiosas. Isso pode ser um começo, um bom começo… mas depois você tem que personalizar, amadurecer, aplicar na sua própria vida, trabalhar e buscar um encontro pessoal com Deus, responder à sua própria vocação. Traduza para “obras”, de forma que seja a fé de / em Jesus.
- A FÉ não se reduz a uma espécie de “tranquilizante”, que me ajudaria a sentir-me bem, ou a fugir da realidade em determinados momentos. Acreditar em Deus é, sem dúvida, uma fonte de paz, conforto e serenidade, mas a fé não é apenas um “aperto” para os momentos críticos: “quando estou com problemas, procuro a Virgem ou Santo Antônio que é muito milagroso”. Acreditar é o melhor incentivo para lutar, trabalhar e viver com dignidade e responsabilidade, um impulso para se levantar e ir em frente quando as coisas dão errado. Para comprometer e transformar a realidade. A sua tarefa missionária trouxe muitas complicações a Jesus, e ele ia ao Pai não tanto para obter favores, mas para lhe perguntar qual era a sua vontade em todos os momentos e para contar com a sua força.
- A FÉ não é simplesmente um conjunto de prescrições morais, ou autoexigências com as quais podemos estar em ordem diante de Deus. A fé que se centra na correção dos defeitos, falhas e fraquezas pessoais é muito limitada, onde o eu e a minha própria perfeição são o centro do meu exame de consciência e dos meus propósitos… O AMOR é o que deve ocupar o centro, a minha dedicação, o meu serviço, meu compromisso em favor do Reino. É verdade que cometemos erros, somos condicionados por defeitos e hábitos que temos dificuldade em corrigir. E é difícil para nós nos libertar da ideia de que é por isso que Deus nos rejeita e nos condena, do mesmo muco com que o nosso coração / consciência nos condena. Muito luminoso o que nos dizia a Carta de João: se nos comprometermos com um amor prático pelo nosso irmão, não devemos temer as nossas misérias, as nossas fragilidades e nem mesmo o severo julgamento da nossa consciência; do que pode nos censurar. Podemos ficar tranquilos, porque “DEUS É MAIOR DO QUE A NOSSA CONSCIÊNCIA” (v. 20).
Amor aos irmãos, a justiça, o trabalhar pela comunhão, construir um mundo melhor para todos são os frutos que o Senhor espera dos seus ramos. Que paremos de olhar tanto para nós mesmos, e nos preocupemos em produzir as “uvas” PARA OUTROS COMEREM / BEBEREM, para iluminar e tornar a vida dos outros melhor. A obra de Jesus era viver dando-se a si mesmo. E sua “seiva” em nós tem que produzir a mesma coisa, mesmo que o galho seja feio, imperfeito ou muito retorcido pela vida. Se permanecermos unidos à videira… daremos frutos, que é o que importa para o Lavrador.
A verdadeira FÉ tem, acima de tudo, três grandes pilares, como as leituras de hoje nos ensinam:
- A PALAVRA DE JESUS, que permanece em nós e vai “limpando”, podando, purificando para que cresçam os frutos do Amor. “Se as minhas palavras permanecerem em ti…”. Portanto, no encontro frequente com a Palavra nas nossas celebrações e na nossa vida espiritual.
- A EUCARISTIA, como meio excepcional para estar em comunhão com ele, para receber a sua seiva. Quer dizer: que a Eucaristia é importante e necessária. Essencial. Não como algo obrigatório para “cumprir” os dias santos da obrigação, mas como a força de que precisamos para amar e nos doar “por Cristo, com ele e nele”. “Comunhão” não é simplesmente “comer” um pedaço de Pão. É fazer da minha vida um “pão” que se parte, se distribui e se doa “em memória dele”. É me identificar com o Senhor e permitir que ele se doe hoje por meu intermédio.
- E em terceiro lugar a COMUNIDADE. A comunhão com a videira é ao mesmo tempo, inseparavelmente, comunhão com o resto dos ramos. A Eucaristia não é um alimento privado, para mim, para minha devoção, para minhas necessidades individuais, para eu rezar sozinho minhas orações. A EUCARISTIA É UMA REFEIÇÃO FRATERNA. Se a consequência de “receber a comunhão” não me levar a envolver-me com a comunidade dos irmãos, mas me levar a sentir a necessidade de caminhar com eles… será algo diferente do que o Senhor queria: “Pegue , comam e tenham sede“, “Tomem, comam e amem-se como eu“,”Tomem, comam e lavem os pés uns dos outros.“
No final, o que “resta” é o AMOR, que é o que nos mantém vivos.
Texto: QUIQUE MARTÍNEZ DE LA LAMA-NORIEGA, cmf
Imagem: PIXABAY
Fonte: CIUDAD REDONDA (Missionários Claretianos)