V DOMINGO DO TEMPO COMUM – (ANO A)

A PALAVRA

A Palavra de Deus deste V Domingo do Tempo Comum convida-nos a refletir sobre o compromisso cristão. Aqueles que foram interpelados pelo desafio do “REINO” não podem remeter-se a uma vida cômoda e instalada, nem refugiar-se numa religião ritual e feita de gestos vazios; mas têm de viver de tal forma comprometidos com a transformação do mundo que se tornem uma luz que brilha na noite do mundo e que aponta no sentido desse mundo de plenitude que Deus prometeu aos homens – o mundo do “REINO”.

No Evangelho (Mt 5,13-16), Jesus exorta os seus discípulos a não se instalarem na mediocridade, no comodismo, no “deixa andar”; e pede-lhes que sejam o sal que dá sabor ao mundo e que testemunha a perenidade e a eternidade do projeto salvador de Deus; também os exorta a serem uma luz que aponta no sentido das realidades eternas, que vence a escuridão do sofrimento, do egoísmo, do medo e que conduz ao encontro de um “REINO” de liberdade e de esperança.

A primeira leitura (Is 58,7-10) apresenta as condições necessárias para “ser luz”: é uma “LUZ” que ilumina o mundo, não quem cumpre ritos religiosos estéreis e vazios, mas quem se compromete verdadeiramente com a justiça, com a paz, com a partilha, com a fraternidade. A verdadeira religião não se fundamenta numa relação “platônica” com Deus, mas num compromisso concreto que leva o homem a ser um sinal vivo do amor de Deus no meio dos seus irmãos.

A segunda leitura (1Cor 2,1-5) avisa que ser “LUZ” não é colocar a sua esperança de salvação em esquemas humanos de sabedoria, mas é identificar-se com Cristo e interiorizar a “loucura da cruz” que é dom da vida. Pode-se esperar uma revelação da salvação no escândalo de um Deus que morre na cruz? Sim. É na fragilidade e na debilidade que Deus Se manifesta: o exemplo de Paulo – um homem frágil e pouco brilhante – demonstra-o.

Fonte: Congregação dos Sacerdotes do Coração de Jesus

Leituras

A questão essencial é esta: como é que podemos ser uma luz que acende a esperança no mundo e aponta no sentido de uma nova terra, mais cheia de paz, de esperança, de felicidade? Esta leitura responde: não é com liturgias solenes ou com ritos litúrgicos espalhafatosos, muitas vezes estéreis e vazios; mas é com uma vida onde o amor a Deus se traduz no amor ao irmão e se manifesta em gestos de partilha, de fraternidade, de libertação.

Assim diz o Senhor:
7 Reparte o pão com o faminto,
acolhe em casa os pobres e peregrinos.
Quando encontrares um nu, cobre-o,
e não desprezes a tua carne.
8 Então, brilhará tua luz como a aurora
e tua saúde há de recuperar-se mais depressa;
à frente caminhará tua justiça
e a glória do Senhor te seguirá.
9 Então invocarás o Senhor e ele te atenderá,
pedirás socorro, e ele dirá: “Eis-me aqui”.
Se destruíres teus instrumentos de opressão,
e deixares os hábitos autoritários
e a linguagem maldosa;
10 se acolheres de coração aberto o indigente
e prestares todo o socorro ao necessitado,
nascerá nas trevas a tua luz
e tua vida obscura será como o meio-dia.
Palavra do Senhor.

Seu coração está tranquilo e nada teme

R. Uma luz brilha nas trevas para o justo,
    permanece para sempre o bem que fez.

4 Ele é correto, generoso e compassivo,*
como luz brilha nas trevas para os justos.
5 Feliz o homem caridoso e prestativo,*
que resolve seus negócios com justiça. R.

6 Porque jamais vacilará o homem reto,*
sua lembrança permanece eternamente!
7 Ele não teme receber notícias más:*
confiando em Deus, seu coração está seguro. R.

8a Seu coração está tranquilo e nada teme*
9 Ele reparte com os pobres os seus bens,
permanece para sempre o bem que fez*
e crescerão a sua glória e seu poder. R.

Uma porcentagem significativa dos homens do nosso tempo está convencida de que o segredo da realização plena do homem está em fatores humanos (preparação intelectual, êxito profissional, reconhecimento social, bem-estar económico, poder político, etc.); mas Paulo avisa que apostar tudo nesses elementos é jogar no “cavalo errado”: o homem só encontra a realização plena, quando descobre Cristo crucificado e aprende com Ele o amor total e o dom da vida. Para mim, qual destas duas propostas faz mais sentido?

1 Irmãos, quando fui à vossa cidade
anunciar-vos o mistério de Deus,
não recorri a uma linguagem elevada
ou ao prestígio da sabedoria humana.
2 Pois, entre vós, não julguei saber coisa alguma,
a não ser Jesus Cristo,
e este, crucificado.
3 Aliás, eu estive junto de vós,
com fraqueza e receio, e muito tremor.
4 Também a minha palavra e a minha pregação
não tinham nada dos discursos persuasivos da sabedoria,
mas eram uma demonstração do poder do Espírito,
5 para que a vossa fé se baseasse no poder de Deus
e não na sabedoria dos homens.
Palavra do Senhor.

A força e a “sabedoria de Deus” manifestam-se, tantas vezes, na fragilidade, na pequenez, na obscuridade, na pobreza (como o exemplo de Paulo o comprova). Sendo assim, não nos parecem ridículas e descabidas as nossas poses de importância, de autoridade, de protagonismo, de brilho intelectual?

Naquele tempo, disse Jesus a seus discípulos:
13 “Vós sois o sal da terra.
Ora, se o sal se tornar insosso,
com que salgaremos?
Ele não servirá para mais nada,
senão para ser jogado fora e ser pisado pelos homens.
14 Vós sois a luz do mundo.
Não pode ficar escondida uma cidade
construída sobre um monte.
15 Ninguém acende uma lâmpada, e a coloca
debaixo de uma vasilha, mas sim, num candeeiro,
onde brilha para todos que estão na casa.
16 Assim também brilhe a vossa luz diante dos homens,
para que vejam as vossas boas obras
e louvem o vosso Pai que está nos céus”.
Palavra da Salvação.

Reflexão

VOCÊ É LUZ, VOCÊ É SAL

Já ouvimos isso muitas vezes. Já sabemos que temos que ser o sal da terra, a luz do mundo, uma cidade no alto de uma montanha e uma lâmpada no castiçal. Esta é uma daquelas parábolas que precisam de poucas explicações.

Porém hoje, enquanto meditava no texto do Evangelho para escrever estas palavras, o Espírito fez-me prestar atenção na forma como Jesus diz todas estas coisas: “SOIS“.

Ele não disse “você tem que ser”, nem “você deve ser”. Não estamos diante de um convite, nem de uma oferta, nem de uma meta que devemos considerar em nossas vidas. Jesus segue o mesmo estilo de discurso que havia começado – e que lemos no domingo passado – das bem-aventuranças: «Bem-aventurados os que…». Tampouco deu instruções ali, nem comandou nada, nem exigiu… Ninguém pode pretender nos comandar para sermos felizes.

Porém temos uma espécie de “tendência inata” para converter tudo o que lemos no Evangelho em obrigações… ou pior ainda… em “moralidade”. Imediatamente o “temos que”, ou “devemos”, e ao mesmo tempo “que pena, porque eu não sou assim, ou tenho um longo caminho a percorrer para conseguir” são acionados.

O Senhor deixou escapar uma afirmação clara de algo que está implícito em nossa condição de discípulos: não é que “devamos ser” sal ou luz: É QUE SOMOS LUZ E SAL. O que o SAL tem a ver com o sal? Seja o que é. O que uma lâmpada acesa tem que fazer para iluminar? Ser uma lâmpada acesa significa: não deixar de ser o que somos… não perder a nossa identidade, o nosso “SER”. E o que somos não pode ser escondido, assim como uma cidade construída no topo de uma montanha não pode ser escondida. Por estar onde está…  VOCÊ PODE VER! Por ser o que é… VOCÊ PODE VER!

O discípulo – como Jesus o descreveu em seu Sermão da Montanha -, É uma pessoa FELIZ, e sua felicidade é o que dá sabor a um mundo triste, dá sabor a um mundo tão monótono como este, irradia luz no meio da escuridão. É aquele que, em meio às injustiças, dificuldades, pobreza, fome, etc., vive de forma diferente, oferece alternativas e segue em frente… amparado por Deus e sua comunidade de irmãos/discípulos.

Jesus explicava-nos sobre as raízes da felicidade: Quando alguém escolhe a pobreza, se liberta de tantas angústias que chegam do esforço de ter que garantir a nossa felicidade com base nas coisas, e ousa repartir o que tem com os irmãos, é FELIZ! Assim como Jesus. Quando vemos que alguém em nosso mundo hoje vive com essa liberdade de espírito, isso brilha sobre nós como LUZ e nos envia uma centelha de alegria. Podemos recordar a alegria que exalava aquela mulher austera e dedicada que era Teresa de Calcutá, ou a alegria contagiante que brotava do coração do Pobre de Assis, São Francisco? E tantos outros.

Jesus também destaca a felicidade resultante de se ter olhos e coração puros. Estamos tão acostumados a rotular as pessoas, a fazer divisões, a esconder segundas intenções por trás do nosso comportamento, a nos distanciar das pessoas que nos incomodam ou são “diferentes”… Jesus, por outro lado, viu por trás daquela samaritana pecadora uma mulher sedenta de felicidade; atrás daquele ganancioso cobrador de impostos chamado Zaqueu, um homem confuso, rico e infeliz; atrás daquele rude e teimoso pescador da Galileia a pedra sobre a qual edificaria a sua Igreja; por trás daquele centurião pagão, uma fé tremenda em Deus, maior que a dos israelitas… Também hoje, quando alguém tenta se livrar de preconceitos, e traz à tona o que há de melhor no outro… está acendendo luzes na vida das pessoas .

Este mundo, tão cheio de injustiças e tão carente de paz, ilumina-se quando alguém pega na lâmpada e a expõe, denuncia a corrupção, defende os pobres e constrói pontes que permitem o encontro e a reconciliação. Essas pessoas pacíficas são felizes, e espalham bem-estar e felicidade…

E também acendemos uma lâmpada e damos sabor à vida quando ouvimos a voz do coração que nos convida a ser misericordiosos, e arregaçamos as mangas e estendemos a mão desinteressada a quem precisa… exemplo de Madre Teresa de Calcutá:

Lembro que quando chegamos à Austrália fomos visitar as pessoas mais pobres para ajudar suas famílias. Fomos a uma casinha onde morava um homem. Perguntei se ele me deixaria limpar a casa dele e ele disse: “Não precisa. Está bem assim”. Eu disse a ele que seria melhor se ele me permitisse limpá-lo. Então comecei a limpar e lavar suas roupas. Então eu vi na sala uma grande lâmpada cheia de poeira e sujeira.
Eu perguntei a ele:
– Você pode acender esta linda lâmpada?

– Para que? Ninguém em muitos anos veio me visitar.
-Você acenderia a lamparina se as irmãs começassem a visitá-lo?
-Sim.    
Limpei a lâmpada e as irmãs começaram a visitá-lo todas as tardes. Dois anos depois, eu havia me esquecido completamente do episódio, mas ele me mandou uma mensagem: “Diga à minha amiga que a luz que ela acendeu em mim ainda brilha“.

Assim poderíamos rever o resto das bem-aventuranças. Não são “compromissos” ou “coisas” que temos que fazer para sermos discípulos. É ao contrário: os discípulos são aqueles que descobriram e viveram tudo isso, e com seu estilo de vida nos mostram que as coisas podem ser bem diferentes.

E o que temos que fazer para aromatizar ou dispersar as trevas com a nossa luz? Ser discípulo é estar conectado com Deus, estar no meio do mundo com o que somos e com o que fazemos. Embora eu tema que muitos habitantes daquela Cidade da LUZ que é a Igreja (especialmente aquela imensa “central elétrica” que são os leigos) não tenham descoberto sua capacidade de acender e iluminar: são lâmpadas, holofotes, velas, abajures… que realmente não se “conectaram” com quem é a Luz do mundo, porque se  assim o fizessem… se tornariam pessoas luminosas:

A tua luz romperá como a aurora se repartires o teu pão com o faminto, acolheres quem não tem teto, vestir quem anda nu e não ignorar as feridas de quem é homem como tu, -teus irmãos- Tu mesmo te sentirás feliz, porque as feridas do coração que tanto doem serão curadas: “brotará carne sã” (Primeira leitura)

Os discípulos de Jesus distinguem-se, sobretudo por isso: pela luz que dão, pelo sabor que põem no mundo. Uma luz que não ofusca: é apenas uma lâmpada no meio da escuridão. Um sal que não pode ser adicionado em grandes quantidades, porque o que é muito salgado fica estéril, não tem quem coma. São pequenas doses, apenas o suficiente. É uma questão de “acreditar ou não acreditar”. Ser ou não ser de Jesus. Faremos isso, como disse São Paulo:

fracos e trêmulos de medo; sem persuasiva sabedoria humana, mas na manifestação e poder do Espírito, para que a nossa fé não se baseie na sabedoria dos homens, mas no poder de Deus”. (Segunda leitura).

Não há necessidade de adicionar mais nada. VOCÊ É LUZ, VOCÊ É SAL, VOCÊ É LÂMPADA, VOCÊ É UMA CIDADE NO ALTO. Fique atento, fique feliz com isso e não desista do que você é… Acenda lâmpadas, dê sabor à vida dos outros com o que você é, com o que você tem, com o que você faz, como você pode. É uma questão de “CRER OU NÃO CRER”, viver ou não o Evangelho.

Texto: Quique Martínez de la Lama-Noriega, cmf.
Fonte: MISSIONÁRIOS CLARETIANOS (CIUDAD REDONDA)