O tema fundamental da liturgia deste domingo é o do AMOR: o que identifica os seguidores de Jesus é a capacidade de amar até ao dom total da vida.
No Evangelho (At 14,21b-27), Jesus despede-Se dos seus discípulos e deixa-lhes em testamento o mandamento novo: amai-vos uns aos outros, como Eu vos amei. É nessa entrega radical da vida que se cumpre a vocação cristã e que se dá testemunho no mundo do amor materno e paterno de Deus.
Na primeira leitura (At 14,21b-27) apresenta-se a vida dessas comunidades cristãs chamadas a viver no amor. No meio das vicissitudes e das crises, são comunidades fraternas, onde os irmãos se ajudam, se fortalecem uns aos outros nas dificuldades, se amam e dão testemunho do amor de Deus. É esse projeto que motiva Paulo e Barnabé e é essa proposta que eles levam, com a generosidade de quem ama, aos confins da Ásia Menor.
A segunda leitura (Ap 21,1-5a) apresenta-nos a meta final para onde caminhamos: o novo céu e a nova terra, a realização da utopia, o rosto final dessa comunidade de chamados a viver no amor.
Leituras
Para aqueles que têm responsabilidades de direção ou de animação das comunidades: a missão que lhes foi confiada não é um privilégio, mas um serviço que está subordinado à construção da própria comunidade. A comunidade não existe para servir quem preside; quem preside é que existe em função da comunidade e do serviço comunitário.
Naqueles dias: Paulo e Barnabé,
21bvoltaram para as cidades de Listra, Icônio e Antioquia.
22Encorajando os discípulos,
eles os exortavam a permanecerem firmes na fé,
dizendo-lhes: ‘É preciso
que passemos por muitos sofrimentos
para entrar no Reino de Deus’.
23Os apóstolos designaram presbíteros para cada
comunidade.
Com orações e jejuns, eles os confiavam ao Senhor,
em quem haviam acreditado.
24Em seguida, atravessando a Pisídia,
chegaram à Panfília.
25Anunciaram a palavra em Perge,
e depois desceram para Atália.
26Dali embarcaram para Antioquia,
de onde tinham saído, entregues à graça de Deus,
para o trabalho que haviam realizado.
27Chegando ali, reuniram a comunidade.
Contaram-lhe tudo o que Deus fizera por meio deles
e como havia aberto a porta da fé para os pagãos.
Palavra do Senhor.
8Misericórdia e piedade é o Senhor,*
ele é amor, é paciência, é compaixão.
9O Senhor é muito bom para com todos,*
sua ternura abraça toda criatura.R.
10Que vossas obras, ó Senhor, vos glorifiquem,*
e os vossos santos com louvores vos bendigam!
11Narrem a glória e o esplendor do vosso reino*
e saibam proclamar vosso poder!R.
12Para espalhar vossos prodígios entre os homens*
e o fulgor de vosso reino esplendoroso.
13aO vosso reino é um reino para sempre,*
13bvosso poder, de geração em geração.R.
O testemunho profético de João garante-nos que não estamos destinados ao fracasso, mas sim à vida plena, ao encontro com Deus, à felicidade sem fim. Esta esperança tem de iluminar a nossa caminhada e dar-nos a coragem de enfrentar os dramas
e as crises que dia a dia se nos apresentam.
Eu, João,
1Vi um novo céu e uma nova terra.
Pois o primeiro céu e a primeira terra passaram,
e o mar já não existe.
2Vi a cidade santa, a nova Jerusalém,
que descia do céu, de junto de Deus,
vestida qual esposa enfeitada para o seu marido.
3Então, ouvi uma voz forte
que saía do trono e dizia:
‘Esta é a morada de Deus entre os homens.
Deus vai morar no meio deles.
Eles serão o seu povo,
e o próprio Deus estará com eles.
4Deus enxugará toda lágrima dos seus olhos.
A morte não existirá mais,
e não haverá mais luto, nem choro, nem dor,
porque passou o que havia antes.’
5Aquele que está sentado no trono disse:
‘Eis que faço novas todas as coisas.’
Depois, ele me disse: ‘Escreve,
porque estas palavras são dignas de fé e verdadeiras.’
Palavra do Senhor.
A proposta cristã resume-se no AMOR. É o AMOR que nos distingue, nos identifica; quem não aceita o amor, não pode ter qualquer pretensão de integrar a comunidade de Jesus. O que é que está no centro da nossa experiência cristã? A nossa religião é a religião do AMOR, ou é a religião das leis, das exigências, dos ritos externos? Com que força nos impomos no mundo, com a força do AMOR, ou com força da autoridade prepotente e dos privilégios?
31Depois que Judas saiu, do cenáculo
disse Jesus:
‘Agora foi glorificado o Filho do Homem,
e Deus foi glorificado nele.
32Se Deus foi glorificado nele,
também Deus o glorificará em si mesmo,
e o glorificará logo.
33aFilhinhos,
por pouco tempo estou ainda convosco.
34Eu vos dou um novo mandamento:
amai-vos uns aos outros.
Como eu vos amei,
assim também vós deveis amar-vos uns aos outros.
35Nisto todos conhecerão que sois meus discípulos,
se tiverdes amor uns aos outros.’
Palavra da Salvação.
Fonte: Liturgia Diária – CNBB
Reflexão
O AMOR, COMANDO E SINAL
O Verbo de Deus, pelo qual todas as coisas foram feitas, Ele revela-nos que «Deus é AMOR» (1Jo. 4, 8) e ensina-nos ao mesmo tempo que a lei fundamental da perfeição humana e, portanto, da transformação do mundo, é o novo mandamento do AMOR. Dá, assim, aos que acreditam no AMOR de Deus, a certeza de que o caminho do AMOR está aberto para todos e que o esforço por estabelecer a universal fraternidade não é vão. (GAUDIUM ET SPES 38).
Depois de uma vida como a sua, tão cheia de gestos, compromissos, escolhas corajosas, renúncias… Uma vida em que deixou amigos por toda parte, com momentos de intensa alegria; com espaços de silêncio para contemplar, descobrir, surpreender, mergulhar nos acontecimentos e descansar diante do Pai; com boas lembranças compartilhadas ou saboreadas a sós… seria de esperar um “testamento” longo, profundo e denso de Jesus…
Quando Judas, que é símbolo da falta de amor, da traição, da incapacidade de criar uma comunidade, de aceitar o amor gratuito, sai… Jesus sabe que seu Tempo está próximo e é quando nos deixa sua última mensagem, seu Testamento.
Fala principalmente de duas coisas: do “mandamento” e do “sinal“.
Neste momento não sugere, nem propõe ou convida: MANDA.
- MANDA porque parece ser a única maneira de permanecer gravada em nossa consciência.
- MANDA porque sabe o quanto somos fracos, e um simples «convite»… não costumamos levar em conta.
- MANDA porque sabe que estamos presos pelos mil e um “mandamentos indiscutíveis” da sociedade e da cultura em que nos movemos: gastar, desfrutar, não confiar, esconder, dissimular, escalar, derrotar, destruir, acumular, pôr de lado, descartar, e tantos outros, etc. (todos “imperativos”).
- MANDA fazer algo que, à primeira vista, “não pode mandar”, porque os nossos sentimentos são a coisa mais caprichosa, inconstante, mutável e rebelde que os seres humanos podem sentir. Não as escolhemos, e não cabe a nós tê-las ou não tê-las. É impossível, com base na vontade e no esforço, sentir afeto por pessoas que nos são indiferentes, de quem não “gostamos”, com quem temos pouco em comum, ou de quem não gostamos de todo… Isto não se pode mandar, porque não está no nosso poder obedecer.
Como podemos mostrar AMOR ao “Judas” de nossas vidas, que nos fez tanto mal? Como podemos amar essas “pessoas tóxicas”, cuja presença nos prejudica, desgasta, nos faz perder a paciência e os nervos, nos incomoda…?
Como pode nos mandar arrancar a raiva, a rejeição, o ódio, a vingança ou a simples indiferença das profundezas de nossos corações? Gostaríamos, porque a verdade é que estamos convencidos de que somos mais felizes sem guardar tanto lixo em nossos corações… mas raramente conseguimos reciclá-lo ou eliminá-lo sozinhos.
E acontece que aquilo que só faríamos para uma pessoa muito especial para nós… nos MANDA que façamos com cada um que encontrarmos pelo caminho. Ele nos manda amar uns aos outros. Não se trata de ser educado e correto ou gentil (o que não seria pouco). «Como eu te amei». Ou seja: ordena-nos a amar até darmos a nossa vida. Não é demais? Envia-nos/desafia-nos à transformação mais radical e profunda. É um «MANDAMENTO» muito especial porque é difícil, porque é impossível.
Porém devemos ter em mente que Jesus disse tudo isso “no final“, quando se despede de seus discípulos. Ao longo de sua vida, Jesus foi ensinando-os, acompanhando-os, ajudando-os, corrigindo-os, ajudando-os a crescer… sem lhes impor condições. Eles foram os primeiros a experimentar pessoalmente os “efeitos” de tal AMOR. E, portanto, parece lógico CORRESPONDER a esse AMOR, tentar amá-lo da mesma maneira. Mas Jesus faz um deslocamento impressionante e surpreendente: diz que o AMOR que sentimos por ele, a gratidão e a aceitação de tudo o que ele é e faz por nós… devemos derramar sobre os irmãos, sobre a Comunidade de Discípulos. “Se você me ama“… “Se amem uns aos outros“.
Todos nós florescemos quando nos sentimos amados porque o AMOR nos lança e nos convida a criar raízes na vida dos outros. Pertencemos um ao outro e a felicidade pessoal vem de fazer os outros felizes. Todo o resto é história. Quando as pessoas não amarem mais, será realmente o fim do mundo, porque sem AMOR e sem Deus nenhum homem pode viver na terra (Papa Francisco na Romênia, 2019)
E só seria “mandamento” na medida em que experimentamos a 2ª parte da frase “COMO EU“. Quando alguém se sente amado, sabe que é amado… torna-se capaz de amar, transborda seu AMOR sobre os outros. E no caso de Jesus muito mais. Esta é a chave do seu «mandamento»: TRANSMITIR O QUE DELE NÓS RECEBEMOS E EXPERIMENTAMOS. Se nos sentimos acompanhados, curados, perdoados, amados por ele… seremos capazes de fazê-lo com os outros. Será o seu AMOR em que nós fará amar assim.
Ele então associa o “mandamento” a um “SINAL“. O sinal de que somos dele e que aceitamos seu próprio Pai como Pai e experimentamos seu AMOR … está na maneira de como tratamos nossos irmãos e irmãs, em que começamos a amar. Também podemos dizer ao contrário: se não amarmos, eles não poderão reconhecer quem é nosso Pai ou nosso Mestre.
Para que outros saibam que somos discípulos e amigos de Jesus, não podemos apresentar nenhum cartão, nem é suficiente apresentar um certificado de batismo, nem recitar de cor todo o catecismo (o que já é bastante difícil)… nem podemos incomodar os nossos familiares e conhecidos dizendo que somos… É no nosso empenho e no nosso estilo de amar que eles serão capazes de detectar quem realmente somos.
Porque somos fracos, por vezes seremos um sinal e por vezes deixaremos de ser um sinal, e podemos até não ser sinal de nada. Podemos por vezes ser uma poderosa tocha, e outras vezes um humilde fósforo no meio da noite. Amaremos o melhor que pudermos, com coração, alma e vida, às vezes com um sorriso, às vezes com exaustão, às vezes com esforço, às vezes com desesperança. Porém, nunca amaremos tanto quanto podemos, ou tanto quanto Ele nos amou. Seremos reconhecidos como seus discípulos na medida em que nunca nos cansamos de tentar.
E quando já não pudermos, quando for impossível para nós, recorreremos a Ele, para pedir-Lhe que nos faça experimentar mais fortemente esse Seu AMOR. Esse AMOR o qual chamamos ESPÍRITO SANTO e que nunca nega àqueles que pedem. Esta deve ser a nossa oração principal e incansável. Só o Espírito nos fará ser o que realmente somos: filhos, irmãos e discípulos.
Texto: Quique Martínez de la Lama-Noriega, cmf
Fonte: Ciudad Redonda