O que significa “NASCER DE NOVO” ou “NASCER DO ALTO”? Se você é evangélico ou batista, já terá respondido por si mesmo. Mas se você é católico ou pertence à corrente principal do protestantismo, então a frase não faz parte do seu vocabulário espiritual e, além disso, pode conotar para você certo fundamentalismo bíblico que o confunde.
O que significa “NASCER DE NOVO“? A expressão aparece no Evangelho de João (João 3, 3-7)em uma conversa que Jesus teve com um homem chamado Nicodemos. Jesus diz a ele que “ele precisa nascer de novo do alto“. Nicodemos entende isso ao pé da letra e responde que é impossível para um homem adulto voltar a entrar no ventre de sua mãe para nascer mais uma vez. Jesus usa a frase metaforicamente, dizendo a Nicodemos que esse segundo nascimento não é da carne, mas “DA ÁGUA E DO ESPÍRITO“. Bem… isso não deixa as coisas muito claras nem para Nicodemos, nem para nós. O que significa “nascer de novo do alto“?
Talvez haja muitas respostas, mesmo tantas quantas pessoas no mundo. O nascimento espiritual, em oposição ao físico, não significa o mesmo para todos. Tenho amigos evangélicos que dizem que para eles isso se refere a um momento afetivo particularmente poderoso dentro deles quando, como Maria Madalena no jardim com Jesus no domingo de Páscoa, eles têm um encontro pessoal profundo no qual sem dúvida afirmam seu amor íntimo por ele. Naquele momento, segundo suas próprias palavras, eles encontram Jesus Cristo e nascem de novo, embora desde a infância sempre tenham conhecido Jesus e tenham sido cristãos.
A maioria dos católicos e do protestantismo convencional não identifica “conhecer Jesus” com essa experiência afetiva pessoal. Mas então eles se perguntam o que exatamente Jesus pretende quando o desafia a “nascer de novo do alto“.
Um padre que conheço compartilha essa história em relação à sua compreensão disso. Sua mãe, já viúva a algum tempo antes de sua ordenação, morava na mesma paróquia onde ele próprio fora designado para ministrar. Foi uma bênção confusa, ele ficava muito feliz em ver sua mãe todos os dias na Igreja, mas ela, viúva e sozinha, passou a contar muito com ele, exigindo dele tempo e ele, como filho obediente, teve que passar todo o seu tempo livre com a mãe, levando-a para comer ou para passear e sendo seu primeiro contato vital com o mundo fora do espaço estreito da casa de repouso em que ela vivia. No tempo que passaram juntos, ela frequentemente se lembrava e reclamava sobre morar sozinha e ficar sozinha. Mas um dia, em uma caminhada com ela, após um momento de silêncio, Ela disse algo que o surpreendeu e captou profundamente sua atenção: “EU ME DEIXEI DOMINAR PELO MEDO!” Ela disse: “Não tenho mais medo de nada. Passei minha vida inteira vivendo com medo. Mas agora, eu o derrotei porque não tenho nada a perder. Já perdi tudo, meu marido, a beleza do meu corpo, minha saúde, meu lugar no mundo e muito do meu orgulho e dignidade, agora estou livre! Eu não tenho mais medo!“
Seu filho, que ao longo do tempo apenas a ouvia pela metade, agora começou a ouvi-la. Ele começou a passar muitas horas com ela, percebendo que ela tinha algo importante para lhe ensinar. Depois de mais alguns anos, ela morreu. Mas, a essa altura, ela já havia conseguido ensinar ao filho algumas coisas que o ajudaram a entender mais profundamente sua própria vida. “Minha mãe me deu à luz duas vezes; uma desde baixo e outra do alto”, disse. Ele agora entende algo que Nicodemos não conseguiu entender.
CADA UM, SEM DÚVIDA, TEM SUA HISTÓRIA.
E o que os estudiosos da Bíblia nos ensinam sobre isso? Os evangelhos sinóticos, dizem os estudiosos, nos dizem que só podemos entrar no Reino de Deus se nos tornarmos criancinhas, o que significa que devemos, em nossa vida concreta, reconhecer nossa dependência de Deus e dos outros. Não somos autossuficientes e isso significa reconhecer e viver verdadeiramente a nossa dependência humana da grande providência de Deus. Fazer isso é NASCER DO ALTO.
O Evangelho de João acrescenta algo a isso. Raymond Brown, comentando o Evangelho de João, diz assim: Nascer de novo do alto significa que devemos, em certo ponto de nossa vida, entender que o fundamento de nossa vida está além deste mundo, um lugar além do ventre de nossa mãe e que uma vida mais profunda significa percebê-lo. Desse modo, vivenciamos dois nascimentos, um que nos dá vida biológica (nascimento neste mundo) e outro que nos dá vida escatológica (nascemos neste mundo para a fé, a alma, o amor e o espírito). E às vezes, como foi o caso do meu amigo, pode ser sua própria mãe quem ajuda novamente neste segundo nascimento. Nicodemos achou difícil superar seu empirismo instintivo. No final, ele foi capaz de fazer isso. NÓS PODEMOS?
Texto: RON ROLHEISER
Imagem: PIXABAY
Fonte: CIUDADREDONDA