XXVIII DOMINGO DO TEMPO COMUM (ANO C)

A PALAVRA

A liturgia deste domingo mostra-nos, com exemplos concretos, como Deus tem um projeto de salvação para oferecer a todos os homens, sem exceção; reconhecer o dom de Deus, e acolhê-lo com amor e gratidão, é a condição para vencer a alienação, o sofrimento, o afastamento de Deus e dos irmãos e chegar à vida plena.

A primeira leitura (2Rs 5,14-17) apresenta-nos a história de um leproso (o sírio Naamã). O episódio revela que só Jahwéh oferece ao homem a vida e a salvação, sem limites nem exceções; ao homem resta acolher o dom de Deus, reconhecê-lO como o único salvador e manifestar-Lhe gratidão.

O Evangelho (Lc 17,11-19) apresenta-nos um grupo de leprosos que se encontram com Jesus e que através de Jesus descobrem a misericórdia e o amor de Deus. Eles representam toda a humanidade, envolvida pela miséria e pelo sofrimento, sobre quem Deus derrama a sua bondade, o seu amor, a sua salvação. Também aqui se chama a atenção para a resposta do homem ao dom de Deus: todos os que experimentam a salvação que Deus oferece devem reconhecer o dom, acolhê-lo e manifestar a Deus a sua gratidão. 

A segunda leitura (2Tm 2,8-13) define a existência cristã como identificação com Cristo. Quem acolhe o dom de Deus torna-se discípulo: identifica-se com Cristo, vive no amor e na entrega aos irmãos e chega à vida nova da ressurreição.

Fonte: Congregação dos Sacerdotes do Coração de Jesus

Leituras

Convém não esquecer que a proposta de salvação que Deus faz se destina a todos os homens e mulheres, sem exceção. O nosso Deus não é um Deus dos “bonzinhos”, dos bem comportados, dos brancos, dos politicamente corretos ou dos que têm o nome no livro de registros da paróquia… O nosso Deus é o Deus que oferece a vida a todos e que a todos ama como filhos; o que é decisivo é aceitar a sua oferta de salvação e acolher o seu dom. Daqui resultam duas coisas importantes: a primeira é que não basta ser batizado (e depois prescindir d’Ele e viver à margem das suas propostas); a segunda é que não podemos marginalizar ou excluir qualquer irmão nosso.

Naqueles dias,
14 Naamã, o sírio, desceu e mergulhou sete vezes no Jordão, 
conforme o homem de Deus tinha mandado,
e sua carne tornou-se semelhante à de uma criancinha,
e ele ficou purificado.
15 Em seguida, voltou com toda a sua comitiva
para junto do homem de Deus.
Ao chegar, apresentou-se diante dele e disse:
“Agora estou convencido
de que não há outro Deus em toda a terra,
senão o que há em Israel!
Por favor, aceita um presente de mim, teu servo”.
16 Eliseu respondeu:
“Pela vida do Senhor, a quem sirvo, nada aceitarei”.
E, por mais que Naamã insistisse, ficou firme na recusa.
17 Naamã disse estão: 
“Seja como queres.
Mas permite que teu servo leve daqui a terra
que dois jumentos podem carregar.
Pois teu servo já não oferecerá
holocausto ou sacrifício a outros deuses,
mas somente ao Senhor”.
Palavra do Senhor.

R. O Senhor fez conhecer a salvação e às nações revelou sua justiça.

1 Cantai ao Senhor Deus um canto novo,*
porque ele fez prodígios!
Sua mão e o seu braço forte e santo*
alcançaram-lhe a vitória. R.
 

2 O Senhor fez conhecer a salvação,*
e às nações, sua justiça;

3a recordou o seu amor sempre fiel*
b pela casa de Israel. R.

3c Os confins do universo contemplaram* d a salvação do nosso Deus.
4 Aclamai o Senhor Deus, ó terra inteira,*
alegrai-vos e exultai! R.

A opinião pública do nosso tempo está convencida de que uma vida gasta no serviço simples e humilde em favor dos irmãos é uma vida fracassada; mas o autor da Segunda Carta a Timóteo garante que uma vida de amor e de serviço é uma vida PLENAMENTE REALIZADA, pois no final da caminhada espera-nos a ressurreição, a vida plena (são os efeitos da nossa identificação com Cristo). O que é que, para mim, faz mais sentido? No meu dia a dia domina o egoísmo e a autossuficiência, ou o amor, a partilha, o dom da vida?

Caríssimo:
8 Lembra-te de Jesus Cristo, da descendência de Davi,
ressuscitado dentre os mortos, 
segundo o meu evangelho.
9 Por ele eu estou sofrendo até às algemas,
como se eu fosse um malfeitor;
mas a palavra de Deus não está algemada.
10 Por isso suporto qualquer coisa pelos eleitos,
para que eles também alcancem a salvação,
que está em Cristo Jesus,
com a glória eterna.
11 Merece fé esta palavra:
se com ele morremos, com ele viveremos.
12 Se com ele ficamos firmes, com ele reinaremos.
Se nós o negamos, também ele nos negará.
13 Se lhe somos infiéis, ele permanece fiel,
pois não pode negar-se a si mesmo.
Palavra do Senhor.

É preciso ter uma resposta de gratidão e de adesão à proposta de salvação que Deus faz. Atenção: muitas vezes são aqueles que parecem mais fora da órbita de Deus que primeiro reconhecem o seu dom, que o acolhem e que aderem à proposta de vida nova que lhes é feita. Às vezes, aqueles que lidam diariamente com o mundo do sagrado estão demasiado cheios de autossuficiência e de orgulho para acolherem com humildade e simplicidade os dons de Deus, para manifestarem gratidão e para aceitarem ser transformados pela graça… Convém pensar na atitude que, dia a dia, eu assumo diante de Deus: se é uma atitude de autossuficiência, ou se é uma atitude de adesão humilde e de gratidão.

11 Aconteceu que, caminhando para Jerusalém,
Jesus passava entre a Samaria e a Galileia.
12 Quando estava para entrar num povoado,
dez leprosos vieram ao seu encontro.
Pararam à distância,
13 e gritaram: 
“Jesus, Mestre, tem compaixão de nós!”
14 Ao vê-los, Jesus disse:
“Ide apresentar-vos aos sacerdotes”.
Enquanto caminhavam, 
aconteceu que ficaram curados.
15 Um deles, ao perceber que estava curado,
voltou glorificando a Deus em alta voz;
16 atirou-se aos pés de Jesus, com o rosto por terra,
e lhe agradeceu.
E este era um samaritano.
17 Então Jesus lhe perguntou:
“Não foram dez os curados?
E os outro nove, onde estão?
18 Não houve quem voltasse para dar glória a Deus,
a não ser este estrangeiro?”
19 E disse-lhe: 
“Levanta-te e vai! Tua fé te salvou”.
Palavra da Salvação.

Reflexão

UM CORAÇÃO AGRADECIDO

Li numa estatística que todos os dias dizemos obrigado mais de vinte vezes. Dizemos obrigado cara a cara, por telefone, por e-mail, por Whatsapp, por SMS… Muitas vezes automaticamente, sem sequer perceber. Tal como poderíamos ter dito “ok”, “ok” ou “bom, ótimo”.

Mas quantas dessas vezes somos verdadeiramente capazes de mostrar gratidão? Porque há uma grande diferença entre “dizer obrigado” e mostrar o nosso apreço. Dizer “obrigado” é muitas vezes uma resposta automática, uma convenção social, por vezes até “interessada”: obrigado pela vossa atenção, obrigado por fazerem compras nas nossas lojas, obrigado por viajarem com a nossa empresa e esperamos vê-los novamente a bordo…

Mas a verdadeira gratidão vai muito além de dizer a palavra “obrigado”: ​​é mostrar à outra pessoa que realmente valorizamos e apreciamos o que ela fez por nós ou o que ela nos deu. Essa gratidão surge quando alguém se sente “especial”, movido por um detalhe (ou algo mais do que um detalhe) que teve comigo, quando você percebe que tentou te agradar, quando alguém foi muito além do que é sua obrigação, se incomodar mais do que o necessário, quando te fizeram sentir “especial”…

Por exemplo: lembro-me de uma ocasião quando procurava certo lugar numa cidade que me era totalmente desconhecida, e estava muito perdido. Quando parei o carro para perguntar a alguém que passava… o homem simpático abriu a porta do carro, entrou e disse-me: “é muito difícil explicar-te: eu te levo lá…”. Quando lá chegamos, estávamos bastante longe de onde nós estávamos, e quando ele saiu do carro, perguntei-lhe: “E agora, como é que você voltará?” Ele disse: “BEM, VOU VOLTAR COM UM CORAÇÃO FELIZ PORQUE FUI CAPAZ DE FAZER UM FAVOR A ALGUÉM“. E foi-se embora com um grande sorriso no rosto.

Outra vez tive a oportunidade de acompanhar um irmão da comunidade para fazer  exames médicos porque ele se sentia tonto. Parecia ser a coisa mais normal a fazer. Pouco depois de regressar, disse-me que se sentia um pouco melhor, apenas o suficiente para ter ido comprar um frasco de tremoços para me presentear, pois ele sabia que eu gosto.

E nestas últimas semanas tenho sido quase esmagado por tantas pessoas que se aproximaram de mim para se despedirem antes que eu parta para o meu novo destino: aplausos, abraços, presentes, mensagens escritas, lágrimas, agradecimentos pelo meu trabalho… Mesmo de pessoas com quem eu nem sequer me lembrava de ter falado. Não esperava tanto: fiquei surpreendido e confortado. E quase sempre sem saber como reagir. Estes são os pequenos e grandes detalhes… que ao mesmo tempo se tornam um desafio pessoal:  aprender com todas estas pessoas, imitá-las de alguma forma. Um “obrigado” não é suficiente para nós.

O grande perigo nas nossas relações pessoais é o “hábito/rotinas” e a “negligência” destas pequenas grandes coisas: saber ter detalhes e dizer conscientemente “obrigado”. A cultura atual ensina-nos que estamos cheios de direitos, e por isso, outros estão cheios de obrigações. Têm de: cuidar de mim e bem, ouvir-me atentamente, ajudar-me, atender o telefone imediatamente, dar-me… quando preciso, quando peço, quando me é conveniente… Porque… eu preciso, eu pago, eu tenho direito a isso, eu mereço… Somos bons para reclamar e para protestar. Por vezes com razão, outras vezes erradamente. Mas raramente acontece que alguém lhe diga a si ou aos seus superiores: “foi útil, ajudou-me, gostei, posso dizer que estava bem preparado…“.

Na cena do Evangelho de hoje, Jesus curou dez leprosos “simplesmente curou”, sem sequer ter sido perguntado. Eles só pediram ao Mestre “compaixão“. Teriam ficado satisfeitos com um sentimento de piedade, de ternura, de “EMPATIA” pela sua infeliz situação. Uma consequência lógica da sua doença amaldiçoada, que provocou indiferença, ódio, rejeição, antipatia, exclusão… Viviam banidos da cidade, sem contato com ninguém que não fosse uma pessoa doente como eles, sem receberem um carinho, uma palavra amável, talvez algumas esmolas. Havia um ditado no tempo de Jesus: “Quatro categorias de pessoas são como os mortos: os pobres, os leprosos, os cegos e os sem filhos“.  Todas as doenças eram consideradas como castigo de Deus pelos pecados, mas a lepra era o símbolo do próprio pecado.

Bem: daqueles dez leprosos curados… apenas um se deu ao trabalho de regressar “louvando a Deus” em voz alta, atirando-se aos pés de Jesus e agradecendo-lhe. A dupla direção da sua ação de graças: Deus e Jesus como seu instrumento.

O Mestre queixa-se: “Onde estão as outras nove? Só uma regressou para dar glória a Deus?”. E só ele afirma será salvo. Todos os dez receberam o dom da cura. Mas apenas um foi capaz de descobrir a mão de Deus por detrás dela. Para nove deles é “como foi bom, como foi afortunado”, talvez “como foi bom aquele Mestre”. Mas apenas um dá glória a Deus. E do seu louvor e ação de graças, daquele coração sensível e daqueles olhos crentes… a salvação chegou até ele.

Lembramos espontaneamente do grande Francisco de Assis, com a sua canção de louvor: Louvado sejais, meu Senhor, pelo irmão sol, irmão fogo, irmã noite, irmã mãe terra…“. Estava grato a Deus por mil razões para louvar pelos dons concretos, diários e frequentes que descobriu em toda a parte da sua vida. Até a morte foi “irmã”. Tinha um coração agradecido.

Em cada Eucaristia, repetimos: “É verdadeiramente correto e necessário, é nosso dever e nossa salvação agradecer-vos sempre…” . E lembro-me de algumas palavras do Papa Francisco, no início de uma Missa:

Agradeço ao Senhor e convido-vos a todos a ter um coração agradecido. Vejam como somos afortunados por estarmos aqui juntos, por partilharmos, por elevarmos a nossa mente, a nossa alma, o nosso olhar, por voltarmos a sonhar juntos, em nome do Evangelho, em nome daquele Jesus que vive e reina em todos os corações que o escutam“.

E noutro ponto ele reconheceu:

Na minha idade, começa-se a aceitar que a vida é passar a lei, ou seja, está a apontar as pessoas que o ajudaram a viver, a crescer, a ser um cristão, um padre, um religioso… E, ao reconhecer o bem que tantas pessoas me fizeram, estou a desfrutar cada vez mais da alegria de estar grato“.

Ou seja: ir celebrar a “Ação de Graças” (que, como sabem, é o que significa literalmente “EUCARISTIA“) significa ter-se preparado durante a semana, em oração e na vida quotidiana, para cultivar esse coração agradecido. Trazer uma alma cheia de louvor ao “Senhor Gracioso” (como disse São Francisco) pelos seus muitos dons, pelas suas criaturas, pelas suas pessoas… Desvendar todos os dias em tempos de oração os mil motivos que os olhos da fé descobrem no que acontece e no que nos acontece. “SEMPRE E EM TODO O LADO“.

Não basta dizer “agradeço-te por tudo, Senhor“, em termos gerais. É muito melhor e faz-nos muito mais bem, um surpreendente e concreto agradecimento (com rostos, momentos e lugares), sentindo-nos endividados para retribuir, por mais embaraçoso que seja. Isto nos ajudará a agradecer às pessoas: valorizar os seus detalhes e esforços, aprender com eles, e multiplicá-los nós próprios. Um coração grato abre as portas da salvação. Um coração agradecido constrói pontes e fortalece as relações. Um coração grato torna-nos muito melhores. E tenho muito que agradecer a Deus por isso. E tenho tantos a quem ser grato…

Texto: ENRIQUE MARTÍNEZ DE LA LMA-NORIEGA, CMF
Imagem: PIXABAY
Fonte: MISSIONÁRIOS CLARETIANOS (CIUDAD REDONDA)