A liturgia deste X Domingo do Tempo Comum nos convida a refletir sobre a identidade de Jesus e a comunhão que Ele deseja estabelecer com aqueles que se dispõem a segui-Lo. Esta reflexão é articulada através das leituras e do Evangelho, que destacam a rejeição de Jesus a qualquer aliança com o mal e o Seu chamado para a obediência a Deus Pai, promovendo a formação de uma comunidade comprometida em fazer a vontade divina.
No Evangelho (Mc 3,20-35), Jesus é acusado de estar aliado ao Demónio, mas Ele refuta essa acusação demonstrando que a Sua missão é justamente libertar os homens e mulheres do poder do mal. Ele sublinha que sua atividade é um ato de obediência a Deus e um convite para todos se unirem a Ele na construção de uma comunidade baseada na vontade de Deus. A libertação do mal é apresentada como uma expressão da vontade divina, e Jesus convida todos a se juntarem a essa missão, fazendo da Sua pessoa o centro da comunidade.
A Primeira Leitura (Gn 3,9-15) nos leva ao diálogo de Deus com Adão e Eva após a queda. Este texto poético nos chama a refletir sobre o sentido da existência humana e a necessidade de evitar o mal. A narrativa da queda serve como um alerta para estarmos vigilantes diante das tentações do Maligno e reafirma que somos chamados a rejeitar qualquer pacto com o mal, mantendo-nos firmes na fidelidade a Deus.
Na segunda leitura (2Cor 4,13-18.5,1), São Paulo descreve suas tribulações e a firmeza de sua missão apostólica. Ele expressa uma grande confiança em Deus e na vida eterna, o que o fortalece em meio às dificuldades. Paulo destaca duas atitudes fundamentais: a esperança na ressurreição e a comunhão com os cristãos. Essas atitudes impulsionam sua missão de anunciar o Evangelho, mostrando que o sofrimento presente é secundário diante da glória futura em Cristo.
A mensagem central deste domingo gira em torno da rejeição do mal e da aliança com Deus. Jesus se define por Sua obediência ao Pai e nos chama a formar uma comunidade baseada nessa mesma obediência. Somos convidados a refletir sobre a nossa própria existência e a nossa resposta às tentações, seguindo o exemplo de São Paulo na confiança e na esperança em Deus. Em união com Cristo, somos chamados a construir um mundo mais justo e fiel à vontade de Deus, libertos do poder do mal.
Leituras
Após comerem do fruto proibido, Adão e Eva confessaram suas culpas,
e Deus amaldiçoou a serpente, estabelecendo inimizade entre suas descendências.
e fiquei com medo,
porque estava nu;
e me escondi”.
Então comeste da árvore,
de cujo fruto te proibi comer?”
foi ela que me deu
do fruto da árvore,
e eu comi”.
E a mulher respondeu:
“A serpente enganou-me e eu comi”.
entre todos os animais domésticos
e todos os animais selvagens!
Rastejarás sobre o ventre
e comerás pó todos os dias da tua vida!
Esta te ferirá a cabeça
e tu lhe ferirás o calcanhar”.
Palavra do Senhor.
Das profundezas de minha alma clamo ao Senhor, onde encontro esperança,
graça e redenção abundantes, esperando-O mais que o vigia espera pela aurora.
R. No Senhor toda graça e redenção!
1 Das profundezas eu clamo a vós, Senhor, *
2 escutai a minha voz!
Vossos ouvidos estejam bem atentos *
ao clamor da minha prece! R.
4 Mas em vós se encontra o perdão, *
espero em sua palavra.
6 A minh’alma espera no Senhor *
mais que o vigia pela aurora. R.
7 Espere Israel pelo Senhor, *
mais que o vigia pela aurora!
Pois no Senhor se encontra toda graça *
e copiosa redenção.
8 Ele vem libertar a Israel *
de toda a sua culpa. R.
Mesmo que nosso corpo exterior se desgaste, nosso espírito interior
se renova diariamente, pois cremos que Deus nos dará uma morada eterna no céu,
além das tribulações passageiras deste mundo.
“Eu creio e, por isso, falei”,
nós também cremos e, por isso, falamos,
e nos colocará ao seu lado, juntamente convosco.
em um número maior de pessoas
faça crescer a ação de graças para a glória de Deus.
o nosso homem interior, pelo contrário,
vai-se renovando, dia a dia.
acarreta para nós uma glória eterna e incomensurável.
para as coisas invisíveis e não para as coisas visíveis.
Pois o que é visível é passageiro,
mas o que é invisível é eterno.
Deus nos dá uma outra moradia no céu
que não é obra de mãos humanas, mas que é eterna.
Palavra do Senhor.
Jesus, confrontado por acusações e incompreensões, revela que a
verdadeira família é formada por aqueles que fazem a vontade de Deus.
que eles nem sequer podiam comer.
porque diziam que estava fora de si.
diziam que ele estava possuído por Belzebu,
e que pelo príncipe dos demônios
ele expulsava os demônios.
23 Então Jesus os chamou e falou-lhes em parábolas:
25 Se uma família se divide contra si mesma,
26 Assim, se Satanás se levanta contra si mesmo
Só depois poderá saquear sua casa.
como qualquer blasfêmia que tiverem dito.
mas será culpado de um pecado eterno”.
“Tua mãe e teus irmãos estão lá fora à tua procura”.
Palavra da Salvação.
Homilia
O MELHOR AINDA ESTÁ POR VIR!
Distinguir o bem do mal não é tarefa fácil. Quando depositamos nosso voto na urna, buscamos escolher o bem e não o mal. Mas, estamos realmente seguros de nossa escolha? O mal é a impaciência que não espera por Deus, substituindo-O por um ídolo. O discernimento entre o bem e o mal não é simples, como nos ensinam as leituras deste domingo.
Dividirei esta homilia em três partes:
- Violando a Intimidade – Nesta seção, exploramos como o mal pode se infiltrar em nossas vidas de maneiras sutis e inesperadas. Às vezes, isso ocorre através de decisões apressadas, tomadas sem plena consideração de suas consequências.
- Dentro do Círculo Íntimo – Aqui, enfatizamos a importância de manter nossa fé e confiança em Deus, mesmo quando estamos rodeados de incertezas. É um lembrete de que, mesmo nos momentos mais íntimos de dúvida, Deus está conosco.
- A Casa no Céu – Finalmente, refletimos sobre nosso destino final: a casa no céu. Apesar das dificuldades que enfrentamos na vida, nosso objetivo último é estar com Deus em Sua morada celestial.
Em cada etapa desta jornada, somos convidados a refletir, questionar e buscar a verdade. A distinção entre o bem e o mal pode nem sempre ser clara, mas com fé, paciência e discernimento, podemos navegar por essas águas turbulentas e encontrar nosso caminho para a luz.
VIOLANDO A INTIMIDADE
A primeira leitura é retirada do capítulo 3 do livro do Gênesis. Ela nos fala de uma curiosidade maldita: a serpente seduz Eva para que viole a zona de intimidade, reservada apenas para Deus, a Árvore da Vida. A serpente, símbolo de astúcia e engano, seduz Eva com a promessa de conhecimento e poder, uma tentação que viola a santidade da Árvore da Vida, um domínio exclusivo de Deus. Eva, por sua vez, seduz Adão, compartilhando o sonho proibido de alcançar a divindade. Ao morderem a fruta, uma revelação chocante ocorre. Seus olhos se abrem, mas não para a divindade prometida, e sim para a sua própria vulnerabilidade, a sua nudez absoluta. Eles são confrontados com a dura realidade de sua humanidade, a fragilidade de sua existência. O Paraíso na Terra, outrora um lugar de inocência e paz, agora está perdido para sempre.
Essa narrativa ressoa profundamente em nossos dias. Vivemos em uma era de curiosidade insaciável e busca incessante por poder e conhecimento. A tecnologia e a ciência nos oferecem promessas de controle e quase divindade, mas, ao mesmo tempo, nos expõem à nossa própria vulnerabilidade. As redes sociais e a internet, em sua promessa de conexão e informação, frequentemente invadem nossas zonas de intimidade, substituindo a verdadeira sabedoria por uma ilusão de conhecimento superficial.
Assim como Eva e Adão, estamos seduzidos por sonhos de grandeza e autossuficiência, mas frequentemente acabamos confrontados com a realidade de nossa fragilidade. A promessa de uma vida perfeita e sem sofrimento, vendida por tantas vozes contemporâneas, muitas vezes resulta em um sentimento de vazio e desnudamento espiritual. O Paraíso na Terra parece tão distante agora como sempre foi, um lugar de inocência e paz perdido em meio às nossas ambições e medos.
Refletir sobre essa passagem do Gênesis nos lembra da importância de respeitar os limites sagrados e de buscar uma sabedoria mais profunda, que vá além das tentações superficiais de nossa era. Nos desafia a encontrar um equilíbrio entre nosso desejo de conhecimento e a necessidade de humildade, a reconhecer nossa vulnerabilidade e a valorizar a verdadeira conexão com o divino. Somente assim podemos aspirar a recriar, em alguma medida, aquele Paraíso perdido em nossos corações e vidas.
DENTRO DO CÍRCULO ÍNTIMO
O Evangelho de São Marcos nos revela um contraste fascinante entre aqueles que, ao acreditarem em Jesus, entraram na intimidade divina, e aqueles que permaneceram fora desse círculo, incluindo seus próprios parentes, que duvidavam Dele. Enquanto seus familiares suspeitavam de uma espécie de loucura mística, os escribas e mestres de Israel viam algo ainda mais sinistro: uma possessão satânica. Não é surpreendente que Jesus os tenha advertido de que estavam confundindo o Espírito Santo de Deus com o Príncipe dos demônios, um pecado imperdoável.
Com o Espírito Santo, Jesus indaga: ‘Quem é minha mãe e meus irmãos? Qual é a minha verdadeira família?’ E, ao olhar para aqueles que o cercavam, Ele declara: ‘Aqueles que ouvem a Palavra de Deus e a cumprem!’
Este trecho do Evangelho nos incita a refletir profundamente sobre a verdadeira natureza da fé e da família espiritual. A fé em Jesus transcende os laços sanguíneos; é uma questão de crença e ação. Parentes próximos que duvidam podem encontrar-se fora do círculo divino, enquanto aqueles que ouvem e seguem a Palavra de Deus, independentemente do parentesco, são considerados sua verdadeira família.
A acusação de possessão satânica serve como um alerta severo das consequências de confundir o bem com o mal. A advertência de Jesus sobre o pecado imperdoável ressalta a seriedade desse erro.
A mensagem final é clara e impactante: a verdadeira família de Jesus é composta por aqueles que ouvem e seguem a Palavra de Deus. Isso nos desafia a refletir sobre nossa própria fé e ações, e a ponderar onde nos situamos em relação a Jesus.
A CASA NO CÉU
A segunda leitura nos oferece uma promessa profunda e inspiradora: a promessa de entrar na intimidade de Deus. Revela-nos a existência de ‘uma casa não feita por mãos humanas, mas eterna, nos céus’. Esta passagem nos convida a refletir sobre nossa vocação divina, nosso chamado para entrar na intimidade de Deus.
No início, foi-nos proibido comer da árvore do conhecimento do bem e do mal, uma metáfora para a tentativa de ser como Deus e entrar em sua intimidade. Contudo, essa proibição é finalmente superada em Jesus. Em Jesus, o que antes era proibido agora nos é prometido como herança.
Esta promessa é um convite para refletir sobre nossa relação com o divino. Desafia-nos a questionar nossas percepções e a aprofundar nossa compreensão da relação com Deus. A promessa de entrar na intimidade de Deus é uma mensagem poderosa, que nos convida a refletir sobre nossa espiritualidade e a buscar uma conexão mais profunda com o divino.
Portanto, esta passagem não é apenas uma promessa, mas também um convite à reflexão e ao crescimento espiritual. Desafia-nos a olhar além de nossas percepções e a buscar uma compreensão mais profunda de nossa relação com Deus. E, ao fazê-lo, oferece-nos a esperança de uma herança eterna na intimidade de Deus.
CONCLUSÃO
A segunda leitura nos promete uma entrada na intimidade de Deus, revelando a existência de ‘uma casa não feita por mãos humanas, mas eterna, nos céus’. Este é um chamado que ressoa profundamente em nossos corações.
No início, essa intimidade nos foi proibida. O pecado é sempre uma manifestação de impaciência, um desejo de obter antes do tempo aquilo que nos é prometido. O pecado é desobediência, uma tentativa de impor a Deus o nosso ‘ritmo’, em vez de nos deixarmos guiar por Ele.
A impaciência é uma armadilha, como descobriram nossos primeiros pais. Eles ansiavam por conhecimento e sabedoria, mas, em vez de esperar o tempo de Deus, tomaram o fruto proibido, desobedecendo a Deus e trazendo o pecado ao mundo.
Mas não devemos ser impacientes como nossos primeiros pais. Devemos confiar no tempo de Deus, em Sua sabedoria e em Seu amor por nós. Porque a promessa de Deus é clara: o melhor ainda está por vir.
Então, enquanto navegamos pelas águas turbulentas da vida, lembremo-nos desta promessa. Deus tem um plano para nós, um plano de amor e prosperidade. E, se formos pacientes, se confiarmos Nele e seguirmos o Seu ritmo, seremos recompensados com a entrada na Sua intimidade, na casa eterna que Ele preparou para nós nos céus.
Portanto, tenhamos fé, sejamos pacientes e confiemos em Deus. Porque o melhor ainda está por vir. Nos dias de hoje, em meio às incertezas e desafios, essa mensagem se torna ainda mais relevante. A esperança na promessa divina pode iluminar nossos caminhos, inspirando-nos a perseverar com paciência e fé, certos de que a recompensa celestial nos aguarda.
Texto: JOSÉ CRISTO REY GARCÍA PAREDES
Fonte: ECOLOGÍA DEL ESPÍRITU