VI DOMINGO DO TEMPO COMUM (ANO B)

A PALAVRA

A liturgia do VI Domingo do Tempo Comum apresenta-nos um Deus cheio de amor, de bondade e de ternura, que convida todos os homens e todas as mulheres a integrar a comunidade dos filhos amados de Deus. Ele não exclui ninguém nem aceita que, em seu nome, se inventem sistemas de discriminação ou de marginalização dos irmãos.

A primeira leitura (Lv 13,1-2.44-46) apresenta-nos a legislação que definia a forma de tratar com os leprosos. Impressiona como, a partir de uma imagem deturpada de Deus, os homens são capazes de inventar mecanismos de discriminação e de rejeição em nome de Deus.

O Evangelho (Mc 1,40-45) diz-nos que, em Jesus, Deus desce ao encontro dos seus filhos vítimas da rejeição e da exclusão, compadece-Se da sua miséria, estende-lhes a mão com amor, liberta-os dos seus sofrimentos, convida-os a integrar a comunidade do “REINO”. Deus não pactua com a discriminação e denuncia como contrários aos seus projetos todos os mecanismos de opressão dos irmãos.

A segunda leitura (1Cor 10,31-11,1) convida os cristãos a terem como prioridade a glória de Deus e o serviço dos irmãos. O exemplo supremo deve ser o de Cristo, que viveu na obediência incondicional aos projetos do Pai e fez da sua vida um dom de amor, ao serviço da libertação dos homens.

Fonte: Congregação dos Sacerdotes do Coração de Jesus

Leituras

1O Senhor falou a Moisés e Aarão, dizendo:
2‘Quando alguém tiver na pele do seu corpo
alguma inflamação, erupção ou mancha branca,
com aparência do mal da lepra,
será levado ao sacerdote Aarão,
ou a um dos seus filhos sacerdotes.
44Se o homem estiver leproso é impuro,
e como tal o sacerdote o deve declarar.
45O homem atingido por este mal
andará com as vestes rasgadas,
os cabelos em desordem e a barba coberta, gritando:
‘Impuro! Impuro!’
46Durante todo o tempo em que estiver leproso
será impuro;
e, sendo impuro,
deve ficar isolado e morar fora do acampamento’.
Palavra do Senhor.

R. Sois, Senhor, para mim, alegria e refúgio.

1Feliz o homem que foi perdoado*
e cuja falta já foi encoberta!
2Feliz o homem a quem o Senhor
não olha mais como sendo culpado,*
e em cuja alma não há falsidade!R.

5Eu confessei, afinal, meu pecado,*
e minha falta vos fiz conhecer.
Disse: ‘Eu irei confessar meu pecado!’*
E perdoastes, Senhor, minha falta.R.

11Regozijai-vos, ó justos, em Deus,
e no Senhor exultai de alegria!*
Corações retos, cantai jubilosos!R.

Irmãos:
10,31Quer comais, quer bebais,
quer façais qualquer outra coisa,
fazei tudo para a glória de Deus.
32Não escandalizeis ninguém, nem judeus, nem gregos,
nem a igreja de Deus.
33Fazei como eu,
que procuro agradar a todos, em tudo,
não buscando o que é vantajoso para mim mesmo,
mas o que é vantajoso para todos,
a fim de que sejam salvos.
11,1 Sede meus imitadores,
como também eu o sou de Cristo.
Palavra do Senhor.

Naquele tempo:
40Um leproso chegou perto de Jesus,
e de joelhos pediu:
‘Se queres tens o poder de curar-me’.
41Jesus, cheio de compaixão,
estendeu a mão, tocou nele, e disse:
‘Eu quero: fica curado!’
42No mesmo instante a lepra desapareceu
e ele ficou curado.
43Então Jesus o mandou logo embora,
44falando com firmeza:
‘Não contes nada disso a ninguém!
Vai, mostra-te ao sacerdote
e oferece, pela tua purificação, o que Moisés ordenou,
como prova para eles!’
45Ele foi e começou a contar
e a divulgar muito o fato.
Por isso Jesus não podia mais
entrar publicamente numa cidade:
ficava fora, em lugares desertos.
E de toda parte vinham procurá-lo.
Palavra da Salvação.

Reflexão

O DESAFIO DE SE APROXIMAR E TOCAR

“UM LEPROSO SE APROXIMOU DE JESUS.”

Já sabemos que na época de Jesus (e antes) ser leproso era ser um excluído, alguém que não tinha direitos, e não podia estar onde as pessoas estavam; eles deviam manter-se fora das cidades, e, claro, fora da “CIDADE” (Jerusalém com seu Templo Sagrado). Um “DESCARTADO” como diz o Papa Francisco. Careciam de qualquer contato humano: sem carícias, sem abraços, sem gestos de carinho ou proximidade… Certamente agora que não podemos nos tocar, nos abraçar, ou nos beijar… Nós entendemos muito melhor. Especialmente tantas pessoas mais velhas trancadas em casa, a maioria sem acesso a novas tecnologias. Porém, também muitos jovens, para os quais o contato social e pessoal é tão necessário. Este vírus nos isolou, nos trancou, nos fez ter medo dos outros… que se concertem em uma ameaça, mesmo os mais queridos e mais próximos.

Aqueles leprosos não receberam ajuda (além de algumas esmolas) para suportar seu infortúnio: UMA IMENSA SOLIDÃO. Eles tinham que avisar sobre sua presença, dando vozes, ou com algum sinal, para que todos se afastassem de seu caminho e ficassem “SEGUROS“. Eles deixaram de ser tratados como “PESSOAS“.

Eles também tiveram sua relação com Deus, eles foram “deixados de fora de suas mãos”, uma vez que esta doença de pele (chamada de “hanseníase” para muitas infecções que não eram realmente lepra) é considerada um sinal de corrupção interior, do pecado, uma punição divina. E é assim que esse leproso que ousa se aproximar de Jesus se sente: SUJO, PRECISAVA SER PURIFICADO. A religião não queria saber deles, os mantinham à margem. Isto é o que ensinava a Sinagoga, a lei de Deus. Não era mais apenas um “cuidado” ou prevenção para riscos à saúde. Foi uma condenação de taxa máxima.

NÃO OCORRE ALGO SEMELHANTE HOJE TAMBÉM?  Quando as vítimas de algum infortúnio são consideradas culpadas, ou se “justifica” que estão nessa situação: “ele é um bêbado, ou um vagabundo”, e que ele mantém práticas sexuais proibidas e pegou AIDS… Em tantas cidades existem lugares onde as pessoas vivem em extrema pobreza… e que ficam sem energia elétrica, sem água, sem emprego, abandonados … nestes tempos de PANDEMIA. Aqueles que têm a responsabilidade de encontrar uma solução reprovam-nos e nada fazem. Acham que eles são os culpados pela sua situação. A Igreja e alguns voluntários são os únicos que se aproximaram, ajudam com o que podem.

Algumas vítimas de abusos descrevem como se sentem envergonhadas e culpadas por seus agressores, etc.

Não é tão incomum hoje que, em um nível pessoal, social e até mesmo religioso, nos afastamos de certos indivíduos (pessoas e filhos de Deus!) porque eles são desconfortáveis para nós, porque eles não estão em “ORDEM” com a lei de Deus (ou da Igreja), porque é arriscado ter contato com eles, porque eles são sujos, porque eles podem nos colocar em apuros, por causa de seu status sexual ou por causa de sua cor/nacionalidade, porque essa matéria cabe aos outros… Acho tão doloroso e surpreendente saber que há casos de profissionais de saúde e cuidadores que receberam ameaças, insultos, danos materiais, convites para “ir para outro lugar” e desprezo… porque estão trabalhando em hospitais e centros de saúde. Eles jogam suas vidas por nós… e alguns os tratam como leprosos!

Se nos reconhecemos como crentes, estamos mostrando com tais fatos e atitudes em que Deus realmente acreditamos: um Deus excludente, que marginaliza, que os condena, que os abandona ao seu destino, que não merecem seu amor. E, claro, nem o nosso.

No entanto, este leproso não podia suportar continuar assim, e por si mesmo não tinha nada que fazer. Mas ele sente que Jesus pode fazer algo por ele. Ultrapassa todas as normas religiosas (a Lei) e sociais, para abordá-la e pedir sua ajuda! Não só isso, mas compromete Jesus: para aquele que entra em contato com um leproso (além de ser infectado) também é “IMPURO“. “Por isso Jesus não podia mais entrar publicamente numa cidade: ficava fora, em lugares desertos“… como fora um leproso.

Jesus, porém, não fica zangado, nem o repreende, nem se afasta dele. E a primeira coisa que ele faz é estender a mão e “TOCÁ-LO“. Começa pelo restabelecimento do contato humano. Primeiro físico, depois com a palavra: “QUERO“.

    • Quero que não percebas Deus como alguém que exclui ou te deixa sozinho.
    • Quero que saiba que o Reino também é para ti.
    • Quero que você se veja com direito de fazer parte da comunidade humana, com sua doença e seu pecado.
    • Quero que os sacerdotes saibam que o PROJETO E A VONTADE DE DEUS é curar, acolher, incorporar, incluir.
    • Quero que a Lei de Deus (= Deus) deixe de ser usada como instrumento de marginalização.
    • Quero, ao tocar-te e falando contigo, que você se reconheça como pessoa e seja curada por dentro e por fora.
    • Quero te tocar… embora isso signifique que sou “tocado”, excluído, manchado, “impuro” e não posso mais entrar abertamente em nenhuma cidade…

Aproximar aos que passam por maus momentos, aos que não se valorizam, aos que estão “corrompidos” por dentro ou por fora, mesmo correndo o risco de que o nosso prestígio, a nossa saúde, as nossas vantagens … sejam “TOCADOS “… é tarefa dos discípulos de Jesus, de toda a Igreja. Ir ao encontro dos que são despejados, dos que estão desempregados, dos que  não têm preparação para conseguir um emprego, ou não têm saúde, ou não vivem de acordo com a moral cristã, ou …

Marcos diz que Jesus sentiu “compaixão“, isto é, que sua situação dolorosa o afetou, o tocou por dentro. Lembro-me das palavras do Papa Francisco na Encíclica LUMEN FIDEI:

A luz da fé não nos faz esquecer os sofrimentos do mundo. Os que sofrem foram mediadores de luz para tantos homens e mulheres de fé; tal foi o leproso para São Francisco de Assis, ou os pobres para a Beata Teresa de Calcutá. Compreenderam o mistério que há neles; aproximando-se deles, certamente não cancelaram todos os seus sofrimentos, nem puderam explicar todo o mal. A fé não é luz que dissipa todas as nossas trevas, mas lâmpada que guia os nossos passos na noite, e isto basta para o caminho. Ao homem que sofre, Deus não dá um raciocínio que explique tudo, mas oferece a sua resposta sob a forma duma presença que o acompanha, duma história de bem que se une a cada história de sofrimento para nela abrir uma brecha de luz. Em Cristo, o próprio Deus quis partilhar conosco esta estrada e oferecer-nos o seu olhar para nela vermos a luz. Cristo é aquele que, tendo suportado a dor, Se tornou «autor e consumador da fé» (Heb 12, 2).

Na Exortação Apostólica EVANGELII GAUDIUM, Papa Francisco escreveu:

Às vezes sentimos a tentação de ser cristãos, mantendo uma prudente distância das chagas do Senhor. Mas Jesus quer que toquemos a miséria humana, que toquemos a carne sofredora dos outros. Espera que renunciemos a procurar aqueles abrigos pessoais ou comunitários que permitem manter-nos à distância do nó do drama humano, a fim de aceitarmos verdadeiramente entrar em contacto com a vida concreta dos outros e conhecermos a força da ternura. Quando o fazemos, a vida complica-se sempre maravilhosamente e vivemos a intensa experiência de ser povo, a experiência de pertencer a um povo.

O Evangelho de hoje é um convite para nos importar e conhecer a dor e a frustração de tantos. Talvez muitos não se aproximem mais de nós, ou talvez o façam: Mas de uma forma ou de outra, eles estão nos dizendo: “SE VOCÊ QUISER… PODES ME LIMPAR.” Podemos não ser realmente capazes de limpá-los, mas eles podem ter uma presença que os acompanhe, como uma lâmpada para ajudá-los a caminhar.

Texto: Quique Martínez de la Lama-Noriega, cmf
Imagem: UNSPLASH
Fonte: Comunidade católica Ciudad Redonda (Missionários Claretianos)