SOLENIDADE DA ASCENSÃO DO SENHOR DA PÁSCOA (ANO B)

A PALAVRA

A Solenidade da Ascensão de Jesus que hoje celebramos sugere que, no final do caminho percorrido no amor e na doação, está a vida definitiva, a comunhão com Deus. Sugere também que Jesus nos deixou o testemunho e que somos nós, seus seguidores, que devemos continuar a realizar o projeto libertador de Deus para os homens e para o mundo.

No Evangelho (Mc 16,15-20), Jesus ressuscitado aparece aos discípulos, ajuda-os a vencer a desilusão e o comodismo e os envia em missão, como testemunhas do projeto de salvação de Deus. De junto do Pai, Jesus continuará a acompanhar os discípulos e, através deles, a oferecer aos homens a vida nova e definitiva.

Na primeira leitura (At 1,1-11), repete-se a mensagem essencial desta festa: Jesus, depois de ter apresentado ao mundo o projeto do Pai, entrou na vida definitiva da comunhão com Deus – a mesma vida que espera todos os que percorrem o mesmo “CAMINHO” que Jesus percorreu. Quanto aos discípulos: eles não podem ficar olhando para o céu, numa passividade alienante; mas têm de ir para o meio dos homens a continuar o projeto de Jesus.

A segunda leitura (Ef 1,17-23) convida os discípulos a terem consciência da esperança a que foram chamados (a vida plena de comunhão com Deus). Devem caminhar ao encontro da “ESPERANÇA” de mãos dadas com os irmãos – membros do mesmo “corpo” – e em comunhão com Cristo, a “cabeça” desse “corpo”. Cristo reside no seu “corpo” que é a Igreja; e é nela que se torna hoje presente no meio dos homens.

Fonte: Congregação dos Sacerdotes do Coração de Jesus

Leituras

1No meu primeiro livro, ó Teófilo,
já tratei de tudo o que Jesus fez e ensinou,
desde o começo,
2até ao dia em que foi levado para o céu,
depois de ter dado instruçðes pelo Espírito Santo,
aos apóstolos que tinha escolhido.
3Foi a eles que Jesus se mostrou vivo
depois da sua paixão, com numerosas provas.
Durante quarenta dias, apareceu-lhes
falando do Reino de Deus.
4Durante uma refeição, deu-lhes esta ordem:
‘Não vos afasteis de Jerusalém,
mas esperai a realização da promessa do Pai,
da qual vós me ouvistes falar:
5`João batizou com água;
vós, porém, sereis batizados com o Espírito Santo,
dentro de poucos dias”.
6Então os que estavam reunidos perguntaram a Jesus:
‘Senhor, é agora que vais restaurar
o Reino em Israel?’
7Jesus respondeu:
‘Não vos cabe saber os tempos e os momentos
que o Pai determinou com a sua própria autoridade.
8Mas recebereis o poder do Espírito Santo
que descerá sobre vós, para serdes minhas testemunhas
em Jerusalém, em toda a Judéia e na Samaria,
e até os confins da terra’.
9Depois de dizer isto,
Jesus foi levado ao céu, à vista deles.
Uma nuvem o encobriu,
de forma que seus olhos não mais podiam vê-lo.
10Os apóstolos continuavam olhando para o céu,
enquanto Jesus subia.
Apareceram então dois homens vestidos de branco,
11que lhes disseram: ‘Homens da Galiléia,
por que ficais aqui, parados, olhando para o céu?
Esse Jesus que vos foi levado para o céu,
virá do mesmo modo como o vistes partir para o céu’.
Palavra do Senhor.

R. Por entre aclamações Deus se elevou,
o Senhor subiu ao toque da trombeta.

2Povos todos do universo, batei palmas,*
gritai a Deus aclamações de alegria!
3Porque sublime é o Senhor, o Deus Altíssimo,*
o soberano que domina toda a terra.R.

6Por entre aclamações Deus se elevou,*
o Senhor subiu ao toque da trombeta.
7Salmodiai ao nosso Deus ao som da harpa,*
salmodiai ao som da harpa ao nosso Rei!R.

8Porque Deus é o grande Rei de toda a terra,*
ao som da harpa acompanhai os seus louvores!
9Deus reina sobre todas as nações,*
está sentado no seu trono glorioso.R.

Irmãos:
17O Deus de nosso Senhor Jesus Cristo,
o Pai a quem pertence a glória,
vos dê um espírito de sabedoria
que vo-lo revele e faça verdadeiramente conhecer.
18Que ele abra o vosso coração à sua luz,
para que saibais
qual a esperança que o seu chamamento vos dá,
qual a riqueza da glória
que está na vossa herança com os santos,
19e que imenso poder ele exerceu
em favor de nós que cremos,
de acordo com a sua ação e força onipotente.
20Ele manifestou sua força em Cristo,
quando o ressuscitou dos mortos
e o fez sentar-se à sua direita nos céus,
21bem acima de toda a autoridade, poder, potência,
soberania ou qualquer título que se possa nomear
não somente neste mundo, mas ainda no mundo futuro.
22Sim, ele pôs tudo sob os seus pés e fez dele,
que está acima de tudo, a Cabeça da Igreja,
23que é o seu corpo,
a plenitude daquele que possui a plenitude universal.
Palavra do Senhor.

Naquele tempo:
Jesus se manifestou aos onze discípulos,
15e disse-lhes:
‘Ide pelo mundo inteiro
e anunciai o Evangelho a toda criatura!
16Quem crer e for batizado será salvo.
Quem não crer será condenado.
17Os sinais que acompanharão
aqueles que crerem serão estes:
expulsarão demônios em meu nome, falarão novas línguas;
18se pegarem em serpentes ou beberem algum veneno mortal
não lhes fará mal algum;
quando impuserem as mãos sobre os doentes,
eles ficarão curados’.
19Depois de falar com os discípulos,
o Senhor Jesus foi levado ao céu,
e sentou-se à direita de Deus.
20Os discípulos então saíram e pregaram por toda parte.
O Senhor os ajudava e confirmava sua palavra
por meio dos sinais que a acompanhavam.
Palavra da Salvação.

Reflexão

A ATRAÇÃO DO PAI

Ninguém pode duvidar da forte atração que o Pai exerceu sobre Jesus. Havia uma espécie de “química” especial entre os dois. Basta ouvi-lo falar, porque o coração cheio de plenitude fala pela boca. Jesus foi permanentemente “fisgado” pelo pai. E não deixava de falar dele (além de falar com ele frequentemente). Alguns especialistas sugerem que toda a vida de Jesus, e todo o Evangelho, podem se resumir em uma única palavra: “Abba“, Pai, palavra do ambiente familiar, com a qual os filhos se dirigem aos pais. Ninguém antes em Israel se atreveu a se dirigir a Deus dessa maneira.

Jesus fala do Pai com infinita ternura e também com saudade. Bastaria contar, por exemplo, as vezes que pronuncia esta palavra no Quarto Evangelho: 115 vezes! Eles o ouviram dizer: Sim, Abba; aqui estou Abba; o que você quiser Abba; Abba, você sabe que eu te amo; agradeço ao Pai por ter revelado essas coisas aos simples; Pai, seja feita sua vontade; Pai, nas tuas mãos confio o meu espírito… Sem dúvida que Jesus viveu no Pai, para o Pai, pelo Pai, do Pai, com o Pai, para o Pai… Ele até disse que seu alimento era “fazer a vontade do pai”. E repetia aos seus discípulos: “vosso Pai que está nos céus”, querendo que eles também desfrutassem daquela especial intimidade e proximidade.

  • Mas também o Pai, por sua vez, o conhecia e vivia nele, como diz o próprio Jesus: “Filipe, não crês que eu estou no Pai e o Pai está em mim?“; ou: “Quem me vê, vê o Pai” (eis um resumo da missão do cristão: QUE VEJAM O PAI EM NÓS):
    • Cada palavra de Jesus tem o eco do que ouviu (na oração) do Pai.
    • Compartilhe os mesmos sentimentos do Pai. Particularmente compaixão e misericórdia.
    • Não só fala e sente, mas também “faz” o que o Pai lhe confiou, ainda que lhe custe sangue, suor e lágrimas (Getsêmani).

É por isso que Jesus tinha uma “atração” tão forte: ele foi um canal eficaz através do qual o amor do Pai chegava. Ele passou fazendo o bem e deu esperança, defendeu os mais fracos, tomou o lado dos marginalizados, tocou nas dores dos enfermos, curou, denunciou… em nome do pai.

  • Num dos mais antigos hinos cristãos, recolhidos por São Paulo numa das suas cartas, é-nos dito que Jesus se dedicou a “descer” para “rebaixar-se“: Primeiro desceu do céu ao ventre de uma mulher, e então ele desceu a uma manjedoura miserável em Belém. Ele “desceu” ao rio Jordão para ser batizado entre os pecadores. Ele “desceu” para se misturar com os pobres, os marginalizados (que estão sempre “abaixo” e “rebaixando-se“). E tanto se rebaixando, descendo, ele foi feito um verdadeiro naufrágio de um homem, pendurado entre o céu e a terra. E ele afundou na morte, e desceu para a sepultura, para as entranhas da terra, e – como dizemos no Credo – ele desceu para o inferno… Não é possível descer em todos os sentidos. Ao contrário de tantos, determinados ao máximo em “subir” de qualquer maneira, em posições de escalada, em “estar sempre acima”.
  • Sempre descendo! Embora ele nunca tenha descido sozinho. O Pai o acompanhou em todos esses “rebaixamentos”. Os longos e frequentes momentos de oração a sós com Ele despertaram sua sede de infinito, seu anseio pelo céu (isso também acontece com o resto de nós mortais, quando rezamos “com o coração”). Assim, uma vez cumprida a sua missão, é o momento do “puxão” definitivo do Pai, do reencontro final. E assim pudemos aprender que o destino do homem não está “abaixo”, mas acima. O destino do homem não é fracasso, mas glória. O futuro do homem não é esquecimento, mas a eternidade e a glória de Deus. Com as palavras de Santo Agostinho: «TU NOS FIZESTE PARA TI, E OS NOSSOS CORAÇÕES ESTÃO INQUIETOS ATÉ QUE EM TI REPOUSE».
  • E lá foi ele. Como dizemos no Credo, “sentar-se à direita do Pai“. É uma forma de falar, claro. No céu não há assentos, nem Deus tem direita ou esquerda. Com palavras menos “teológicas”, diríamos: Ele foi fundir-se com o Pai em um abraço tão imenso que as centelhas do Espírito saltaram sobre a terra, espalhando-se sobre nossas cabeças, enchendo-nos de dons. Vamos comemorar no próximo domingo.
  • Mas, como todas as despedidas, também aqui há uma sombra de “tristeza” nos que partem e nos que ficam. O Senhor se afasta fisicamente de seus amados discípulos, e eles… são deixados sem ele. Sempre acaba amando aqueles com quem compartilhamos a intimidade e a vida, tanto nos bons quanto nos maus momentos. Cada despedida, cada “partida” supõe sempre uma “despedida“, porque deixamos um pedaço de nós mesmos, algo / alguém que gostaríamos de levar conosco e não pode ser… O mesmo acontece com Jesus. Seu coração se parte um pouco e ele confessa aos amigos:

Estou indo embora, porém volto, não vai demorar.
Estou saindo, porém, você vai me seguir mais tarde.
Estou indo embora, mas é para preparar um lugar para você na casa do meu pai.
Eu vou embora, mas não vou te esquecer, porque eu carrego você no meu coração.
Vou-me, mas você vai me ver de novo.
Vou embora, mas te enviarei o Espírito Defensor, o Consolador, o Espírito da Verdade, o mesmo Amor…
Vou embora, mas o Pai continuará cuidando de você, como fez comigo, para que ninguém se perca.

Portanto, ao descermos aqui, e seguindo o exemplo do Senhor, muitas vezes precisaremos nos dirigir ao Pai Nosso que está nos céus. Para que a nossa esperança e os nossos projetos não fiquem curtos, para que vejamos sempre para além da dura realidade, para que sonhemos o sonho de Jesus, para que não nos importemos de descer e nos rebaixar quando necessário, ou mesmo quando “nos abaixem” pela força… Porque “aquele de cima” nos puxará quando estivermos para baixo. A segunda leitura de hoje diz, com belas palavras: “Que o Pai de nosso Senhor Jesus Cristo abra o vosso coração à sua luz, para que saibais qual a esperança que o seu chamamento vos dá, qual a riqueza da glória que está na vossa herança com os santos, que imenso poder ele exerceu”. Assim podemos substituir o Senhor Jesus, colocando tudo o que somos e podemos a serviço da única coisa importante: O REINO E A JUSTIÇA. O Espírito será nossa força interior e nos ajudará a discernir as maneiras de cumprir a tarefa. Tarefa imensa na qual todas as mãos são poucas: a tarefa é fazer discípulos de todos os povos. Como o Papa Francisco (EVANGELII GAUDIUM 20) escreveu:

Hoje, neste “IR” de Jesus, estão presentes sempre novos cenários e desafios da missão evangelizadora da Igreja e todos nós somos chamados a esta nova “saída” missionária. Cada cristão e cada comunidade discernirá o caminho que o Senhor lhes pede, mas somos convidados a aceitar este apelo: deixar o nosso próprio conforto e ousar chegar a todas as periferias que precisam da luz do Evangelho.

Então vamos olhar para o céu com o canto do olho (porque lá está o Pai que está esperando por nós), mas para nos encher de força, porque temos a obra aqui embaixo, na terra, onde o Espírito do Senhor continua cooperar e agir para se tornar Sua vontade aqui na terra como no céu.

Texto: QUIQUE MARTÍNEZ DE LA LAMA-NORIEGA, cmf
Imagem: PIXABAY 
Fonte: CIUDAD REDONDA (Missionários Claretianos)