QUINTA-FEIRA SANTA (ANO C)

A PALAVRA

Nisto conhecerão todos que sois meus discípulos, se vos amardes uns aos outros” (Jo 13,35)

A Quinta-feira Santa recorda-nos a Última Ceia do Senhor, que reflete o grande amor e ternura pelos homens. Ela tem início com o pôr-do-sol. Jesus recita os salmos com voz firme e num tom particularmente expressivo. São João nos diz que Jesus desejava ardentemente comer essa Páscoa com os seus discípulos.

Nessas horas aconteceram coisas singulares: a rivalidade entre os apóstolos, o surpreendente exemplo de humildade e de serviço que Jesus dá quando se ajoelha e executa uma tarefa que deixa os servos confusos: começou a levar os pês dos apóstolos… neste ato manifesta um amor e ternura sem medida.

O próprio Senhor quis dar àquela Última Ceia uma plenitude de significado, tal riqueza de recordações, tal comoção de palavras e sentimentos, tal novidade de atos e preceitos, que nunca acabaremos de meditá-los e explorá-los. É uma ceia testamentária; é uma ceia afetuosa e imensamente triste, e ao mesmo tempo misteriosamente reveladora de promessas divinas, de perspectivas supremas.

O que o Cristo fez por nós pode resumir-se nestas breves palavras de João: AMOU-NOS ATÉ O FIM. Este é um dia especialmente apropriado para meditarmos nesse amor de Jesus por cada um de nós e no modo como lhe estamos correspondendo.

Provavelmente no fim da ceia, após permanecer em silêncio por uns instantes, Jesus institui a EUCARISTIA. O Senhor antecipa de forma sacramental o sacrifício que consumará no dia seguinte no Calvário. Até aquele momento, a Aliança de Deus com o seu povo estava representada pelo cordeiro pascal sacrificado no altar dos holocaustos, pelo banquete de toda a família na ceia pascal. Agora o Cordeiro imolado é o próprio Cristo: Esta é a nova aliança no meu sangue… O Corpo de Cristo é o novo banquete que congrega todos os irmãos: TOMAI E COMEI…

Com a imolação e oferenda de Si próprio – Corpo e Sangue – ao Pai, como Cordeiro sacrificado, o Senhor inaugura a nova e definitiva Aliança entre Deus e os homens, e com ela redime todos nós da escravidão do pecado e da morte eterna.

Jesus fala aos apóstolos da sua iminente partida, e é então que anuncia o mandamento novo:

Este é o meu mandamento: QUE VOS AMEIS UNS AOS OUTROS COMO EU VOS AMEI” (Jo 15,12).

No final desta meditação devemos nos perguntar: nos lugares onde se desenvolve a maior parte da nossa vida, as pessoas nos reconhecem como discípulos de cristo?

Leituras

Ritual da ceia pascal.

Naqueles dias:
1O Senhor disse a Moisés e a Aarão no Egito:
2‘Este mês será para vós o começo dos meses;
será o primeiro mês do ano.
3Falai a toda a comunidade dos filhos de Israel,
dizendo:
‘No décimo dia deste mês,
cada um tome um cordeiro por família,
um cordeiro para cada casa.
4Se a família não for bastante numerosa
para comer um cordeiro,
convidará também o vizinho mais próximo,
de acordo com o número de pessoas.
Deveis calcular o número de comensais,
conforme o tamanho do cordeiro.
5O cordeiro será sem defeito,
macho, de um ano.
Podereis escolher tanto um cordeiro, como um cabrito:
6e devereis guardá-lo preso
até ao dia catorze deste mês.
Então toda a comunidade de Israel reunida
o imolará ao cair da tarde.
7Tomareis um pouco do seu sangue
e untareis os marcos e a travessa da porta,
nas casas em que o comerem.
8Comereis a carne nessa mesma noite, assada ao fogo,
com pães ázimos e ervas amargas.
11Assim devereis comê-lo: com os rins cingidos,
sandálias nos pés e cajado na mão.
E comereis às pressas, pois é a Páscoa,
isto é, a ‘Passagem’ do Senhor!
12E naquela noite passarei pela terra do Egito
e ferirei na terra do Egito todos os primogênitos,
desde os homens até os animais;
e infligirei castigos contra todos os deuses do Egito,
eu, o Senhor.
13O sangue servirá de sinal nas casas onde estiverdes.
Ao ver o sangue, passarei adiante,
e não vos atingirá a praga exterminadora,
quando eu ferir a terra do Egito.
14Este dia será para vós uma festa memorável em honra do
Senhor, que haveis de celebrar por todas as gerações,
como instituição perpétua.
Palavra do Senhor.

R.O cálice por nós abençoado, é a nossa comunhão com o sangue do Senhor.

12Que poderei retribuir ao Senhor Deus*
por tudo aquilo que ele fez em meu favor?
13Elevo o cálice da minha salvação,*
invocando o nome santo do Senhor.R.

15É sentida por demais pelo Senhor*
a morte de seus santos, seus amigos.
16Eis que sou o vosso servo, ó Senhor*
mas me quebrastes os grilhões da escravidão! R.

17Por isso oferto um sacrifício de louvor,*
invocando o nome santo do Senhor.
18Vou cumprir minhas promessas ao Senhor*
na presença de seu povo reunido. R.

Todas as vezes que comerdes deste pão e beberdes
deste cálice proclamais a morte do Senhor.

Irmãos:
23O que eu recebi do Senhor foi isso que eu vos
transmiti: Na noite em que foi entregue,
o Senhor Jesus tomou o pão
24e, depois de dar graças, partiu-o e disse:
‘Isto é o meu corpo que é dado por vós.
Fazei isto em minha memória’.
25Do mesmo modo, depois da ceia,
tomou também o cálice e disse:
‘Este cálice é a nova aliança, em meu sangue.
Todas as vezes que dele beberdes,
fazei-o em memória de mim’.
26Todas as vezes, de fato, que comerdes deste pão
e beberdes deste cálice,
estareis proclamando a morte do Senhor,
até que ele venha.
Palavra do Senhor.

Amou-os até o fim.

1Antes da festa da Páscoa.
Jesus sabia que tinha chegado a sua hora
de passar deste mundo para o Pai;
tendo amado os seus que estavam no mundo,
amou-os até o fim.
2Estavam tomando a ceia. O diabo já tinha posto no
coração de Judas, filho de Simão Iscariotes,
o propósito de entregar Jesus.
3Jesus, sabendo que o Pai tinha colocado tudo em suas
mãos e que de Deus tinha saído e para Deus voltava,
4levantou-se da mesa, tirou o manto,
pegou uma toalha e amarrou-a na cintura.
5Derramou água numa bacia
e começou a lavar os pés dos discípulos,
enxugando-os com a toalha com que estava cingido.
6Chegou a vez de Simão Pedro.
Pedro disse: ‘Senhor, tu, me lavas os pés?’
7Respondeu Jesus:
‘Agora, não entendes o que estou fazendo;
mais tarde compreenderás.’
8Disse-lhe Pedro: ‘Tu nunca me lavarás os pés!’
Mas Jesus respondeu: ‘Se eu não te lavar,
não terás parte comigo’.
9Simão Pedro disse:
‘Senhor, então lava não somente os meus pés,
mas também as mãos e a cabeça.’
10Jesus respondeu: ‘Quem já se banhou não precisa
lavar senão os pés, porque já está todo limpo.
Também vós estais limpos, mas não todos.’
11Jesus sabia quem o ia entregar;
por isso disse: ‘Nem todos estais limpos.’
12Depois de ter lavado os pés dos discípulos,
Jesus vestiu o manto e sentou-se de novo.
E disse aos discípulos:
‘Compreendeis o que acabo de fazer?’
13Vós me chamais Mestre e Senhor,
e dizeis bem, pois eu o sou.
14Portanto, se eu, o Senhor e Mestre,
vos lavei os pés,
também vós deveis lavar os pés uns dos outros.
15Dei-vos o exemplo,
para que façais a mesma coisa que eu fiz.
Palavra da Salvação.

Reflexão

ÚLTIMA CEIA

Na noite da Última Ceia / Estando à mesa com os seus… / com as suas próprias mãos / Ele mesmo deu o alimento aos Doze“.

É com estas palavras que o belo hino do “Pange lingua” apresenta a Última Ceia, em que Jesus nos deixou o admirável Sacramento do seu Corpo e do seu Sangue. As leituras há pouco proclamadas ilustram o seu sentido profundo. Elas formam como que um tríptico: apresentam a instituição da Eucaristia, a sua prefiguração no Cordeiro pascal, a sua tradução existencial no amor e no serviço fraterno.

Foi o apóstolo Paulo, na primeira Carta aos Coríntios, a recordar-nos o que Jesus fez “na noite em que foi entregue”. À narração do fato histórico, Paulo juntou o seu comentário: sempre que comerdes este pão e beberdes este cálice, anunciais a morte do Senhor até que Ele venha. (1 Cor 11, 26).

A mensagem do Apóstolo é clara: a comunidade que celebra a Ceia do Senhor atualiza a Páscoa. A Eucaristia não é simples memória de um rito passado, mas a viva representação do gesto supremo do Salvador. A comunidade cristã não pode deixar de se sentir impelida a fazer profecia do mundo novo, inaugurado na Páscoa. Contemplando o mistério de amor que a Última Ceia nos recorda, permaneçamos, também nós, em comovida e silenciosa adoração.

O Verbo encarnado / transforma com a sua palavra / o verdadeiro pão na sua carne…“.

É o prodígio que nós, sacerdotes, tocamos em cada dia com as nossas mãos na santa Missa. A Igreja continua a repetir as palavras de Jesus, e sabe que está comprometida a fazê-lo até ao fim do mundo. Em virtude destas palavras realiza-se uma mudança admirável: permanecem as espécies eucarísticas, mas o pão e o vinho tornam-se, segundo a feliz expressão do Concílio de Trento, “verdadeira, real e substancialmente” o Corpo e o Sangue do Senhor.

O pensamento sente-se confuso frente a tão sublime mistério. Muitas interrogações se apresentam ao coração do crente, que, todavia encontra paz na palavra de Cristo: “Se o sentido se perde / a fé basta por si só a um coração sincero”. Sustentados por esta fé, por esta luz que ilumina os nossos passos mesmo na noite da dúvida e da dificuldade, nós podemos proclamar: “A um Sacramento assim tão grande / prostrados, adoremos”.

A instituição da Eucaristia põe-nos em relação com o rito pascal da primeira Aliança, que nos é descrito na página do Êxodo, há pouco proclamada: Fala-se do cordeiro “sem defeito, macho, e com um ano de idade” (12, 6), por cujo sacrifício o povo seria libertado do extermínio: “O sangue servirá de sinal nas casas em que residis: vendo o sangue, passarei adiante, e não sereis atingidos pelo flagelo destruidor” (12, 13).

O hino de São Tomás comenta: “ceda agora a antiga Lei / ao Sacrifício novo”. Justamente, por isso, os textos bíblicos da Liturgia de hoje orientam o nosso olhar para o novo Cordeiro, que com o sangue livremente derramado sobre a Cruz estabeleceu uma nova e eterna Aliança. Eis a Eucaristia, presença sacramental da carne imolada e do sangue derramado do novo Cordeiro. Nela são oferecidos a toda a humanidade a salvação e o amor.

Como não nos deixarmos fascinar por este Mistério? Façamos nossas as palavras de São Tomás de Aquino: “Que a fé supra o defeito dos sentidos”. Sim, a fé conduz-nos à contemplação e à adoração!

É neste ponto que o nosso olhar se dirige para o terceiro elemento do tríptico que forma a liturgia de hoje. Devemo-lo à narração do evangelista João, que nos apresenta a imagem perturbante do lavar dos pés. Com este gesto, Jesus recorda aos discípulos de todos os tempos que a Eucaristia pede que sejamos testemunhas no serviço do amor para com os irmãos.

Ouvimos as palavras do Mestre divino: “Ora, se Eu vos lavei os pés, sendo Senhor e Mestre, também vós deveis lavar os pés uns aos outros” (Jo 13, 14). É um novo estilo de vida que provém do gesto de Jesus: “Dei-vos o exemplo, para que, como Eu vos fiz, façais vós também” (Jo 13, 15).

O lavar dos pés apresenta-se como um ato paradigmático, que na morte na cruz e na ressurreição de Cristo encontra a chave da sua leitura e a sua máxima explicitação. Neste ato de serviço humilde, a fé da Igreja vê o êxito natural de cada celebração eucarística. A autêntica participação na Missa não pode deixar de gerar o amor fraterno seja em cada crente, seja em toda a comunidade eclesial.

Amou-os até ao fim” (Jo 13, 1).

A Eucaristia constitui o sinal perene do amor de Deus, amor que sustenta o nosso caminho para a plena comunhão com o Pai, através do Filho, no Espírito. É um amor que ultrapassa o coração do homem. Parando para adorar o Santíssimo Sacramento, e meditando o mistério da Última Ceia, sentimo-nos mergulhados no oceano de amor que brota do coração de Deus. Façamos nosso, com espírito agradecido o hino de ação de graças do povo redimido:

“Ao Pai e ao Filho / louvor e júbilo / salvação, poder, bênção: / Àquele que procede de ambos /seja dada igual glória e honra!”
Texto: HOMILIA DO PAPA JOÃO PAULO II
Fonte: VATICANO