QUINTA-FEIRA SANTA (ANO B)

A PALAVRA

Nesta quinta-feira santa, mergulhamos na recordação da Última Ceia do Senhor, um banquete marcado pelo sublime AMOR e ternura que Ele nutria pelos homens. Sob o crepúsculo, Jesus entoa os salmos com firmeza, em um tom carregado de expressão. São João nos revela o ardente desejo de Jesus em compartilhar essa Páscoa com seus discípulos.

Nesse momento singular, testemunhamos a rivalidade entre os apóstolos e o surpreendente exemplo de humildade e serviço que Jesus nos lega ao se ajoelhar para lavar os pés de seus seguidores, deixando-os atônitos diante de sua demonstração de amor e ternura incomensuráveis.

O próprio Senhor quis conferir àquela Última Ceia uma plenitude de significados, uma riqueza de recordações, uma emoção nas palavras e sentimentos, uma novidade de atos e preceitos tão profundos que jamais cessaremos de meditá-los e explorá-los. É uma ceia que ecoa como testamento, um momento afetuoso e imensamente melancólico, mas também misteriosamente revelador das promessas divinas e das perspectivas mais elevadas.

Tudo o que Cristo realizou por nós pode ser encapsulado nas simples palavras de João: Ele nos amou até o fim. Este dia é especialmente propício para refletirmos sobre esse amor de Jesus por cada um de nós e sobre como estamos correspondendo a ele.

Provavelmente, ao término da ceia, após um momento de silêncio solene, Jesus instituiu a EUCARISTIA. Antecipando de forma sacramental o sacrifício que consumaria no dia seguinte no Calvário, o Senhor transformou o Cordeiro sacrificado em si mesmo: “Este é o meu corpo, este é o meu sangue…” A nova aliança, selada com o próprio sangue de Cristo, é o novo banquete que congrega todos os irmãos.

Ao imolar e oferecer a Si mesmo – CORPO E SANGUE– ao Pai, como Cordeiro sacrificado, o Senhor inaugura a nova e definitiva Aliança entre Deus e os homens, redimindo-nos da escravidão do pecado e da morte eterna.

É neste momento que Jesus fala aos apóstolos sobre sua partida iminente e anuncia o mandamento novo: “AMAI-VOS UNS AOS OUTROS COMO EU VOS AMEI.

Ao final desta meditação, somos desafiados a nos questionar: Nos ambientes onde vivemos nossa vida cotidiana, as pessoas nos reconhecem como discípulos de Cristo? Que o amor que Ele nos ensinou seja nossa marca distintiva, irradiando através de nossas ações e relacionamentos, para que o mundo testemunhe a presença viva do amor divino em nós.

LEITURAS

Que a celebração do ritual da ceia pascal nos conduza à reflexão profunda sobre o valor do amor e da libertação, inspirando-nos a vivenciar cada momento com gratidão e consciência, como verdadeiros herdeiros da promessa divina.

Naqueles dias,
1 O Senhor disse a Moisés e a Aarão no Egito:
2 “Este mês será para vós o começo dos meses;
será o primeiro mês do ano.
3 Falai a toda a comunidade dos filhos de Israel,
dizendo:
‘No décimo dia deste mês,
cada um tome um cordeiro por família,
um cordeiro para cada casa.
4 Se a família não for bastante numerosa
para comer um cordeiro,
convidará também o vizinho mais próximo,
de acordo com o número de pessoas.
Deveis calcular o número de comensais,
conforme o tamanho do cordeiro.
5 O cordeiro será sem defeito,
macho, de um ano.
Podereis escolher tanto um cordeiro, como um cabrito:
6 e devereis guardá-lo preso
até ao dia catorze deste mês.
Então toda a comunidade de Israel reunida
o imolará ao cair da tarde.
7 Tomareis um pouco do seu sangue
e untareis os marcos e a travessa da porta,
nas casas em que o comerdes.
8 Comereis a carne nessa mesma noite, assada ao fogo,
com pães ázimos e ervas amargas.
11 Assim devereis comê-lo: com os rins cingidos,
sandálias nos pés e cajado na mão.
E comereis às pressas, pois é a Páscoa,
isto é, a ‘Passagem’ do Senhor!
12 E naquela noite passarei pela terra do Egito
e ferirei na terra do Egito todos os primogênitos,
desde os homens até os animais;
e infligirei castigos contra todos os deuses do Egito,
eu, o Senhor.
13 O sangue servirá de sinal nas casas onde estiverdes.
Ao ver o sangue, passarei adiante,
e não vos atingirá a praga exterminadora,
quando eu ferir a terra do Egito.
14 Este dia será para vós uma festa memorável
em honra do Senhor,
que haveis de celebrar por todas as gerações,
como instituição perpétua”.
Palavra do Senhor.

Que o cálice, abençoado em nosso nome, seja o símbolo sagrado da nossa íntima comunhão com o precioso sangue do Senhor, uma união que nos fortalece, nos redime e nos inspira a viver em plenitude, guiados pela luz da sua graça.

R. O cálice por nós abençoado
     é a nossa comunhão com o sangue do Senhor.

12 Que poderei retribuir ao Senhor Deus *
por tudo aquilo que ele fez em meu favor? 
13 Elevo o cálice da minha salvação, *
invocando o nome santo do Senhor. R.

15 É sentida por demais pelo Senhor *
a morte de seus santos, seus amigos.
16bc Eis que sou o vosso servo, ó Senhor, *
mas me quebrastes os grilhões da escravidão! R.

17 Por isso oferto um sacrifício de louvor, *
invocando o nome santo do Senhor.
18 Vou cumprir minhas promessas ao Senhor *
na presença de seu povo reunido. R.

Cada vez que partilhamos deste pão e deste cálice sagrado, testemunhamos solenemente o sacrifício redentor do Senhor, renovando nossa fé e fortalecendo nossa conexão espiritual com o amor incondicional que Ele nos ofereceu na cruz.

Irmãos:
23 O que eu recebi do Senhor,
foi isso que eu vos transmiti:
Na noite em que foi entregue,
o Senhor Jesus tomou o pão
24 e, depois de dar graças, partiu-o e disse:
“Isto é o meu corpo que é dado por vós.
Fazei isto em minha memória”.
25 Do mesmo modo, depois da ceia,
tomou também o cálice e disse:
“Este cálice é a nova aliança, em meu sangue.
Todas as vezes que dele beberdes,
fazei isto em minha memória”.
26 Todas as vezes, de fato, que comerdes deste pão
e beberdes deste cálice,
estareis proclamando a morte do Senhor,
até que ele venha.
Palavra do Senhor.

Que a profunda verdade contida nessas palavras ecoe em nossos corações: Jesus amou seus discípulos até o último instante, um amor que transcende o tempo e as adversidades, convidando-nos a refletir sobre a imensidão desse amor divino e a nos inspirar a amar incondicionalmente, seguindo seu exemplo luminoso.

1 Era antes da festa da Páscoa.
Jesus sabia que tinha chegado a sua hora
de passar deste mundo para o Pai;
tendo amado os seus que estavam no mundo,
amou-os até o fim.
2 Estavam tomando a ceia.
O diabo já tinha posto
no coração de Judas, filho de Simão Iscariotes,
o propósito de entregar Jesus.
3 Jesus, sabendo que o Pai tinha colocado tudo em suas mãos
e que de Deus tinha saído e para Deus voltava,
4 levantou-se da mesa, tirou o manto,
pegou uma toalha e amarrou-a na cintura.
5 Derramou água numa bacia
e começou a lavar os pés dos discípulos,
enxugando-os com a toalha com que estava cingido.
6 Chegou a vez de Simão Pedro.
Pedro disse:
“Senhor, tu me lavas os pés?”
7 Respondeu Jesus:
“Agora, não entendes o que estou fazendo;
mais tarde compreenderás”.
8 Disse-lhe Pedro:
“Tu nunca me lavarás os pés!”
Mas Jesus respondeu:
“Se eu não te lavar, não terás parte comigo”.
9 Simão Pedro disse:
“Senhor, então lava não somente os meus pés,
mas também as mãos e a cabeça”.
10 Jesus respondeu:
“Quem já se banhou
não precisa lavar senão os pés, porque já está todo limpo.
Também vós estais limpos, mas não todos”.
11 Jesus sabia quem o ia entregar;
por isso disse:
“Nem todos estais limpos”.
12 Depois de ter lavado os pés dos discípulos,
Jesus vestiu o manto e sentou-se de novo.
E disse aos discípulos:
“Compreendeis o que acabo de fazer?
13 Vós me chamais Mestre e Senhor,
e dizeis bem, pois eu o sou.
14 Portanto, se eu, o Senhor e Mestre,
vos lavei os pés,
também vós deveis lavar os pés uns dos outros.
15 Dei-vos o exemplo,
para que façais a mesma coisa que eu fiz”.
Palavra da Salvação.

Reflexão

UM SÓ CORPO: O Pão e o Cálice (Quinta-feira Santa)

A Quinta-feira Santa é um momento de profunda reflexão e significado, no qual nos voltamos para o corpo de Jesus em suas múltiplas manifestações. Desde o cenáculo de Jerusalém, onde Jesus compartilhou a Última Ceia com seus discípulos, até o símbolo do lava-pés e a instituição da Eucaristia, o  texto deste dia nos conduz a contemplar o amor sacrificial de Cristo e sua mensagem de serviço e comunhão. Além disso, destaca-se a importância do sacerdócio fundamental, instando-nos a orar por aqueles que lideram e servem a comunidade cristã, enquanto reconhecemos a dualidade da condição humana e a necessidade de permanecer firmes na fé.

Dividirei esta homilia em cinco partes:

  • No centro o Corpo de Jesus
  • No Cenáculo de Jerusalém.
  • O símbolo do lava-pés
  • O símbolo do Pão Eucarístico
  • O sacerdócio fundamental

NO CENTRO O CORPO DE JESUS

Na Quinta-feira, Sexta-feira e Sábado Santos, nossas mentes e corações convergem para o “corpo de Jesus“. Os rituais da Semana Santa nos conduzem a ele. Todos os olhares se voltam para esse corpo. Todos os corações se comovem diante dele, pois parece carregar consigo toda a dor do mundo. Em seu semblante, as pessoas enxergam suas próprias dores: aquelas já vividas, as que as afligem agora e aquelas que certamente virão.

Os artistas habilmente retrataram em suas obras o corpo de Jesus em situações extremas e até mesmo morto, sem que isso o torne sem desesperançoso ou derrotado. Ano após ano, geração após geração, o mesmo espetáculo se repete, despertando as mesmas emoções. E tudo isso tem como foco central… o corpo de Jesus!

Este corpo transcende o tempo e o espaço, tornando-se um símbolo de redenção e esperança para todos nós. Nele encontramos a compaixão divina que nos acolhe em nossas dores e nos lembra que, mesmo nas horas mais sombrias, há luz e vida. Que ao contemplarmos o corpo de Jesus, possamos também refletir sobre nossas próprias dores e encontrar conforto na certeza de que não estamos sozinhos em nossa jornada.

NO CENÁCULO DE JERUSALÉM.

Ali está Jesus reunido com seus discípulos para celebrar “A ÚLTIMA CEIA“, um momento carregado de significado: é a “Ceia de despedida“, o momento do “adeus“, a “Ceia do Testamento“.

Desde os tempos antigos, os grandes patriarcas do Povo de Deus transformavam a última refeição com seus filhos na “Ceia do Testamento” (como vemos no relato de Jacó em Gênesis 48-49). Jesus segue esse padrão ao fazer o Seu Testamento. O evangelista João começa o relato da Ceia com palavras que ecoam pela eternidade: “Ele os amou até o fim” (João 13, 1).

Contudo, nesse momento de profunda comunhão, também se manifesta o mal. O diabo age por meio de um dos discípulos, Judas, que o trai e o entrega aos líderes religiosos para ser eliminado. Nessa narrativa, encontramos a dualidade da condição humana: o amor profundo de Jesus contrastado com a traição de Judas. É uma cena carregada de emoção e significado, pois revela não apenas a grandeza do amor de Cristo, mas também a fragilidade e a capacidade destrutiva do mal. É uma reflexão profunda sobre a natureza humana e a importância do amor e da lealdade em meio às adversidades.

O SÍMBOLO DO LAVA-PÉS

Durante a última ceia, Jesus derrama água numa bacia e começa a lavar os pés dos discípulos, secando-os com humildade. Numa época em que a parte inferior dos pés era vista como desonrosa, reservada para escravos ou pessoas de status inferior, Jesus subverte essa norma cultural ao realizar esse ato de serviço. Ele atribui uma importância profunda a essa ação simples, confrontando até mesmo a resistência de Pedro, que relutava em permitir tal ato. Jesus apresenta a ele uma escolha essencial: “ou permites que eu lave seus pés e esteja ao meu lado, ou não permites e estarás contra mim“.

Nesse gesto, Jesus revela a verdadeira essência da comunhão entre os discípulos, que são chamados a se unir como um único corpo em Jesus. Este é um convite para uma comunhão tátil, uma expressão tangível de unidade. Jesus estabelece um novo paradigma: LAVEM OS PÉS UNS DOS OUTROS! Reconheçam a sacralidade de seus corpos! Abram mão de qualquer forma de violência física! Sirvam uns aos outros com humildade! Estejam dispostos a sacrificar suas vidas uns pelos outros!

Este é um convite poderoso para honrar não apenas a união espiritual, mas também a conexão física e emocional entre os seguidores de Jesus. É um chamado para transcender as barreiras sociais e culturais, reconhecendo a dignidade e a sacralidade do corpo humano. É uma exortação para viver em comunhão, imitando o exemplo de amor e serviço exemplificado por Jesus. Que possamos responder a esse chamado, abraçando a humildade, o serviço e o amor incondicional em nossas vidas diárias.

O SÍMBOLO DO PÃO EUCARÍSTICO

A cena de despedida continua… e mais uma vez surge o CORPO. Desta vez, ele assume a ‘forma sagrada’ do pão: não apenas pão, mas pão dentro de um contexto de interação: pão entregue! É o pão da refeição, é o pão que Jesus parte e compartilha: TOMAI, COMEI, ISTO É O MEU CORPO!

Não se trata apenas do pão, mas do pão partido e distribuído pelas próprias mãos de Jesus. Ele fala de um corpo que ultrapassa seus limites, de um corpo que toca, que se aproxima, que deseja ser tomado, comido… até entrar no outro corpo: ‘vós em mim e eu em vós’. O pão-corpo tem uma existência passageira e transitória: é impelido pela impaciência de ser consumido e desaparecer no corpo dos discípulos. Os antigos cristãos chamavam-no de ‘remédio da imortalidade’.

O corpo-pão vivifica o corpo que o recebe: quem come o meu pão não morrerá para sempre. Quem comunga se une ao Corpo que cura tudo, que ressuscita, que estabelece a Aliança para sempre. Jesus quer compartilhar seu corpo.

Estreitamente ligado ao corpo… também o sangue. Jesus transforma a cena anterior: agora segura um cálice em suas mãos. Ele derrama o vinho nele; entrega a cada um de seus discípulos e diz: Tomai, bebei: este é o meu sangue, sangue da nova e eterna Aliança, que será derramado por vós e por todos os homens para remissão dos pecados.

Jesus quer compartilhar seu sangue e fazer de nós seus consanguíneos. Para ele, como hebreu, o sangue era muito mais do que apenas o líquido que corre em nossas veias: era o símbolo da vida, de sua própria vida, que só encontrava sentido ao se desviver, ao se entregar. Por isso, também o sangue cria comunhão, consanguinidade, Aliança para sempre. Servi uns aos outros! Dai a vida uns pelos outros!

O SACERDÓCIO FUNDAMENTAL

Jesus desejava que todos nós, seus seguidores, nos tornássemos parte do povo sacerdotal, uma comunidade de sacerdotes. No momento do Batismo, somos todos consagrados como sacerdotes de Deus, chamados a compartilhar Sua mensagem de amor e salvação com o mundo. No entanto, hoje celebramos o surgimento de um tipo específico de sacerdócio: aqueles escolhidos para liderar e servir o povo de Deus de maneira especial.

Lembremos da passagem em que Jesus, dirigindo-se a Pedro, perguntou: “Simão, filho de João, você me ama?” Diante da resposta afirmativa de Pedro, Jesus disse: “Apascenta as minhas ovelhas“. Essas palavras ressoam não apenas com Pedro, mas também conosco, destacando a responsabilidade dos líderes religiosos em cuidar do rebanho de Deus, guiando-o com amor e sabedoria.

No entanto, é importante lembrar que os pastores também estão sujeitos às tentações do maligno e podem, como Pedro, negar o Senhor ou se desviar do caminho da verdade. Assim, é essencial que nos unamos em oração por eles, para que permaneçam firmes em sua fé e não cedam às armadilhas do mal.

Texto: JOSÉ CRISTO REY GARCÍA PAREDES
Fonte: ECOLOGÍA DEL ESPÍRITU