NOSSAS FERIDAS, NOSSOS DONS E NOSSO PODER DE CURAR OS OUTROS

ARTIGOS

Cerca de cinquenta anos atrás, Henri Nouwen escreveu um livro chamado THE WOUNDER HEALER (O CURADOR DE FERIDAS). A publicação deste livro construiu sua reputação como sendo um mentor espiritual, e ele se tornou um dos escritores espirituais mais influentes do último meio século. O que tornou seus escritos tão prestigiosos? Seu brilho? Seu dom de expressão? Ele era dotado de talento, sim, mas muitos outros também. O que o tornava diferente era que ele era um HOMEM PROFUNDAMENTE FERIDO, e daquele lugar interno perturbado ele proferiu palavras que foram um bálsamo de cura para milhões.

Como é que isto funciona? Como nossas feridas ajudam a curar outras pessoas? Não o fazem. Não são nossas feridas que ajudam a curar os outros. Em vez disso, nossas feridas podem colorir nossos dons e talentos de tal forma que não gerem mais resistência e inveja nos outros, mas se tornem o que Deus pretendia que fossem: UM DOM PARA FAVORECER OS OUTROS.

Infelizmente, o oposto costuma ser verdadeiro. Nossos dons e talentos muitas vezes se tornam a razão de sermos odiados. Há uma dinâmica curiosa aqui. Não deixamos, nem automaticamente e nem facilmente, que os dons dos outros nos favoreçam. Mais frequentemente, relutamos em admitir sua beleza e poder, e resistimos e invejamos aqueles que os possuem; e às vezes até os odiamos por causa de seus dons. Essa é uma das razões pelas quais achamos difícil apenas admirar alguém.

Porém, essa nossa relutância não diz apenas algo sobre nós. Muitas vezes também diz algo sobre as pessoas que possuem esses dons. O talento é uma coisa ambígua; Pode ser usado para nos proteger, para nos separar dos outros, para nos sobressair e nos colocar acima, ao invés de um presente para ajudar os outros. Nossos talentos podem ser usados ​​simplesmente para mostrar como somos brilhantes, talentosos, bonitos e bem-sucedidos. Então, eles se tornam simplesmente uma força que tenta encolher os outros e nos separar.

COMO PODEMOS TORNAR NOSSOS TALENTOS UM PRESENTE PARA OUTRAS PESSOAS? Como podemos ser amados por nossos talentos em vez de odiados por causa deles? Aqui está a diferença: seremos amados e admirados por nossos dons quando nossos dons forem coloridos por nossas feridas, para que os outros não os vejam como uma ameaça ou como algo que nos diferencia, mas sim como algo que os favorece em suas próprias deficiências. Quando compartilhados de uma determinada maneira, nossos dons podem se tornar presentes para todos os outros.

É assim que funciona essa álgebra: NOSSOS DONS NOS SÃO DADOS NÃO PARA NÓS MESMOS, MAS PARA OS OUTROS. Porém, para serem assim, eles precisam ser coloridos pela compaixão. Chegamos à compaixão permitindo que nossas feridas favoreçam nossos dons. Aqui estão dois exemplos:

      • Quando a princesa Diana morreu em 1997, houve uma enorme demonstração de amor por ela. Por temperamento, como padre católico, não sou dado a lamentar por celebridades e, em vez disso, senti profundo pesar e amor por essa mulher. Porque ela era linda e famosa? Nada disso. Muitas mulheres bonitas e famosas são odiadas por isso. A princesa Diana era amada por muitos porque era uma pessoa magoada, alguém cujas feridas coloriam sua beleza e fama de uma forma que levava ao amor, não à inveja.
      • Henri Nouwen, que popularizou a expressão “O CURADOR FERIDO”, compartilhava uma característica semelhante. Ele era um homem brilhante, autor de mais de quarenta livros, um dos oradores religiosos mais populares de sua geração, de Harvard e Yale, uma pessoa com amigos em todo o mundo; mas também um homem profundamente ferido, que – como ele mesmo repetidamente admitia – sofria de inquietação, ansiedade, ciúme e obsessões que ocasionalmente o levavam a ser internado em uma clínica. Além disso – como ele mesmo admitiu repetidamente – em meio a esse sucesso e popularidade, durante a maior parte de sua vida adulta ele lutou para simplesmente ACEITAR O AMOR. Seus ferimentos sempre atrapalhavam. E isso, seus ferimentos, basicamente colorem cada página de cada livro que escreveu. Seu brilho sempre foi marcado por suas feridas, então ele nunca foi autoritário, mas sempre compassivo. Ninguém invejou o brilho de Nouwen; ele estava ferido demais para ser invejado. Pelo contrário, seu brilho sempre nos impressionou de maneira saudável. ELE ERA UM CURADOR FERIDO.

Essas palavras, “FERIDO” e “CURADOR“, se ordenam mutuamente. Estou convencido de que Deus chama cada um de nós a uma vocação e a uma obra especial aqui na terra, mais com base em nossas feridas do que com base em nossos dons. Nossos dons são reais e importantes; mas eles só favorecem os outros quando são ordenados de uma forma especial de compaixão pela singularidade de nossas próprias feridas. Nossas feridas únicas e especiais podem ajudar a tornar todos nós um curador único e especial.

Nosso mundo está cheio de pessoas brilhantes, talentosas, muito bem-sucedidas e bonitas. Esses dons são reais, vêm de Deus e nunca devem ser maculados em nome de Deus. No entanto, nossos dons não ajudam automaticamente os outros; mas eles podem fazer isso se forem coloridos por nossas feridas, de modo que surjam como compaixão e não como orgulho.
Texto: RON ROLHEISER (Tradução BENJAMÍN ELCANO, CMF)