JOSÉ E O NATAL

NATAL

Há inúmeras pessoas, basílicas, igrejas, santuários, seminários, conventos, cidades e metrópoles que têm o nome de SÃO JOSÉ. Meu país natal, o Canadá, o tem como padroeiro junto com Santa Ana.

Quem é exatamente este José?

É aquela figura silenciosa mencionada na narrativa de Natal como o esposo de Maria e o pai adotivo de Jesus; e depois, basicamente, ele nunca é mencionado novamente. A piedosa imagem que temos dele é a de um homem idoso, leal protetor de Maria, carpinteiro de profissão, casto, santo, humilde, silencioso, o patrono perfeito para os trabalhadores manuais e a virtude anônima, a humildade incorporada.

O que realmente conhecemos sobre ele?

No Evangelho de Mateus, o anúncio da concepção de Jesus é confiado a José em vez de Maria:

Antes de viverem juntos, aconteceu que Maria estava grávida pelo Espírito Santo. José, seu esposo, que era justo e não queria difamá-la, tinha decidido divorciar-se dela em segredo, quando um anjo apareceu a ele em um sonho e disse para não hesitar em tomar Maria como sua esposa, pois a criança que ela carregava tinha sido concebida pelo Espírito Santo. (conforme Mateus 1, 18-25)

O que temos neste texto?

Em parte, é simbólico. A figura de José que aparece no relato do Natal nos traz claramente certa lembrança do José que aparece no relato do Êxodo. Ele também tem um sonho; igualmente vai para o Egito; da mesma forma salva a família. Da mesma forma, o rei Herodes é claramente a cópia do Faraó egípcio; ambos se sentem ameaçados e ambos matam os meninos hebreus apenas com o objetivo de fazer com que Deus proteja a vida daquele que tem a missão de salvar o povo

Mas depois desse simbolismo importante, o José da história do Natal tem sua própria narrativa. Ele é apresentado como um ‘HOMEM JUSTO’, uma designação que, na opinião dos estudiosos, implica sua conformidade com a vontade de Deus, a regra suprema da santidade judaica. Em todos os aspectos, ele era irrepreensível, um verdadeiro paradigma de bondade, demonstrada ao recusar expor Maria à vergonha, mesmo quando decide repudiá-la em privado.

O que teria acontecido aqui historicamente?

Até onde podemos reconstruir, o pano de fundo da relação entre José e Maria teria sido o seguinte: O costume de entrar no matrimônio naquela época era que uma mulher jovem, essencialmente na idade da puberdade, fosse oferecida a um homem, geralmente vários anos mais velho, em um casamento acordado pelos pais dela. Eles seriam prometidos, legalmente desposados, mas sem coabitar ou iniciar relações sexuais durante vários anos. A lei judaica era especialmente rigorosa quanto à manutenção da castidade do casal enquanto estavam no período de noivado. Durante esse tempo, a jovem continuaria a viver com seus pais, e o jovem se dedicaria a construir uma casa e adquirir uma profissão para poder sustentar sua esposa a partir do momento em que começassem a viver juntos.

José e Maria estavam nesta fase de seu relacionamento, legalmente casados, mas ainda não viviam juntos quando Maria engravidou. José, sabendo que a criança não era dele, deparou-se com um problema. Se ele não era o pai, quem era, na realidade? Para preservar sua própria reputação, ele poderia ter buscado uma investigação pública e, certamente, Maria teria sido acusada de adultério, o que poderia ter resultado em sua morte. No entanto, ele optou por ‘repudiá-la em particular’, ou seja, evitar uma investigação pública que a deixaria em uma situação difícil e vulnerável. Em tal caso, depois de receber em sonhos uma revelação, concorda em acolhê-la em casa como sua esposa e dar um nome à criança como se fosse seu próprio, alegando assim que ele é o pai. Ao fazer isso, livra Maria de complicações, talvez até mesmo salva sua vida, e proporciona um lugar material, social e religioso para que a criança nasça e cresça. Mas ele faz algo mais que não é tão evidente. Demonstra como uma pessoa pode ser um crente comprometido, profundamente fiel a tudo em sua tradição religiosa, e ainda assim, ao mesmo tempo, estar aberta a um mistério além de sua compreensão humana e religiosa.

E este foi exatamente o problema para muitos cristãos, inclusive para o próprio Mateus, no tempo em que os Evangelhos foram escritos. Eles eram judeus comprometidos que não sabiam como integrar Cristo em sua estrutura religiosa. O que fazer quando Deus irrompe na vida de alguém de uma maneira nova, previamente inimaginável? Como lidar com uma concepção impossível? José é o paradigma. Como Raymond Brown (padre católico americano) expressa:

O herói do relato da infância de Mateus é José, um judeu muito sensível observante da Lei. Em José, o evangelista estava retratando o que ele pensava que um judeu (um crente verdadeiro e piedoso) deveria ser e provavelmente o que ele mesmo era.

Em essência, José nos ensina como viver em amorosa fidelidade ao que nos unimos humanamente e religiosamente, mesmo quando estamos abertos a um mistério que nos transporta para além de todas as categorias de nossa prática e pensamento religioso. NÃO É ESSE UM DOS AUTÊNTICOS DESAFIOS DO NATAL?

Texto: RON ROLHEISER, teólogo católico e escritor canadense, membro da Ordem dos Padres Oblatos de Maria Imaculada.
Fonte: CIUDAD REDONDA
Imagem: PIXABAY