IV DOMINGO DA PÁSCOA (ANO C)

A PALAVRA

O IV Domingo do Tempo Pascal é considerado o “Domingo do Bom Pastor”, pois todos os anos a liturgia propõe um trecho do capítulo 10 do Evangelho segundo João, no qual Jesus é apresentado como Bom Pastor. É, portanto, este o tema central que a Palavra de Deus hoje nos propõe.

O Evangelho (Jo 10,27-30) apresenta Cristo como o Bom Pastor, cuja missão é trazer a vida plena às ovelhas do seu rebanho; as ovelhas, por sua vez, são convidadas a escutar o Pastor, a acolher a sua proposta e a segui-l’O. É dessa forma que encontrarão a vida em plenitude.

A primeira leitura (At 13,14.43-52) propõe-nos duas atitudes diferentes diante da proposta que o Pastor (Cristo) nos apresenta. De um lado, estão essas “ovelhas” cheias de autossuficiência, satisfeitas e comodamente instaladas nas suas certezas; de outro, estão outras ovelhas, permanentemente atentas à voz do Pastor, que estão dispostas a arriscar segui-l’O até às pastagens da vida abundante. É esta última atitude que nos é proposta.

A segunda leitura (Ap 7,9.14b-17) apresenta a meta final do rebanho que seguiu Jesus, o Bom Pastor: a vida total, de felicidade sem fim.

Fonte: Congregação dos Sacerdotes do Coração de Jesus

Leituras

Os judeus de que se fala nesta leitura representam aqueles que se acomodaram a uma religião “morninha”, segura, feita de hábitos, de leis, de devoções, de ritos externos, de fórmulas fixas, mas que NÃO põe verdadeiramente em causa o CORAÇÃO e a CONSCIÊNCIA, nem tem um impacto real na vida de todos os dias. É a religião dos “certinhos” e acomodados, dos que têm medo da novidade de Deus (que mexe com os esquemas feitos e, constantemente, põe tudo em causa, obriga a arriscar e a converter-se).

Naqueles dias, Paulo e Barnabé
14partindo de Perge,
chegaram a Antioquia da Pisidia.
E, entrando na sinagoga em dia de sábado, sentaram-se.
43Muitos judeus e pessoas piedosas convertidas ao
judaísmo seguiram Paulo e Barnabé.
Conversando com eles, os dois insistiam
para que continuassem fiéis à graça de Deus.
44No sábado seguinte, quase toda a cidade se reuniu
para ouvir a palavra de Deus.
45Ao verem aquela multidão,
os judeus ficaram cheios de inveja
e, com blasfêmias, opunham-se ao que Paulo dizia.
46Então, com muita coragem,
Paulo e Barnabé declararam:
‘Era preciso anunciar a palavra de Deus primeiro a vós.
Mas, como a rejeitais
e vos considerais indignos da vida eterna,
sabei que vamos dirigir-nos aos pagãos.
47Porque esta é a ordem que o Senhor nos deu:
‘Eu te coloquei como luz para as nações,
para que leves a salvação
até os confins da terra’.’
48Os pagãos ficaram muito contentes,
quando ouviram isso,
e glorificavam a palavra do Senhor.
Todos os que eram destinados à vida eterna,
abraçaram a fé.
49Desse modo, a palavra do Senhor
espalhava-se por toda a região.
50Mas os judeus
instigaram as mulheres ricas e religiosas,
assim como os homens influentes da cidade,
provocaram uma perseguição contra Paulo e Barnabé
e expulsaram-nos do seu território.
51Então os apóstolos sacudiram contra eles
a poeira dos pés, e foram para a cidade de Icônio.
52Os discípulos, porém, ficaram cheios de alegria
e do Espírito Santo.
Palavra do Senhor.

R. O Senhor, só ele é Deus, somos o seu povo e seu rebanho.
 
2Aclamai o Senhor, ó terra inteira,
servi ao Senhor com alegria,*
ide a ele cantando jubilosos!R.

3Sabei que o Senhor, só ele, é Deus,
Ele mesmo nos fez, e somos seus,*
nós somos seu povo e seu rebanho.R.

5Sim, é bom o Senhor e nosso Deus,
sua bondade perdura para sempre,*
seu amor é fiel eternamente!R.

Em cada dia que passamos neste mundo, fazemos a experiência da alegria e da esperança, mas também da dor, da incompreensão, do medo, do sofrimento, do desespero… Com frequência, é o pessimismo que nos agarra, que nos limita, que nos escraviza e que nos impede de saborear o dom da vida. O autor do “Apocalipse” deixa-nos uma mensagem de esperança e diz-nos que não estamos condenados ao fracasso, mas sim à vida plena, à libertação definitiva, à felicidade total.

Eu, João,
9vi uma multidão imensa
de gente de todas as nações, tribos, povos e línguas,
e que ninguém podia contar.
Estavam de pé diante do trono e do Cordeiro;
trajavam vestes brancas
e traziam palmas na mão.
14bEntão um dos anciãos me disse:
‘Esses são os que vieram da grande tribulação’.
Lavaram e alvejaram as suas roupas
no sangue do Cordeiro.
15Por isso, estão diante do trono de Deus
e lhe prestam culto, dia e noite, no seu templo.
E aquele que está sentado no trono
os abrigará na sua tenda.
16Nunca mais terão fome, nem sede.
Nem os molestará o sol, nem algum calor ardente.
17Porque o Cordeiro, que está no meio do trono,
será o seu pastor
e os conduzirá às fontes da água da vida.
E Deus enxugará as lágrimas de seus olhos.’
Palavra do Senhor.

Na nossa cultura urbana, a imagem do pastor é uma parábola de outras eras, que pouco diz à nossa sensibilidade; em contrapartida, conhecemos bem a figura do líder, do presidente, do chefe: não raras vezes, é alguém que se impõe, que manipula, que arrasta, que exige… Mas o Evangelho que hoje nos é proposto convida-nos a descobrir a figura bíblica do Pastor: uma figura que evoca doação, simplicidade, serviço, dedicação total, amor gratuito. É alguém que é capaz de dar a própria vida para defender das garras das feras as ovelhas que lhe foram confiadas.

Naquele tempo, disse Jesus:
27As minhas ovelhas escutam a minha voz,
eu as conheço e elas me seguem.
28Eu dou-lhes a vida eterna
e elas jamais se perderão.
E ninguém vai arrancá-las de minha mão.
29Meu Pai, que me deu estas ovelhas,
é maior que todos,
e ninguém pode arrebatá-las da mão do Pai.
30Eu e o Pai somos um.’
Palavra da Salvação.

Reflexão

PASTORES COM O BOM PASTOR

O Evangelho de hoje é uma daquelas passagens evangélicas em que é melhor permanecer em silêncio, deixá-la aprofundar e nos penetrar; é melhor contemplá-la e desfrutá-la, sem deixar que as nossas ideias se interponham no caminho. É um Evangelho acima de tudo para sentir o afeto de Deus, o que Ele faz por nós, quem é Ele, como Ele gosta de se comportar conosco.

Como é Deus? Olhem para ele:

TEM OS OLHOS ATENTOS E VIGILANTES que olham para todos os lados, especialmente para as suas ovelhas, e não há nada que se esconda. Podemos regozijar-nos por saber que Ele está observando. Ele olha para mim. “Tão grande Senhor” está cuidando de uma ovelha pobre.

Os evangelhos nos dizem que o seu olhar o fez perceber que as pessoas que o seguiam estavam cansadas, famintas, como ovelhas sem pastor. E começou a ensiná-las calmamente. E ele multiplicou o pão por elas. O seu olhar apanhou a tristeza profunda da viúva de Naim que tinha perdido o seu único filho. E devolveu-o vivo a ela. Os seus olhos encontraram os de Zaqueu, a ovelha perdida, e ele foi recuperá-la na sua própria casa. Ou o olhar afetuoso para o jovem rico…

Se o deixares olhar para ti, serás seduzido: o que tem seu olhar que é capaz de enfeitiçar os seus discípulos, que deixam tudo para ir com ele? Mateus ou Pedro poderiam contar-nos muitos detalhes. Pois é um olhar que sabe ler as profundezas do coração e enchê-lo de paz transbordante. O seu olhar de amor chega-nos sempre, move-nos, liberta-nos e transforma-nos, fazendo de nós novas pessoas.

Um olhar que procura novos horizontes, porque sabe que não é bom para nós estarmos sempre nas mesmas pastagens, na mesma costa, na mesma terra… O nosso olhar é demasiado curto (como o das ovelhas), demasiado estreito. Mas ele vê mais longe, mais alto… E vai à nossa frente, puxando-nos, acompanhando-nos, cuidando de nós…

Esta é a dinâmica de cada vocação: somos alcançados pelo olhar do Senhor, que nos chama a todos. Ele vê potencialidades em cada um de nós, que até nós desconhecemos, e age incansavelmente ao longo das nossas vidas para que as possamos colocar a serviço do bem comum.

Assim é o olhar de todo “bom PASTOR“: Ele repara, sabe olhar “para dentro“, parte numa viagem, abre horizontes, procura soluções, recria… Aprendamos a olhar uns para os outros para que as pessoas com quem vivemos e com quem nos encontramos se sintam bem-vindas e descubram que há Alguém que olha com amor e as convida a desenvolver todo o seu potencial. Olhe para os outros com os olhos de Deus.

TEM OUVIDOS SENSÍVEIS E UMA GRANDE CAPACIDADE DE OUVIR. Ele consegue distinguir a voz de cada um de nós, e capta imediatamente as nossas necessidades, mesmo aquelas sobre as quais nem para nós são muito claras e não sabemos como nos expressar. As nossas orações chegam-lhe sempre e ele tem um ouvido sensível para compreender até os sentimentos mais escondidos. O seu ouvido está especialmente treinado para detectar os perigos que nos esperam: o uivo distante dos lobos, o gemido de uma ovelha perdida, ou as nuvens rodopiantes que se preparam para a próxima tempestade.

Que suas ovelhas aprendam com ele a ouvir. Para ouvi-lo, e para ouvir também os outros.  Não é fácil ouvir. Não é fácil ouvir como ele:

A sua é uma escuta “afetiva“, que se conecta comigo, que se deixa afetar pelo que é meu, se envolve, compreende como eu sou, e me ajuda a compreender o que precisam de mim, o que tenho de mudar, para onde tenho que me mover… Escutar é tão importante que Deus pediu a Israel no início dos tempos: ESCUTA ISRAEL… A sua voz, a sua Palavra, liberta-nos do egocentrismo, e é capaz de nos purificar, iluminar e recriar. Ouçamos a Palavra, para nos abrirmos à vocação que Deus confia a cada um de nós.

E é uma escuta orientadora… que se converte em uma chamada em um “seguimento” da nossa parte. Uma escuta que me faz “conhecer” em profundidade. “Conhecer” no mundo bíblico significa “estabelecer uma relação pessoal profunda com alguém“. As ovelhas “conhecem” o pastor, e o pastor conhece as suas ovelhas. E também procuram “conhecer” os outros de forma semelhante. Aprendamos a ouvir os nossos irmãos e irmãs na fé, pois nos seus conselhos e exemplos pode estar escondida a iniciativa de Deus, que nos mostra caminhos sempre novos para caminhar.

Este é um grande desafio. O Papa espera que os pastores “cheirem” como ovelhas, que as conheçam em primeira mão. Não é o mesmo “conhecer” desde um escritório, por relatórios, estatísticas… é deixar que as situações “toquem“, estando presente nelas. Ler notícias sobre a guerra na Ucrânia não é o mesmo que acolher devidamente os refugiados.

Boa parte do tempo do Bom Pastor deve ser dedicada a “sujar-se“, ouvir, acompanhar, cuidar… especialmente das ovelhas feridas. Como é difícil preparar esta homilia, sem conhecer a realidade das pessoas que as leem, ou as que participam da celebração, com tantos rostos anónimos à sua frente…

Um último ponto por uma questão de brevidade: O Bom Pastor é também um “Cordeiro”. A segunda leitura recorda-nos isto. E os pastores, aqueles de nós a quem foi confiada esta responsabilidade no seio da Comunidade Cristã… somos também ovelhas. E também, muitas vezes… ficamos cansados. Disse o Papa Francisco:

As nossas tarefas envolvem a nossa capacidade de compaixão, os nossos corações são “movidos” e comovidos. Alegramo-nos com os noivos que se casam, rimos com o bebê que trazem para o batismo; acompanhamos os jovens que se preparam para o casamento e as famílias; choramos com aquele que recebe a unção na cama do hospital, choramos com aqueles que enterram um ente querido… Tantas emoções, tanto afeto, cansam o coração do Pastor.  Para nós padres, as histórias do nosso povo não são um programa noticioso: conhecemos o nosso povo, podemos adivinhar o que se passa em seus corações; e no nosso, à medida que simpatizamos (à medida que sofremos com eles), torna-se desfiado, ele parte-se em mil pequenos pedaços…

Recordando Santo Agostinho: “contigo sou uma ovelha, para ti sou um pastor“. E, portanto, quão importante é a proximidade, o afeto, o interesse, o acompanhamento, pequenos detalhes, paciência, correção fraterna… Também precisamos ser “CUIDADOS“. Jesus cuidou dos seus, mas também precisava de cuidado, proximidade, amizade, descanso com os seus…

Invoquemos a luz do Espírito Santo para que cada um encontre o seu próprio lugar e dê o seu melhor neste grande desígnio divino. Amém.

Texto: Quique Martínez de la Lama-Noriega, cmf
Fonte: Ciudad Redonda