III DOMINGO DA PÁSCOA (ANO C)

A PALAVRA

A liturgia do III Domingo do Tempo Comum propõe-nos a continuação da reflexão iniciada no passado domingo. Recorda, uma vez mais, que Deus ama cada homem e cada mulher e chama-o à vida plena e verdadeira. A resposta do homem ao chamamento de Deus passa por um caminho de conversão pessoal e de identificação com Jesus.

A primeira leitura (At 5,27b-32.40b-41) diz-nos – através da história do envio do profeta Jonas para pregar a conversão aos habitantes de Nínive – que Deus ama todos os homens e a todos chama à salvação. A disponibilidade dos ninivitas em escutar os apelos de Deus e em percorrer um caminho imediato de conversão constitui um modelo de resposta adequada ao chamamento de Deus.

No Evangelho (Jo 21,1-19) aparece o convite que Jesus faz a todos os homens para se tornarem seus discípulos e para integrarem a sua comunidade. Marcos avisa, contudo, que a entrada para a comunidade do Reino pressupõe um caminho de “conversão” e de adesão a Jesus e ao Evangelho.

A segunda leitura (AP 5,11-14) convida o cristão a ter consciência de que “o tempo é breve” – isto é, que as realidades e valores deste mundo são passageiros e não devem ser absolutizados. Deus convida cada cristão, em marcha pela história, a viver de olhos postos no mundo futuro – quer dizer, a dar prioridade aos valores eternos, a converter-se aos valores do “Reino”.

Fonte: Congregação dos Sacerdotes do Coração de Jesus

Leituras

A proposta de Jesus é uma proposta libertadora, que não se compadece nem pactua com esquemas egoístas, injustos, opressores. É uma mensagem questionante, transformadora, revolucionária, que põe em causa tudo o que gera injustiça, morte, opressão; por isso, é uma proposta que é rejeitada e combatida por aqueles que dominam o mundo e que oprimem os débeis e os pobres. Isto explica bem porque é que o testemunho sobre Jesus não é um caminho fácil de glória, de aplausos, de honras, de popularidade, mas um caminho de cruz. Não temos, portanto, que nos admirar se a mensagem que propomos e o testemunho que damos não encontram eco entre os que dominam o mundo; temos é de nos questionar e de nos inquietar se não somos importunados por aqueles que oprimem e que escravizam os irmãos: isso quererá dizer que o nosso testemunho não é coerente com a proposta de Jesus.

Naqueles dias:
os guardas levaram os apóstolos
e os apresentaram ao Sinédrio.
27bO sumo sacerdote começou a interrogá-los,
28dizendo: ‘Nós tínhamos proibido expressamente
que vós ensinásseis em nome de Jesus.
Apesar disso, enchestes a cidade de Jerusalém
com a vossa doutrina.
E ainda nos quereis tornar responsáveis
pela morte desse homem!’
29Então Pedro e os outros apóstolos responderam:
‘É preciso obedecer a Deus, antes que aos homens.
30O Deus de nossos pais ressuscitou Jesus,
a quem vós matastes, pregando-o numa cruz.
31Deus, por seu poder, o exaltou,
tornando-o Guia Supremo e Salvador,
para dar ao povo de Israel a conversão
e o perdão dos seus pecados.
32E disso somos testemunhas, nós e o Espírito Santo,
que Deus concedeu àqueles que lhe obedecem.’
40bEntão mandaram açoitar os apóstolos e
proibiram que eles falassem em nome de Jesus,
e depois os soltaram.
41Os apóstolos saíram do Conselho, muito contentes,
por terem sido considerados dignos de injúrias,
por causa do nome de Jesus.
Palavra do Senhor.

R. Eu vos exalto, ó Senhor, porque vós me livrastes 
 
2Eu vos exalto, ó Senhor, pois me livrastes,*
e não deixastes rir de mim meus inimigos!
4Vós tirastes minha alma dos abismos*
e me salvastes, quando estava já morrendo!R.

5Cantai salmos ao Senhor, povo fiel,*
dai-lhe graças e invocai seu santo nome!
6Pois sua ira dura apenas um momento,*
mas sua bondade permanece a vida inteira;
se à tarde vem o pranto visitar-nos,*
de manhã vem saudar-nos a alegria.R.

11Escutai-me, Senhor Deus, tende piedade!*
Sede, Senhor, o meu abrigo protetor!
12Transformastes o meu pranto em uma festa,*
13bSenhor meu Deus, eternamente hei de louvar-vos!R.

A Igreja é o corpo de Cristo onde se manifesta, na diversidade de membros e de funções, a unidade, a partilha, a solidariedade, o amor, que são inerentes à proposta salvadora que Cristo nos apresentou. A nossa comunidade cristã é, para nós, uma família de irmãos, que vivem em comunhão, que se respeitam e que se amam, ou é o campo onde se enfrentam as invejas e os interesses egoístas e mesquinhos?

Eu, João, vi
11e ouvi a voz de numerosos anjos,
que estavam em volta do trono,
e dos Seres vivos e dos Anciãos.
Eram milhares de milhares, milhões de milhões,
12e proclamavam em alta voz:
‘O Cordeiro imolado é digno de receber
o poder, a riqueza, a sabedoria e a força,
a honra, a glória e o louvor’.
13Ouvi também todas as criaturas
que estão no céu, na terra, debaixo da terra e no mar,
e tudo o que neles existe, e diziam:
‘Ao que está sentado no trono e ao Cordeiro,
o louvor e a honra, a glória e o poder para sempre’.
14Os quatro Seres vivos respondiam: ‘Amém’,
e os Anciãos se prostraram em adoração
daquele que vive para sempre.
Palavra do Senhor.

No Evangelho de Lucas e neste texto em particular, Jesus manifesta de forma bem nítida a consciência de que foi investido do Espírito de Deus e enviado para pôr fim a tudo o que rouba a vida e a dignidade do homem. A nossa civilização, há mais de vinte séculos conhece Cristo e a essência da sua proposta. No entanto, o nosso mundo continua a multiplicar e a refinar as cadeias opressoras. Porque é que a proposta libertadora de Jesus ainda não chegou a todos? Que situações hoje, à minha volta, me parecem mais dramáticas e exigem uma ação imediata?

Naquele tempo:
1Jesus apareceu de novo aos discípulos,
à beira do mar de Tiberíades.
A aparição foi assim:
2Estavam juntos Simão Pedro,
Tomé, chamado Dídimo,
Natanael de Caná da Galiléia,
os filhos de Zebedeu
e outros dois discípulos de Jesus.
3Simão Pedro disse a eles: ‘Eu vou pescar’.
Eles disseram: ‘Também vamos contigo’.
Saíram e entraram na barca,
mas não pescaram nada naquela noite.
4Já tinha amanhecido,
e Jesus estava de pé na margem.
Mas os discípulos não sabiam que era Jesus.
5Então Jesus disse:
‘Moços, tendes alguma coisa para comer?’
Responderam: ‘Não’.
6Jesus disse-lhes:
‘Lançai a rede à direita da barca, e achareis.’
Lançaram pois a rede
e não conseguiam puxá-la para fora,
por causa da quantidade de peixes.
7Então, o discípulo a quem Jesus amava
disse a Pedro: ‘É o Senhor!’
Simão Pedro, ouvindo dizer que era o Senhor,
vestiu sua roupa, pois estava nu,
e atirou-se ao mar.
8Os outros discípulos vieram com a barca,
arrastando a rede com os peixes.
Na verdade, não estavam longe da terra,
mas somente a cerca de cem metros.
9Logo que pisaram a terra,
viram brasas acesas, com peixe em cima, e pão.
10Jesus disse-lhes:
‘Trazei alguns dos peixes que apanhastes’.
11Então Simão Pedro subiu ao barco
e arrastou a rede para a terra.
Estava cheia de cento e cinqüenta e três grandes peixes;
e apesar de tantos peixes, a rede não se rompeu.
12Jesus disse-lhes: ‘Vinde comer’.
Nenhum dos discípulos
se atrevia a perguntar quem era ele,
pois sabiam que era o Senhor.
13Jesus aproximou-se,
tomou o pão e distribuiu-o por eles.
E fez a mesma coisa com o peixe.
14Esta foi a terceira vez que Jesus,
ressuscitado dos mortos,
apareceu aos discípulos.
15Depois de comerem,
Jesus perguntou a Simão Pedro:
‘Simão, filho de João,
tu me amas mais do que estes?’
Pedro respondeu:
‘Sim, Senhor, tu sabes que eu te amo’.
Jesus disse: ‘Apascenta os meus cordeiros’.
16E disse de novo a Pedro:
‘Simão, filho de João, tu me amas?’
Pedro disse: ‘Sim, Senhor, tu sabes que eu te amo’.
Jesus lhe disse: ‘Apascenta as minhas ovelhas’.
17Pela terceira vez, perguntou a Pedro:
‘Simão, filho de João, tu me amas?’
Pedro ficou triste,
porque Jesus perguntou três vezes se ele o amava.
Respondeu: ‘Senhor, tu sabes tudo;
tu sabes que eu te amo’.
Jesus disse-lhe: ‘Apascenta as minhas ovelhas.
18Em verdade, em verdade te digo:
quando eras jovem,
tu te cingias e ias para onde querias.
Quando fores velho,
estenderás as mãos e outro te cingirá
e te levará para onde não queres ir.’
19Jesus disse isso,
significando com que morte Pedro iria glorificar a
Deus. E acrescentou : ‘Segue-me’.
Palavra da Salvação.

Reflexão

LANÇAMENTO DAS REDES

Com a confusão causada pela morte do Mestre, parece que os discípulos se esqueceram daquelas palavras dele:

Enquanto for dia, cumpre-me terminar as obras daquele que me enviou. Virá a noite, na qual já ninguém pode trabalhar. Por isso, enquanto estou no mundo, sou a luz do mundo. (Jo 9, 4-5)

Jesus não está mais lá e, portanto, é “de noite”. Não apenas cronologicamente, mas afetivamente e até “no trabalho“. Quando falta a luz, quando falta a sua presença, a atividade é inútil. Principalmente a atividade pastoral.

Muitas vezes há “noite” em nossas vidas. As causas podem ser muitas: uma crise pessoal, uma fase de desacordo, incompreensão ou rejeição, fracassos, decepções, doenças, sofrimentos de qualquer tipo, quando o trabalho se torna rotineiro ou sem sentido, quando o pessimismo, a depressão nos oprime, o sentimento de solidão…

Por vezes a “noite” é social: podemos ver a polarização na política, o desânimo e o cansaço devido à pandemia, o desespero devido às guerras que não tem fim, a inflação dos preços… E também parece que a noite nos “apanha” a nós cristãos: projetos de trabalho que não prosperam, faltam respostas aos apelos pastorais, cristãos que deixam a Igreja por várias razões, reformas que não conseguem reformar…

Todas deixam uma grande sensação de “vazio”, de medo, de tristeza, porque, como Pedro, continuamos a pescar “como sempre” fizemos, como se nada tivesse acontecido. Recorda certa canção da juventude, em que se dizia:

porque há muitos homens que falam em seu nome, mas não o deixam falar; porque há muitos homens que se reúnem em seu nome… mas não lhe permitem falar”.

Sem a presença e os esforços do Ressuscitado, os esforços são infrutíferos: “Vocês têm peixe? Bem, não!”.

Não é pouca coisa admitir abertamente que não temos peixes, que nos cansamos no vento e nada… (Isaías 49, 1-6). E é significativo que  o Ressuscitado apareça. Isso já aconteceu outras vezes: ele encontra a angústia de Madalena, o desencanto dos peregrinos de Emaús, o medo dos discípulos trancados no cenáculo, as dúvidas de Tomé, a raiva de Saulo… A necessidade e o desconforto abrem as portas para o encontro. Quem se sente pleno, quem obtém resultados de seus esforços… não precisa de nenhum Senhor. Só os pobres, os que choram, os que têm fome e sede, os que precisam de misericórdia, os perseguidos, os que não têm peixe… podem receber uma “visita” do Senhor… que vem “pedindo” . Bem, não temos nada para lhe oferecer, apenas nosso vazio e cansaço.

E então eles recebem suas instruções: “Lançai a rede à direita da barca, e achareis“.

Mas é de dia! Todos “sabem” que a hora de pescar é à noite. Não vale a pena sair para lançar as redes agora… “Os discípulos não sabiam que era Jesus“. No entanto, decidem ouvir as palavras daquele estranho, abrem-se à surpreendente novidade/pedido de ir para o mar “ao amanhecer“… E as redes se enchem de peixes grandes. Ao vê-lo… só o discípulo a quem Jesus amava exclama: “É o Senhor!”. Duas reações diferentes para um mesmo evento. Porém só o amor nos permite interpretar e reconhecer que o resultado foi devido ao Senhor. Felizmente, o bom de Pedro deixa-se iluminar pelo discípulo  amado e atira-se à água. Seguindo as suas instruções, alcançaram resultados maravilhosos… mas acima de tudo encontraram o Senhor.

Ao chegar a terra, Jesus preparou pão e peixe para eles comerem juntos. Mas ele quer contar com o que eles mesmos conseguiram. A comunhão que Jesus procura com os seus discípulos exige também que eles “coloquem um pouco do seu trabalho“, como ocorrem em nossas celebrações eucarísticas: “…e do trabalho dos homens, que recebemos da vossa generosidade e agora vos apresentamos” . O Senhor preparou para nós o fogo, a mesa, o pão e o peixe… e nós lhe damos nosso peixe e nosso trabalho. Só assim é possível a comunhão/Comunhão.

Agradeço-Te, Senhor, porque estás aqui comigo, apesar de muitas vezes não te reconhecer: no meu trabalho diário, quando tudo é brilhante e feliz… mas especialmente no meio das minhas noites e no meio do  meu cansaço.

Apareces Ressuscitado, com a simplicidade e a força do Espírito, pedindo-me qualquer coisa, tão vazio e necessitado como eu!

Mas… eu não faço as coisas à tua maneira, não as faço contigo… mesmo que finja fazê-las em teu nome.

Ainda tenho um longo caminho a percorrer para ser como Pedro, que se atira à água porque te viu… e não pensa em mais nada.

Ainda tenho um longo caminho a percorrer para ser como o discípulo amado, que te descobre à primeira vista, ou como Maria Madalena, que incansavelmente te procura e pergunta a todos até te encontrar, ou como aqueles sete discípulos que tinham vivido ao teu lado, e que lançam de novo as suas redes porque tu o disseste.

Penso que eles sentiram que poderia ser você, mesmo que ainda não o reconhecessem, porque não se ouve um estranho que pede coisas novas e surpreendentes.

Mas se o diz, irei pescar ao amanhecer e lançarei as minhas redes como e onde quiseres.

Senhor: Dá-me olhos para “VER” os teus sinais e interpretá-los: 

os sinais dos tempos, 
os vestígios da vossa misteriosa passagem pelos meus lagos,
e na criação: a água, o fogo, a luz, a paz, 
o pão, o peixe e o trabalho partilhado na Eucaristia, 
a vida generosamente oferecida generosamente, 
o coração libertado das portas e das fechaduras, 
o silêncio e a perseverança dos meus irmãos consagrados, 
seu apelo permanente aos mais pobres,   
a Comunidade que nasce do Evangelho e exala o aroma do Ressuscitado,
aqueles que ouvem e obedecem a vossa voz ressuscitada quando clamas “vem e segue-me“,
os enfermos que creem contra toda a esperança,
a cura e a recriação do perdão, 
aqueles que estão dispostos a viver uma vida diferente, com sentido, dando a si mesmos…

E melhor ainda se me fizer um sinal humilde da Vida que tu repartes…
Tu, Senhor, sabes tudo. Sabes que eu te amo.
E sei o que tu espera de mim: pastorear as suas ovelhas.

Texto: Quique Martínez de la Lama-Noriega, cmf
Fonte: Ciudad Redonda