Jesus ressuscitou verdadeiramente? Como é que podemos fazer uma experiência de encontro com Jesus ressuscitado? Como é que podemos mostrar ao mundo que Jesus está vivo e continua a oferecer aos homens a salvação? É, fundamentalmente, a estas questões que a liturgia do III Domingo da Páscoa procura responder.
O Evangelho (Lc 24,35-48) assegura-nos que Jesus está vivo e continua a ser o centro à volta do qual se constrói a comunidade dos discípulos. É precisamente nesse contexto eclesial – no encontro comunitário, no diálogo com os irmãos que partilham a mesma fé, na escuta comunitária da Palavra de Deus, no amor partilhado em gestos de fraternidade e de serviço – que os discípulos podem fazer a experiência do encontro com Jesus ressuscitado. Depois desse “encontro”, os discípulos são convidados a dar testemunho de Jesus diante dos outros homens e mulheres.
A primeira leitura (At 3,13-15.17-19) apresenta-nos, precisamente, o testemunho dos discípulos sobre Jesus. Depois de terem mostrado, em gestos concretos, que Jesus está vivo e continua a oferecer aos homens a salvação, Pedro e João convidam os seus interlocutores a acolherem a proposta de vida que Jesus lhes faz.
A segunda leitura (1Jo 2,1-5a) lembra que o cristão, depois de encontrar Jesus e de aceitar a vida que Ele oferece, tem de viver de forma coerente com o compromisso que assumiu. Essa coerência deve manifestar-se no reconhecimento da debilidade e da fragilidade que fazem parte da realidade humana e num esforço de fidelidade aos mandamentos de Deus.
Leituras
Naqueles dias,
Pedro se dirigiu ao povo, dizendo:
13O Deus de Abraão, de Isaac, de Jacó,
o Deus de nossos antepassados
glorificou o seu servo Jesus.
Vós o entregastes e o rejeitastes diante de Pilatos,
que estava decidido a soltá-lo.
14Vós rejeitastes o Santo e o Justo,
e pedistes a libertação para um assassino.
15Vós matastes o autor da vida,
mas Deus o ressuscitou dos mortos,
e disso nós somos testemunhas.
17E agora, meus irmãos,
eu sei que vós agistes por ignorância,
assim como vossos chefes.
18Deus, porém, cumpriu desse modo
o que havia anunciado pela boca de todos os profetas:
que o seu Cristo haveria de sofrer.
19Arrependei-vos, portanto, e convertei-vos,
para que vossos pecados sejam perdoados.
Palavra do Senhor.
R. Sobre nós fazei brilhar o esplendor de vossa face!
2Quando eu chamo, respondei-me*
ó meu Deus, minha justiça!
Vós que soubestes aliviar-me nos momentos de aflição,
atendei-me por piedade e escutai minha oração!R.
4Compreendei que nosso Deus*
faz maravilhas por seu servo,
e que o Senhor me ouvirá*
quando lhe faço a minha prece!R.
7Muitos há que se perguntam:*
‘Quem nos dá felicidade?’
Sobre nós fazei brilhar*
o esplendor de vossa face!R.
9Eu tranqüilo vou deitar-me*
e na paz logo adormeço,
pois só vós, ó Senhor Deus,*
dais segurança à minha vida!R
1Meus filhinhos,
escrevo isto para que não pequeis.
No entanto, se alguém pecar,
temos junto do Pai um Defensor:
Jesus Cristo, o Justo.
2Ele é a vítima de expiação pelos nossos pecados,
e não só pelos nossos,
mas também pelos pecados do mundo inteiro.
3Para saber que o conhecemos,
vejamos se guardamos os seus mandamentos.
4Quem diz: ‘Eu conheço a Deus’,
mas não guarda os seus mandamentos,
é mentiroso, e a verdade não está nele.
5aNaquele, porém, que guarda a sua palavra,
o amor de Deus é plenamente realizado.
Palavra do Senhor.
Naquele tempo:
35Os dois discípulos contaram
o que tinha acontecido no caminho,
e como tinham reconhecido Jesus ao partir o pão.
36Ainda estavam falando,
quando o próprio Jesus apareceu no meio deles
e lhes disse:
‘A paz esteja convosco!’
37Eles ficaram assustados e cheios de medo,
pensando que estavam vendo um fantasma.
38Mas Jesus disse: ‘Por que estais preocupados,
e porque tendes dúvidas no coração?
39Vede minhas mãos e meus pés: sou eu mesmo!
Tocai em mim e vede!
Um fantasma não tem carne, nem ossos,
como estais vendo que eu tenho’.
40E dizendo isso, Jesus mostrou-lhes as mãos e os pés.
41Mas eles ainda não podiam acreditar,
porque estavam muito alegres e surpresos.
Então Jesus disse:
‘Tendes aqui alguma coisa para comer?’
42Deram-lhe um pedaço de peixe assado.
43Ele o tomou e comeu diante deles.
44Depois disse-lhes:
‘São estas as coisas que vos falei
quando ainda estava convosco:
era preciso que se cumprisse tudo
o que está escrito sobre mim
na Lei de Moisés, nos Profetas e nos Salmos’.
45Então Jesus abriu a inteligência dos discípulos
para entenderem as Escrituras,
46e lhes disse: ‘Assim está escrito:
O Cristo sofrerá
e ressuscitará dos mortos ao terceiro dia
47e no seu nome, serão anunciados
a conversão e o perdão dos pecados
a todas as nações, começando por Jerusalém.
48Vós sereis testemunhas de tudo isso’.
Palavra da Salvação.
Fonte: Liturgia Diária – CNBB
Reflexão
POR QUE VOCÊ TEM ESSAS DÚVIDAS EM SEU CORAÇÃO?
O texto do Evangelho deste domingo apresenta os discípulos cheios de dúvidas, diante da repentina presença de Jesus ressuscitado. Mas Jesus disse-lhes: “Por que tendes medo? Por que tendes essas dúvidas nos vossos corações? Mostrou-lhes as suas mãos e pés. Mas eles ainda não acreditaram…“. Jesus parece estar espantado com a reação dos seus amigos.
Diante dessa pergunta de Jesus, muitos homens e mulheres de hoje apresentariam uma longa lista de motivos para duvidar, para não terminar de crer. A situação de saúde que vivemos tem ajudado alguns a aprofundar, retomar, fortalecer e renovar a fé. Mas também se multiplicaram os irmãos que ficaram com dúvidas, ou dizem que estão perdendo a fé, por causa da confusão pela falta de resposta de Deus, ou porque se afastaram temporariamente da prática religiosa… e não sabem como para recuperá-la, e até… se eles realmente precisarem dela para alguma coisa.
Certamente os tempos de “crer as cegas” acabaram. O fato de a razão e a ciência terem sido colocadas num trono, e a fé já não serem (se é que alguma vez foi) algo generalizado no ambiente social, e mesmo aqueles que se dizem crentes são vistos com desconfiança, suspeição e até rejeição… A confusão das práticas religiosas e tradições sociais com a fé autêntica… têm tornado mais difícil ser crentes.
O ceticismo, a descrença, a desconfiança, as dúvidas sobre a “identidade” daquele que lhes apareceu, são traços da lenta e cansativa viagem que levaria os apóstolos à fé. A realidade da ressurreição pareceu-lhes demasiado bela para ser verdadeira. Por vezes os apóstolos tinham a impressão de ter diante de si um fantasma; outras vezes, como no lago de Tiberíades, não “reconheciam” no Ressuscitado o Mestre que tinham seguido ao longo das estradas da Palestina. Ou aqueles dois de Emaús no Evangelho de hoje, que não se aperceberam quem era aquele peregrino até a Fração do Pão. Mesmo depois da sua última manifestação antes da Ascensão numa montanha na Galileia – diz-nos o Evangelista Mateus – “alguns duvidaram” (Mt 28,17).
As suas dúvidas, persistentes mesmo depois de tantos sinais dados pelo Senhor, provam, antes de qualquer coisa, que os apóstolos não eram ingênuos. Também mostram que a fé não é uma simples rendição às provas, uma vez que o Senhor não quer “impor-se“, mas que é uma resposta livre a um apelo. Há razões respeitáveis para rejeitá-la, e o fato de existirem incrédulos prova que Deus age de uma forma muito discreta, que respeita a liberdade humana.
Portanto, a primeira coisa que podemos dizer é que A FÉ NUNCA É UMA CERTEZA ABSOLUTA. Que o normal é ter dúvidas. Ninguém que realmente se arriscou a acreditar pode dizer que nunca se surpreendeu com as dúvidas diante das verdades que ele confessa e que fizeram parte de sua vida. À medida que avançamos na vida e acumulamos experiências, surgem algumas dúvidas e outras. A biografia de grandes crentes em nossa história nos mostra isso. Recordemos como São João da Cruz falou da “noite escura da alma“. Ou como Madre Teresa de Calcutá confessou ter tido dúvidas terríveis por muitos anos. Ou Unamuno (entre tantos outros) numa luta permanente entre crer e não crer, que partiu como seu epitáfio: “Põe-me Pai Eterno, no teu peito, casa misteriosa, aí dormirei, porque me desfiz da dura luta. Só peço a Deus que tenha misericórdia da alma desse ateu”.
AS DÚVIDAS NÃO PODEM SER CONFUNDIDAS COM FALTA DE FÉ. Nos acompanham e a empurram para amadurecer e buscar. Somente aqueles que duvidam avançam. Não é raro que o problema esteja em nossas falsas idéias e expectativas sobre Deus. Como os de Emaús, “esperávamos, acreditávamos…” e acontece que as coisas deram em nada.
Em segundo: nem todas as dúvidas têm o mesmo peso. Existem dúvidas sobre aspectos centrais e essenciais da fé e outros que não o são. Por exemplo: duvidar da ressurreição do Senhor, de que Ele está vivo em nosso meio, ou de sua presença na Eucaristia, e as verdades contidas no Credo são questões fundamentais… Mas não é incomum que o problema esteja mais nas explicações que nos deram ou na linguagem utilizada… que já não são válidas para nós. Há cristãos que afirmam que a catequese que receberam na infância, ou as explicações mais ou menos precisas das homilias, ou de um determinado sacerdote ou catequista… devem ser válidas para eles para sempre e para tudo. E também para dizer que não são poucos os que confundem as suas dúvidas sobre a Igreja, a moral ou certas tradições… com a sua própria fé.
Gostaria de recolher apenas algumas pistas simples que podemos retirar de Lucas:
- “Fale sobre essas coisas.” Jesus aparece quando seus discípulos estão contando uns aos outros suas experiências (essas coisas), não suas idéias. Compartilham, expressam, dialogam, contrastam, refletem e interpretam o que lhes aconteceu, o que não entendem. Eles procuram juntos. A fé cristã é comunitária. E nestes tempos é muito conveniente procurar alguém com experiência para nos acompanhar nos nossos caminhos de fé.
- A paz do Ressuscitado. Quando as coisas se confundem, quando há medos, quando perdemos as nossas referências… a presença do Ressuscitado acalma (embora também nos possa deixar “inquietos”). É um sinal de que ele anda no meio de nós e nos permite identificá-lo. Gosto de dizer que “Deus não tira as castanhas do fogo” (como esperavam os dois da Emaús e tantos outros), mas sim “ajuda-nos a não nos queimar com as castanhas”, a enfrentar as dificuldades sem cair. Portanto, é necessário recorrer a ele para pedir a paz, a serenidade e a luz de que necessitamos. Os SACRAMENTOS são meios especialmente favoráveis para encontrar luz, força e paz.
- Jesus gosta de estar presente no nosso cotidiano. “Você tem algo para comer lá?” Eles lhe ofereceram um pedaço de peixe assado. Muitas vezes a nossa oração não tenta descobrir Jesus ou convidá-lo para o nosso quotidiano: comer, trabalhar, partilhar, amizade e diálogo… A oração e o quotidiano muitas vezes passam por canais diferentes. É por isso que ele convida os discípulos a irem para a Galiléia (onde eles compartilhavam a vida): “lá me vereis”.
- Compreender as Escrituras. Lucas insiste que não podemos “entender” Jesus se não conhecermos as Escrituras. Não é apenas uma questão (embora também ajude) ter um conhecimento mínimo de sua leitura e interpretação (esta é uma tarefa pendente para muitos cristãos). Mas aprender a relacionar o que vivemos com a Palavra escrita. Aquilo que um Salmo diz tão lindamente: “Lâmpada é a tua palavra, Senhor, para os meus passos, luz no meu caminho.“
Muitos de nós teremos que continuar a acreditar tateando, entre as dúvidas e as buscas permanentes, mas sem ter medo ou fugir delas. E, no mínimo, clamaremos como aquele pai que pediu a cura do filho: “Eu creio, Senhor, mas aumenta a minha fé!” (Mc 9,24).
Texto: QUIQUE MARTÍNEZ DE LA LAMA-NORIEGA, cmf
Imagem: PIXABAY
Fonte: CIUDAD REDONDA (Missionários Claretianos)