II DOMINGO DA PÁSCOA (ANO C)

A PALAVRA

A liturgia deste II Domingo de Páscoa põe em relevo o papel da comunidade cristã como espaço privilegiado de encontro com Jesus ressuscitado. 

Também neste domingo e celebrada a Festa da Divina Misericórdia para toda a Igreja, festa instituída pelo Papa São João Paulo em 30 de abril do ano 2000.

O Evangelho (Jo 20,19-31) sublinha a ideia de que Jesus vivo e ressuscitado é o centro da comunidade cristã; é à volta d’Ele que a comunidade se estrutura e é d’Ele que ela recebe a vida que a anima e que lhe permite enfrentar as dificuldades e as perseguições. Por outro lado, é na vida da comunidade (na sua liturgia, no seu amor, no seu testemunho) que os homens encontram as provas de que Jesus está vivo.

A segunda leitura (Jo 1,9-11a.12-13.17-19) insiste no motivo da centralidade de Jesus como referência fundamental da comunidade cristã: apresenta-O a caminhar lado a lado com a sua Igreja nos caminhos da história e sugere que é n’Ele que a comunidade encontra a força para caminhar e para vencer as forças que se opõem à vida nova de Deus.

A primeira leitura (At 5,12-16) sugere que a comunidade cristã continua no mundo a missão salvadora e libertadora de Jesus; e quando ela é capaz de fazê-lo, está dando testemunho desse Cristo vivo que continua a apresentar uma proposta de redenção para os homens.

Fonte: Congregação dos Sacerdotes do Coração de Jesus

Leituras

A comunidade cristã tem de ser, fundamentalmente, uma comunidade que testemunha Cristo ressuscitado. Se formarmos uma família de irmãos “unidos pelos mesmos sentimentos”, solidários uns com os outros, capazes de partilhar, estaremos anunciando esse mundo novo que Jesus propôs e a interpelar os nossos conterrâneos. É isso que acontece habitualmente com o testemunho das nossas comunidades? O que nos falta para sermos – como a comunidade primitiva – uma comunidade
que testemunha Jesus ressuscitado?

12Muitos sinais e maravilhas
eram realizados entre o povo pelas mãos dos apóstolos.
Todos os fiéis se reuniam, com muita união,
no Pórtico de Salomão,
13Nenhum dos outros ousava juntar-se a eles,
mas o povo estimava-os muito.
14Crescia sempre mais
o número dos que aderiam ao Senhor pela fé;
era uma multidão de homens e mulheres.
15Chegavam a transportar para as praças os doentes
em camas e macas,
a fim de que, quando Pedro passasse,
pelo menos a sua sombra tocasse alguns deles.
16A multidão vinha até das cidades vizinhas de Jerusalém,
trazendo doentes
e pessoas atormentadas por maus espíritos.
E todos eram curados.
Palavra do Senhor.

R.Dai graças ao Senhor, porque Ele é bom!
‘Eterna é a sua misericórdia!’
 
2A casa de Israel agora o diga:*
‘Eterna é a sua misericórdia!’
3A casa de Aarão agora o diga:*
‘Eterna é a sua misericórdia!’
4Os que temem o Senhor agora o digam:*
‘Eterna é a sua misericórdia!’R.

22‘A pedra que os pedreiros rejeitaram,*
tornou-se agora a pedra angular.
23Pelo Senhor é que foi feito tudo isso:*
Que maravilhas ele fez a nossos olhos!
24Este é o dia que o Senhor fez para nós,*
alegremo-nos e nele exultemos!R.

25Â Senhor, dai-nos a vossa salvação,*
ó Senhor, dai-nos também prosperidade!’
26Bendito seja, em nome do Senhor,*
aquele que em seus átrios vai entrando!
Desta casa do Senhor vos bendizemos.*
27Que o Senhor e nosso Deus nos ilumine!R.

Os homens de hoje, apesar de todas as descobertas e conquistas, têm, muitas vezes, uma perspectiva pessimista que lhes envenena o coração e a existência. Se a esperança está em crise, nós, testemunhas do ressuscitado, temos uma proposta de novidade e de salvação a apresentar ao mundo. Sentimo-nos profetas, enviados – como João – a anunciar uma mensagem de esperança, a dar testemunho de Jesus ressuscitado e a dizer que esse mundo novo já está a fazer-se?

9Eu, João,
vosso irmão e companheiro na tribulação,
e também no reino e na perseverança em Jesus,
fui levado à ilha de Patmos,
por causa da Palavra de Deus
e do testemunho que eu dava de Jesus.
10No dia do Senhor,
fui arrebatado pelo Espírito
e ouvi atrás de mim uma voz forte,
como de trombeta,
11aa qual dizia:
‘O que vais ver, escreve-o num livro.
12Então voltei-me
para ver quem estava falando;
e ao voltar-me,
vi sete candelabros de ouro.
13No meio dos candelabros
havia alguém semelhante a um ‘filho de homem’,
vestido com uma túnica comprida
e com uma faixa de ouro em volta do peito.
17Ao vê-lo, caí como morto a seus pés,
mas ele colocou sobre mim sua mão direita e disse:
‘Não tenhas medo.
Eu sou o Primeiro e o Último,
18aquele que vive.
Estive morto,
mas agora estou vivo para sempre.
Eu tenho a chave da morte e da região dos mortos.
19Escreve pois o que viste,
aquilo que está acontecendo
e que vai acontecer depois.
Palavra do Senhor.

A comunidade cristã gira em torno de Jesus, e é d’Ele que recebe vida, amor e paz. Sem Jesus, estaremos secos e estéreis, incapazes de encontrar a vida em plenitude; sem Ele, seremos um rebanho de gente assustada, incapaz de enfrentar o mundo e de ter uma atitude construtiva e transformadora; sem Ele, estaremos divididos, em conflito e não seremos uma comunidade de irmãos… Na nossa comunidade,
Cristo é verdadeiramente o centro?
É para Ele que tudo tende e é d’Ele que tudo parte?

19Ao anoitecer daquele dia, o primeiro da semana,
estando fechadas, por medo dos judeus,
as portas do lugar onde os discípulos se encontravam,
Jesus entrou e pondo-se no meio deles,
disse: ‘A paz esteja convosco’.
20Depois destas palavras,
mostrou-lhes as mãos e o lado.
Então os discípulos se alegraram
por verem o Senhor.
21Novamente, Jesus disse: ‘A paz esteja convosco.
Como o Pai me enviou, também eu vos envio’.
22E depois de ter dito isto,
soprou sobre eles e disse: ‘Recebei o Espírito Santo.
23A quem perdoardes os pecados
eles lhes serão perdoados;
a quem os não perdoardes, eles lhes serão retidos’.
24Tomé, chamado Dídimo, que era um dos doze,
não estava com eles quando Jesus veio.
25Os outros discípulos contaram-lhe depois:
‘Vimos o Senhor!’. Mas Tomé disse-lhes:
‘Se eu não vir a marca dos pregos em suas mãos,
se eu não puser o dedo nas marcas dos pregos
e não puser a mão no seu lado, não acreditarei’.
26Oito dias depois, encontravam-se os discípulos
novamente reunidos em casa, e Tomé estava com eles.
Estando fechadas as portas, Jesus entrou,
pôs-se no meio deles e disse: ‘A paz esteja convosco’.
27Depois disse a Tomé:
‘Põe o teu dedo aqui e olha as minhas mãos.
Estende a tua mão e coloca-a no meu lado.
E não sejas incrédulo, mas fiel’.
28Tomé respondeu: ‘Meu Senhor e meu Deus!’
29Jesus lhe disse: ‘Acreditaste, porque me viste?
Bem-aventurados os que creram sem terem visto!’
30Jesus realizou muitos outros sinais
diante dos discípulos,
que não estão escritos neste livro.
31Mas estes foram escritos para que acrediteis que
Jesus é o Cristo, o Filho de Deus,
e para que, crendo, tenhais a vida em seu nome.
Palavra da Salvação.

Reflexão

A RESSURREIÇÃO DOS APÓSTOLOS

Na Sexta-feira Santa, o Senhor morreu. Foi a primeira vez, sua verdadeira morte. E sempre que o Senhor morre é sempre Sexta-feira Santa, mesmo que estejamos em qualquer outra tempo litúrgico. Não é incomum que isto aconteça. Acontece que conhecemos o Senhor, que ouvimos muitas vezes a sua Palavra, que partilhamos a mesa eucarística, que falamos com Ele em nossas orações, que tentamos andar de mãos dadas com Ele… E, sem saber por que, surgem dificuldades, “eles levaram o Senhor“, não sabemos onde o puseram, ou nós próprios deixamos o Seu lado… E ficamos sem Ele! E nós ficamos sem ele! Ele morre! Ou o matamos!

As leituras deste domingo nos ajudam a refletir que na Sexta-feira Santa não só morreu o Filho de Deus: também a Comunidade dos Discípulos foi mortalmente ferida. Quando o Senhor não está… não sabemos como fazer nada a não ser ficar na defensiva e ansiar. Assim nos diz o evangelista:

ERA O ANOITECER DAQUELE DIA.
Quando é noite, sentimos mais frio, solidão e medo. Qualquer pessoa doente num hospital poderia falar-nos sobre isso. Mas a noite estava acima de tudo “DENTRO” dos discípulos: perplexidade total! E o que fazemos agora, se o Senhor já NÃO ESTÁ CONOSCO?

Pedro estava cansado de chorar por não ter sabido cumprir a sua palavra de fidelidade, por não ter permanecido perto do Senhor mesmo que lhe custasse a vida. Diante das perguntas de um criado desconhecido em um pátio, ele se encolheu e sentiu medo e se distanciou do Mestre.

Os outros discípulos também fugiram, como ovelhas sem pastor. As suas consciências também os incomodavam: aquele simples e último pedido do Mestre no Horto das Oliveiras: “Vigiai e rezai comigo“. Adormeceram e não o acompanharam em sua oração angustiada. E quando vieram buscá-lo, ficaram desconcertados: não ofereceu a menor resistência, nem permitiu que o defendessem dos soldados. Nada: Nem um milagre. Nem uma palavra de protesto, nem uma maldição… Por que ele não fez algo? Que decepção!

Também acontece conosco. O Senhor sabe por experiência e nos adverte o que é importante: ORE PARA NÃO CAIR EM TENTAÇÃO. Tanto que o incluiu no Pai Nosso, que repetimos tantas vezes… Mas somos frequentemente ultrapassados pelo cansaço, a relutância, o ritmo louco da vida que levamos… e acabamos por falhar, a noite vem sobre nós, e dentro de nós. Nos propomos sinceramente permanecer fiéis ao Senhor, testemunhar que pertencemos a Ele, arriscar as nossas vidas se necessário… até que a ocasião surja e… Não sei do que falas! Não te conheço! Não, já não te conheço! Cometemos um erro, uma traição, um pecado… e caímos sem remédio. Ou ficamos desapontados quando esperamos por aquela intervenção milagrosa do Senhor… que não chega. Gostaríamos que ele nos desse um sinal, para vermos que é poderoso, que resolve os nossos problemas… E não. Vários estudos dizem que esta pandemia provocou um aumento do número de incrédulos e agnósticos. O fato é que acabamos confusos ou desencantados ou desencorajados tanto como os Onze.

OS DISCÍPULOS EM UMA CASA DE PORTAS FECHADAS.
Essa coisa de nos fechaduras é muito importante para nós. E sobre nos trancar também. Quando as coisas pioram, ao invés de buscar soluções… nos fechamos para chorar, lamentar, buscar culpados… nos isolamos de todos. E trancamos portas e janelas internas, e tentamos engolir tudo sozinhos. Que ninguém entre! E a tristeza e o medo nos cercam. Não os judeus, é claro, mas à sociedade e as pessoas à nossa volta: Medo ou vergonha de que saibam que sou crente, ou que não fui fiel, ou de compartilhar minha fé com outros irmãos, com minha família, com meu parceiro… É difícil para nós pedir ajuda a Deus e aos outros… Meu relacionamento com Deus se desvanece facilmente e a distância com os outros cresce. Restam apenas algumas lembranças, arrependimentos, tristezas…

Pois bem, em tais circunstâncias o Ressuscitado aparece, e “SE COLOCA NO MEIO“, que é onde gosta de estar, e onde deveria estar. É iniciativa dele “aparecer” quando andamos assim. Também hoje, neste domingo, neste Templo, na nossa celebração. E o faz com todo o poder de sua Palavra e de seu Espírito, e nos oferece uma série de palavras para nos permear e transformar:

  • Primeiro: A paz esteja convosco! Duas vezes ele repete: A paz esteja convosco! Como o Senhor sabe o que precisamos. Talvez precisemos que nos diga mais vezes. Em todo o caso, acolhamos esta paz, deixemos que esta palavra alcance até o último espaço de nossas preocupações, do nosso coração. Só Ele nos pode dar paz. PAZ! E as nossas tensões, ansiedades e preocupações serão acalmadas e dissolvidas. Sempre que rezamos, é a primeira palavra que o Senhor nos dirige: PAZ!. Quando nos reunimos em comunidade: PAZ! Quando estamos perturbados: PAZ! Repete-a e mastigue,  deixe Ele agir e  transformar-te.
  • Segundo: Alegrai-vos. Tudo tem uma saída. Deus está ao nosso lado. E, mesmo que tenhamos que sofrer um pouco em várias provas, a última palavra quem dá é o Senhor. A escuridão, o fracasso, a injustiça, o pecado, a morte… não têm a última palavra. Podemos viver tudo isso com esperança e confiança. A alegria profunda é um sinal distintivo do cristão que encontrou o Senhor. Como o vidente de Patmos (segunda leitura), ele põe sua mão direita sobre mim, dizendo-me: “NÃO TENHAS MEDO; Eu sou o Primeiro e o Último, aquele que vive. Estive morto, mas agora estou vivo para sempre”.
  • Terceiro: Como o Pai me enviou, eu vos envio. Que responsabilidade! Acontece que depois de nossos fracassos, traições, medos… o Senhor nos “retribui” abrindo portas e janelas, e nos fazendo sair de nossos confinamentos e seguranças. AONDE, PARA QUÊ? Para fazer a mesma coisa que Ele fez. Somos enviados da mesma forma que o Pai o enviou. Devemos continuar a dar a conhecer e a apresentar o Deus da vida, o Deus dos pobres, o Deus do Amor. E como Jesus levou a sério a missão dada pelo seu Pai, com lágrimas e sangue, porque nós, homens, precisávamos… hoje Ele confia e espera o mesmo de nós.
  • Quarto: Receba o Espírito Santo. Vamos celebrá-lo mais lentamente no dia de Pentecostes. Mas o Espírito Santo não veio só naquele dia, nem só no Batismo ou na Confirmação… Sempre que erramos, sempre que temos uma missão confiada a nós, sempre que o Senhor nos encontra em nossa fragilidade ferida, Ele nos dá seu Espírito Santo, que é a Força que lhe permitiu ser testemunha do Pai desde o dia do seu Batismo, e vencer a noite da entrega e da cruz, que o tirou do sepulcro e o mantém vivo até hoje… É também a Nossa força!
  • Por último: a quem perdoais os pecados… Se o Senhor se apresenta aos seus discípulos, se o Senhor nos visita nas nossas celebrações, se nos permite ir à sua mesa mesmo que não sejamos dignos, se conta conosco para que continuemos fazendo presente seu Evangelho e estendendo o Reino… é porque Ele nos perdoou tudo. Estás perdoado! Apesar de tudo… estás perdoado. Perdoado para perdoar! Reconciliados para reconciliar.

Talvez você esteja pensando que não sente aquela paz do Senhor, que não experimenta sua alegria profunda, que não tenha certeza de ter sido perdoado, que a força do Espírito Santo não chega até você… olhe para Tomé e seja paciente. Sua vez vai chegar. Enquanto isso, confie, acredite, e se aproxime de quem já “viu”,  espere e ore…

Texto: Quique Martínez de la Lama-Noriega, cmf
Fonte: Ciudad Redonda