DOMINGO DE RAMOS DA PAIXÃO DO SENHOR (ANO C)

A PALAVRA

A liturgia do DOMINGO DE RAMOS DA PAIXÃO DO SENHOR convida-nos a contemplar esse Deus que, por amor, desceu ao nosso encontro, partilhou a nossa humanidade, fez-Se servo dos homens, deixou-Se matar para que o egoísmo e o pecado fossem vencidos. A cruz (que a liturgia deste domingo coloca no horizonte próximo de Jesus) apresenta-nos a lição suprema, o último passo desse caminho de vida nova que, em Jesus, Deus nos propõe: a doação da vida por amor.

A primeira leitura (Is 50,4-7) apresenta-nos um profeta anónimo, chamado por Deus a testemunhar no meio das nações a Palavra da salvação. Apesar do sofrimento e da perseguição, o profeta confiou em Deus e concretizou, com teimosa fidelidade, os projetos de Deus. Os primeiros cristãos viram neste “servo” a figura de Jesus.

A segunda leitura (Fl 2,6-11) apresenta-nos o exemplo de Cristo. Ele prescindiu do orgulho e da arrogância, para escolher a obediência ao Pai e o serviço aos homens, até ao dom da vida. É esse mesmo caminho de vida que a Palavra de Deus nos propõe.

O Evangelho (Lc 22,14-23,56) convida-nos a contemplar a paixão e morte de Jesus: é o momento supremo de uma vida feita dom e serviço, a fim de libertar os homens de tudo aquilo que gera egoísmo e escravidão. Na cruz revela-se o amor de Deus, esse amor que não guarda nada para si, mas que se faz dom total.

Fonte: Congregação dos Sacerdotes do Coração de Jesus

Leituras

Bendito o que vem em nome do Senhor.
Naquele tempo:
28Jesus caminhava à frente dos discípulos,
subindo para Jerusalém.
29Quando se aproximou de Betfagé e Betânia,
perto do monte chamado das Oliveiras,
enviou dois de seus discípulos, dizendo:
30‘Ide ao povoado ali na frente.
Logo na entrada encontrareis um jumentinho amarrado,
que nunca foi montado.
Desamarrai-o e trazei-o aqui.
31Se alguém, por acaso, vos perguntar:
‘Por que desamarrais o jumentinho?’,
respondereis assim: ‘O Senhor precisa dele’.’
32Os enviados partiram e encontraram tudo
exatamente como Jesus lhes havia dito.
33Quando desamarravam o jumentinho,
os donos perguntaram:
‘Por que estais desamarrando o jumentinho?’
34Eles responderam: ‘O Senhor precisa dele.’
35E levaram o jumentinho a Jesus.
Então puseram seus mantos sobre o animal
e ajudaram Jesus a montar.
36E enquanto Jesus passava,
o povo ia estendendo suas roupas no caminho.
37Quando chegou perto da descida do monte das Oliveiras,
a multidão dos discípulos,
aos gritos e cheia de alegria,
começou a louvar a Deus
por todos os milagres que tinha visto.
38Todos gritavam:
‘Bendito o Rei, que vem em nome do Senhor!
Paz no céu e glória nas alturas!’
39Do meio da multidão, alguns dos fariseus
disseram a Jesus:
‘Mestre, repreende teus discípulos!’
40Jesus, porém, respondeu: ‘Eu vos declaro:
se eles se calarem, as pedras gritarão.’
Palavra da Salvação.

Não sabemos, efetivamente, quem é este “servo”; no entanto, os primeiros cristãos vão utilizar este texto como suporte para interpretar o mistério de Jesus: Ele é a Palavra de Deus feita carne, que oferece a sua vida para trazer a libertação/salvação aos homens… A vida de Jesus realiza plenamente esse destino de dom e de entrega da vida em favor de todos; e a sua glorificação mostra que uma vida vivida deste jeito não termina no fracasso, mas na ressurreição que gera vida nova.

4O Senhor Deus deu-me língua adestrada,
para que eu saiba dizer
palavras de conforto à pessoa abatida;
ele me desperta cada manhã e me excita o ouvido,
para prestar atenção como um discípulo.
5O Senhor abriu-me os ouvidos;
não lhe resisti nem voltei atrás.
6Ofereci as costas para me baterem e
as faces para me arrancarem a barba;
não desviei o rosto de bofetões e cusparadas.
7Mas o Senhor Deus é meu Auxiliador,
por isso não me deixei abater o ânimo,
conservei o rosto impassível como pedra,
porque sei que não sairei humilhado.
Palavra do Senhor.

R. Meu Deus, meu Deus, por que me abandonastes?

8Riem de mim todos aqueles que me vêem,*
torcem os lábios e sacodem a cabeça:
9‘Ao Senhor se confiou, ele o liberte*
e agora o salve, se é verdade que ele o ama!’R.

17Cães numerosos me rodeiam furiosos,*
e por um bando de malvados fui cercado.
Transpassaram minhas mãos e os meus pés
18e eu posso contar todos os meus ossos.*
Eis que me olham e, ao ver-me, se deleitam! R.

19Eles repartem entre si as minhas vestes*
e sorteiam entre si a minha túnica.
20Vós, porém, ó meu Senhor, não fiqueis longe,*
ó minha força, vinde logo em meu socorro! R.

23Anunciarei o vosso nome a meus irmãos*
e no meio da assembléia hei de louvar-vos!
24Vós que temeis ao Senhor Deus, dai-lhe louvores,
glorificai-o, descendentes de Jacó,*
e respeitai-o toda a raça de Israel!R.

Os valores que marcaram a existência de Cristo continuam a não ser demasiado apreciados em muitos dos nossos ambientes contemporâneos. De acordo com os critérios que presidem ao nosso mundo, os grandes “ganhadores” não são os que põem a sua vida ao serviço dos outros, com humildade e simplicidade, mas são os que enfrentam o mundo com agressividade, com autossuficiência e fazem por serem os melhores, mesmo que isso signifique não olhar a meios para passar à frente dos outros. Como pode um cristão (obrigado a viver inserido neste mundo e a ser competitivo) conviver com estes valores?

Celebrar a paixão e morte de Jesus é abismar-se na contemplação de um Deus a quem o amor tornou frágil… Por amor, Ele veio ao nosso encontro, assumiu os nossos limites, experimentou a fome, o sono, o cansaço, conheceu a mordedura das tentações, tremeu perante a morte, suou sangue antes de aceitar a vontade do Pai; e, estendido no chão, esmagado contra a terra, atraiçoado, abandonado, incompreendido, continuou a amar. Desse amor resultou vida plena, que Ele quis repartir conosco “até ao fim dos tempos”: esta é a mais espantosa história de amor que é possível contar; ela é a boa notícia que enche de alegria o coração dos crentes.

Naquele tempo:
1Toda a multidão se levantou
e levou Jesus a Pilatos.
Não encontro neste homem nenhum crime.
2Começaram então a acusá-lo, dizendo:
‘Achamos este homem
fazendo subversão entre o nosso povo,
proibindo pagar impostos a César
e afirmando ser ele mesmo Cristo, o Rei.’
3Pilatos o interrogou: ‘Tu és o rei dos judeus?’
Jesus respondeu, declarando: ‘Tu o dizes!’
4Então Pilatos disse aos sumos sacerdotes e à multidóo:
‘Não encontro neste homem nenhum crime.’
5Eles, porém, insistiam: ‘Ele agita o povo,
ensinando por toda a Judéia,
desde a Galiléia, onde começou, até aqui.’
6Quando ouviu isto, Pilatos perguntou:
‘Este homem é galileu?’
7Ao saber que Jesus estava sob a autoridade de Herodes,
Pilatos enviou-o a este,
pois também Herodes estava em Jerusalém naqueles dias.
Herodes, com seus soldados, tratou Jesus com desprezo.
8Herodes ficou muito contente ao ver Jesus,
pois havia muito tempo desejava vê-lo.
Já ouvira falar a seu respeito
e esperava vê-lo fazer algum milagre.
9Ele interrogou-o com muitas perguntas.
Jesus, porém, nada lhe respondeu.
10Os sumos sacerdotes e os mestres da Lei
estavam presentes e o acusavam com insistência.
11Herodes, com seus soldados, tratou Jesus com desprezo,
zombou dele, vestiu-o com uma roupa vistosa
e mandou-o de volta a Pilatos.
12Naquele dia Herodes e Pilatos
ficaram amigos um do outro, pois antes eram inimigos.
Entregou Jesus à vontade deles.
13Então Pilatos convocou os sumos sacerdotes,
os chefes e o povo, e lhes disse:
14‘Vós me trouxestes este homem
como se fosse um agitador do povo.
Pois bem! Já o interroguei diante de vós
e não encontrei nele
nenhum dos crimes de que o acusais;
15nem Herodes, pois o mandou de volta para nós.
Como podeis ver, ele nada fez para merecer a morte.
16Portanto, vou castigá-lo e o soltarei.
18Toda a multidão começou a gritar:
‘Fora com ele! Solta-nos Barrabás!’
19Barrabás tinha sido preso
por causa de uma revolta na cidade e por homicídio.
20Pilatos falou outra vez à multidão,
pois queria libertar Jesus.
21Mas eles gritavam: ‘Crucifica-o! Crucifica-o!’
22E Pilatos falou pela terceira vez:
‘Que mal fez este homem?
Não encontrei nele nenhum crime que mereça a morte.
Portanto, vou castigá-lo e o soltarei.’
23Eles, porém, continuaram a gritar com toda a força,
pedindo que fosse crucificado.
E a gritaria deles aumentava sempre mais.
24Entóo Pilatos decidiu
que fosse feito o que eles pediam.
25Soltou o homem que eles queriam
– aquele que fora preso por revolta e homicídio –
e entregou Jesus à vontade deles.
Filhas de Jerusalém, não choreis por mim!
26Enquanto levavam Jesus,
pegaram um certo Simão, de Cirene,
que voltava do campo,
e impuseram-lhe a cruz para carregá-la atrás de Jesus.
27Seguia-o uma grande multidão do povo
e de mulheres que batiam no peito e choravam por ele.
28Jesus, porém, voltou-se e disse:
‘Filhas de Jerusalém, não choreis por mim!
Chorai por vós mesmas e por vossos filhos!
29Porque dias viróo em que se dirá:
‘Felizes as mulheres que nunca tiveram filhos,
os ventres que nunca deram à luz
e os seios que nunca amamentaram’.
30Então começarão a pedir às montanhas:
‘Caí sobre nós! e às colinas: ‘Escondei-nos!’
31Porque, se fazem assim com a árvore verde,
o que não farão com a árvore seca?’
32Levavam também outros dois malfeitores
para serem mortos junto com Jesus.
Pai, perdoa-lhes! Eles não sabem o que fazem!
33Quando chegaram ao lugar chamado ‘Calvário’,
ali crucificaram Jesus e os malfeitores:
um à sua direita e outro à sua esquerda.
34Jesus dizia: ‘Pai, perdoa-lhes!
Eles não sabem o que fazem!’
Depois fizeram um sorteio,
repartindo entre si as roupas de Jesus.
Este é o Rei dos Judeus.
35O povo permanecia lá, olhando.
E até os chefes zombavam, dizendo:
‘A outros ele salvou. Salve-se a si mesmo,
se, de fato, é o Cristo de Deus, o Escolhido!’
36Os soldados também caçoavam dele;
aproximavam-se, ofereciam-lhe vinagre,
37e diziam: ‘Se és o rei dos judeus,
salva-te a ti mesmo!’
38Acima dele havia um letreiro:
‘Este é o Rei dos Judeus.’
Hoje estarás comigo no Paraíso.
39Um dos malfeitores crucificados o insultava, dizendo:
‘Tu não és o Cristo? Salva-te a ti mesmo e a nós!’
40Mas o outro o repreendeu, dizendo:
‘Nem sequer temes a Deus,
tu que sofres a mesma condenação?
41Para nós, é justo,
porque estamos recebendo o que merecemos;
mas ele não fez nada de mal.’
42E acrescentou: ‘Jesus, lembra-te de mim,
quando entrares no teu reinado.’
43Jesus lhe respondeu: ‘Em verdade eu te digo:
ainda hoje estarás comigo no Paraíso.’
Pai, em tuas mãos entrego o meu espírito.
44Já era mais ou menos meio-dia
e uma escuridão cobriu toda a terra
até às três horas da tarde,
45pois o sol parou de brilhar.
A cortina do santuário rasgou-se pelo meio,
46e Jesus deu um forte grito:
‘Pai, em tuas mãos entrego o meu espírito.’
Dizendo isso, expirou.
Aqui todos se ajoelham e faz-se uma pausa.
47O oficial do exército romano viu o que acontecera
e glorificou a Deus dizendo:
‘De fato! Este homem era justo!’
48E as multidões, que tinham acorrido para assistir,
viram o que havia acontecido,
e voltaram para casa, batendo no peito.
49Todos os conhecidos de Jesus, bem como as mulheres
que o acompanhavam desde a Galileia,
ficaram à distância, olhando essas coisas.
Palavra da Salvação.

Reflexão

JESUS ENTRA NA CIDADE, NUM JUMENTINHO.

Jesus entra na cidade num jumentinho: rejeitando todo o triunfalismo, recusando-se a impor-se, ou a aproveitar-se de tantos que o apoiam e aclamam, rejeitando qualquer tipo de violência, chega “em paz“, rejeitando as expectativas do povo, que está à espera de um Messias libertador.

Deus não vem como gostaríamos, como gostaríamos que ele viesse… Ele não é um político populista, que tira partido do desencanto das pessoas.

Portanto, este jumentinho que Jesus escolheu impede-nos certamente, pois obriga-nos a renunciar aos nossos sonhos de grandeza, de triunfo, de influenciar para alcançar os nossos nobres objetivos… E, em vez disso, nos faz optar por um trabalho simples, humilde e tenaz, entre pessoas sem poder…

Optar pela Palavra que constrói, pela proximidade com aqueles que sofrem, pela cura, para a transformação dos corações, para a integração dos descartados, mesmo que isto seja cansativo e lento para produzir resultados; obriga-nos a baixar a nossa guarda, renunciando às nossas armas e escudos, para O acolher com paz, com os nossos mantos, com as nossas canções,  com os nossos gritos de esperança,  reconhecendo que precisamos da presença de Deus entre nós, e atento quando ele se apresenta de formas tão desconcertante,  acolhendo-O e aclamando-O com a alegria das crianças.

Porém corremos sempre o risco de que o espetáculo externo, as aclamações, a procissão, as canções, as liturgias… tenham pouco a ver com o que “acontece” no interior. Todas aquelas pessoas que vieram à procissão com as suas palavras e ramos de oliveira, que o recebem, o aclamam, o aplaudem… onde estão nos dias seguintes? Identificaram-se com ele, colocaram-se à sua disposição? Assim que terminaram o desfile, foram para casa como se nada tivesse acontecido. Disseram que estavam com o Messias, que confiavam nele… MAS NÃO FICARAM COM ELE. No interior, nada parece ter mudado. Como se esperassem tudo de Deus… mas sem fazer nada de sua parte.

Por isso, a leitura da Paixão (segundo São Lucas) e a Primeira Leitura nos advertem. Este homem que se despojou de sua grandeza, que se apresentou (apresenta-se) como escravo, que suporta cuspe, chicotadas, insultos e desprezos, que ficou sem túnica, HOMEM NU, sem títulos, sem multidões ao redor, ele deixa-nos nus, com a nossa verdade no ar.

Quando ele realmente se apresenta como é – e não é fácil reconhecê-lo – haverá aqueles que: 

Como pessoas, podem sentar e cuidar de seus negócios e mudar de ideia em um único dia, de “filho de Davi” para “crucificá-lo“.

Como sumos sacerdotes, podemos acusá-lo de muitas coisas:

  • de perturbar as nossas ideias e expectativas em relação a Deus
  • de expor em evidencia a hipocrisia da nossa religiosidade e culto
  • de protestar e reclamar porque não resolve os nossos problemas: Onde estás quando rebenta uma guerra que não queremos? Onde estás quando a doença se apodera dos nossos? Onde estás quando não sabemos o que escolher nas nossas vidas? Porque nos fazes sentir mal quando os nossos estilos, planos e escolhas… não concordam, não se parecem com os teus?

Como Pilatos, teríamos muitas perguntas a fazer-lhe, mas nenhum interesse nas suas respostas, se pretendemos defender os nossos «tronos», significa reconhecer que temos outros senhores a quem servimos, se podemos «perder» algo… se preferirmos lavar as mãos ao invés de nos molharmos para defender a justiça e a verdade.

Como Simão de Cirene, devemos nos mostrar dispostos a ajudá-lo com sua cruz, mesmo que a iniciativa não tenha sido nossa, e talvez o façamos com relutância.

Como Pedro, o nosso testemunho público pode ser posto à prova e a nossa autossuficiência e a nossa postura de bravura podem ser abaladas.

Podemos também continuar a rezar com ele na noite da fé (rezar para não cair em tentação), ou adormecer primeiro, e fugir depois.

Podemos aceitar seu Pão e seu Cálice, permitir que ele lave nossos pés… ou recusa-lo e ir embora…

Em suma, veremos onde e como cada um se situa na celebração desta Semana Santa. Porque o Evangelho é a Palavra Viva hoje, não é uma simples “memória” do que aconteceu… mas do que continua a acontecer entre nós hoje. A história se repete, e cada um de nós escolherá um ou mais “papéis” para assistir HOJE à Paixão de Cristo.

Texto: Quique Martínez de la Lama-Noriega, cmf
Fonte: Ciudad Redonda