Gosto muito daquela mulher ‘importante’ de Sunão. Ela agiu bem com o ‘profeta’:
“Tenho certeza de que esse homem de Deus é um santo; ele passa frequentemente por nossa casa, vamos preparar um lugar para ele e, quando vier nos visitar, ficará lá”.
É digno de destaque o seu mérito ou intuição. Para nós, é indiscutível que Eliseu era um homem de Deus, um profeta: por isso ele está em nossas Bíblias e meditamos sobre sua vida e sua mensagem. Mas, naquela época (como em todos os tempos), havia falsos profetas, charlatães, pessoas que pressagiavam o mal e todo tipo de gente que pretendia ser ‘santa’ e falar em nome de Deus
Por outro lado, Eliseu era rejeitado por grande parte do povo, especialmente pelas autoridades políticas e religiosas. Ou seja, pelas pessoas importantes. Isso costuma acontecer, porque os homens de Deus costumam questionar o que existe, o que é feito, o que é pensado, o que tem sido tradição – mal compreendida – ou tradição “interessada” por muito tempo. Eles tentam colocar as coisas em seu devido lugar e, claro, aqueles que estão bem não têm o menor interesse em que algo mude. Essas coisas aconteciam naquela época e também acontecem hoje.
Parece que a sunamita tinha o costume de receber o profeta em sua casa e convidá-lo para comer. Na cultura judaica, sentar alguém à mesa era um gesto de intimidade, de acolhimento, de carinho, de oferta pessoal. Ela é rica, ou seja, tem sua vida resolvida, vai bem, tinha uma boa posição e algum prestígio social, e, portanto, se sustentava por si mesma.
Mas havia algo dentro do seu coração que a incentivava a convidá-lo para a sua mesa e preparar um lugar para um personagem pobre, cuja mensagem incomodava e não era bem vista por outros do mesmo círculo social. Ao acolhê-lo em sua casa, aquela mulher permitia que o profeta entrasse também em sua vida. Quero dizer que não se tratava apenas de uma simples “anfitriã” fazendo uma obra de caridade, mas algo muito mais sério: ela acolhia o profeta e acolhia a sua mensagem. Até mesmo construiu um quarto para ele e o mobiliou. O próprio profeta Elias procurava estar informado sobre suas necessidades, esperanças e frustrações (neste caso, sua esterilidade), e queria fazer algo por ela: “Perguntava-se: o que podemos fazer por ela?“.
Nesta nossa sociedade e neste cristianismo de hoje, abordamos as coisas de maneira diferente daquela mulher. Por um lado, estamos muito preocupados com o que dirão sobre nós, e nosso próprio ambiente nos condiciona excessivamente. É necessário ter muita personalidade para sermos livres e críticos em relação ao que pensam “os nossos”.
Por outro lado, a disposição e a confiança para acolher em nossa vida (dar-lhe um “quarto” para que fique o tempo que quiser) aquele que possa nos ajudar a conhecer a vontade de Deus nos custa muito. Colocamos muitos filtros e condições para aquele que possa nos questionar ou incomodar com suas colocações e exigências. Muitas vezes, desconectamos sem sequer escutar… quando o “mensageiro” de Deus poderia tocar na ferida ou nos convidar a fazer algum tipo de mudança. É muito humano: protegemos nossa tranquilidade.
Também Jesus tinha alguns amigos entre as pessoas importantes. Como Lázaro e suas duas irmãs, ou Nicodemos, por exemplo. Mas também encontrou outras “pessoas importantes” que o rejeitaram abertamente e até foram contra ele. Por isso, Jesus diz aos seus discípulos:
“Quem vos recebe, a mim recebe. E quem me recebe, recebe aquele que me enviou“.
Ou seja: aquele que permite que o homem de Deus entre em sua “casa”, em sua vida, em seus projetos, está recebendo e acolhendo o próprio Deus.
Os discípulos aos quais Jesus fala não são pessoas perfeitas. Os evangelhos nos descrevem sem pudor a sua covardia, sua capacidade limitada de compreender a mensagem de Jesus, suas disputas pessoais, seus interesses pouco purificados e outras falhas. No entanto, isso não importou para Jesus ao escolhê-los e enviá-los como seus missionários. O que Ele pede é apenas que “convivam com Ele“, “conheçam sua mensagem” e “busquem dar seu testemunho pessoal“.
Os discípulos e mensageiros que acolhemos em nossas vidas frequentemente não terão a solução para nossos problemas concretos, mas representam nosso desejo de contar com Deus em nossas vidas e em tudo o que nos acontece. É bom e conveniente que tenhamos em nosso coração um ‘quarto’ preparado para recebê-los. Dessa forma, podemos ouvir sua palavra evangélica e contar sinceramente com sua ajuda para discernir a vontade de Deus. Jesus se identificou tanto com seus mensageiros que diz que quem os acolhe, na verdade, o acolhe a ele. Mesmo com todas as suas limitações, condicionamentos e imperfeições. O que importa é evitar o risco de nos acomodarmos e nos conformarmos em nossa vida de fé.
São Paulo nos convida, a todos os batizados, para uma vida nova e para VIVER PARA DEUS. Aquele que coloca seus interesses familiares, seus projetos pessoais acima dos de Deus e de Seu Reino… não é digno d’Ele, perde sua vida irremediavelmente!
À luz deste Evangelho (Mt 10,37-42) sinto a necessidade de AGRADECER a tantas pessoas ao longo da minha vida que me abriram as portas de seus corações e confiaram em mim, apesar de todas as minhas imaturidades e limitações. Realmente, eles têm sido instrumentos de Deus para me purificar, fazer-me crescer e compreender melhor o Evangelho. Também recordo e oro por aqueles a quem acolhi e têm acompanhado e acompanham hoje o meu caminho de fé.
Mas que hoje fique em nossas mentes aquela mulher anônima recebendo os enviados de Deus, e aprendamos com ela. Há muitas maneiras de realizar essa bela tarefa. Até um copo de água fresca tem importância. Assim como uma conversa, um passeio, uma ligação, uma felicitação, uma palavra de encorajamento ou gratidão…
Referência: II Reis (4,8-11.14-16a), Romanos (6,3-4.8-11) e Mateus (10,37-42).
Texto: Quique Martínez de la Lama-Noriega, cmf
Fonte: Ciudad Redonda