ABRIR NOSSOS SEGREDOS À LUZ

REFLEXÕES

VOCÊ ESTÁ TÃO DOENTE QUANTO SEU SEGREDO MAIS MÓRBIDO! Esse é um axioma inteligente. O que está doente em nós continuará doente, a menos que o abramos para os outros e à luz do dia. Embora seja um segredo, é uma doença. No entanto, talvez o problema não seja o que mantemos em segredo, mas o fato de que o mantemos em segredo. Talvez a doença seja o segredo, e não o que consideramos doença.

Todos nós temos nossas lutas, pelas quais podemos agradecer a Deus. A imagem e semelhança de Deus em nós não é simplesmente um belo ícone gravado em nossa alma. É fogo, fogo divino, insaciável, desconcertante. Por nossa própria natureza, existem complexidades em nós que não podem fazer as pazes com a pessoa que gostamos de pensar que somos. Todos nós temos fantasias selvagens e obsessões sombrias. Se nossos sonhos um dia se tornassem públicos, eles revelariam que todos nós nutrimos fantasias de grandiosidade, ódio, justificativa, e que todos nós somos periodicamente apanhados nas garras de diferentes obsessões emocionais e sexuais. Há coisas em nossos sonhos sobre as quais teríamos vergonha de falar. Todos nós abrigamos fantasias selvagens, terrenas, grandiosas e egoístas. Assim, nós os mantemos em segredo e lidamos com eles relegando-os a uma doença ou negando-os.

Relegamos nossas fantasias a uma doença quando acreditamos que são algo de que só nós sofremos, algo doentio, vergonhoso e exclusivamente nosso. Eles são algo que nunca queremos que outras pessoas saibam sobre nós. Como resultado, nossas fantasias e obsessões tornam-se algo de que nos envergonhamos, um segredo obscuro, uma doença em nosso estado normal.

Outra opção é a negação. Podemos negar conscientemente que algum dia tenhamos esses pensamentos e sentimentos. A negação nos salva da vergonha, mas no final pagamos outro preço por isso. Negar nossos pensamentos e sentimentos é o mesmo que viver no andar térreo de uma casa e catar lixo ou qualquer outra coisa com a qual não queremos lidar e simplesmente jogá-lo no porão e fechar a porta. Fora da vista, longe da mente. Por algum tempo. O lixo nunca deixa de existir só porque o jogamos no porão. Finalmente, fermenta e libera seus gases venenosos através de aberturas para poluir o ar que respiramos.

No entanto – e esta é a questão – os anseios complexos, obsessões e grandeza em nossa alma não são uma doença ou algo que precisamos negar. Nossa alma, apesar de todo o seu deserto, não está doente. O problema é que perdemos a compreensão da parte mais profunda de nossa alma, nossa sombra, e acreditamos que há alguma doença nela; e isso é guardar um segredo que é a verdadeira doença.

QUAL É A NOSSA SOMBRA? A literatura popular nos deu uma explicação unilateral do que contribui para nossa sombra. A explicação popular é que nossa sombra é um lugar escuro e assustador que temos medo de ir, um deserto interno no qual não queremos correr o risco de entrar, demônios internos que queremos evitar conscientemente. Embora às vezes pudéssemos sentir o medo de nossa própria sombra, nossa sombra não é de forma alguma uma coisa obscura. Ao contrário.

É assim que nossa sombra é formada. Quando um bebê nasce, ele está lúcido, maravilhosamente aberto e consciente, olhando em volta… Porém, nesta fase da vida, o bebê não consegue pensar, porque não tem ego; e, portanto, ele carece de autoconsciência. Para formar um ego e se tornar autoconsciente, o bebê tem que passar por uma série de contrações mentais massivas, cada uma delas interrompendo a comunicação em nome de sua própria luminosidade. Primeiro, no início de sua vida, ele distingue entre o que é ele mesmo e o que é outro; eu não sou minha mãe logo depois, ele distingue entre vivos e não vivos; um cachorrinho está vivo, uma pedra não. Depois disso, faz a distinção entre mente e corpo; um corpo é uma coisa dura e sólida, pensar é diferente. Finalmente, e esta é a peça decisiva na formação de nossa sombra, em um ponto de sua vida, o bebê vai distinguir entre o que ele pode enfrentar conscientemente dentro de si mesmo e o que é opressor demais para enfrentar conscientemente. Ao fazer isso, ele forma sua sombra, dividindo uma grande parte de sua luminosidade (a imagem e semelhança total de Deus dentro de si mesmo) da sua própria percepção consciente. Observe que nossa sombra é feita de nossa luz, não de nossas trevas. Como Marianne Williamson diz com razão (em uma frase que Nelson Mandela usou no discurso inaugural), é nossa luz, não nossa sombra, que nos assusta. Em uma pessoa saudável, os segredos sombrios geralmente escondem as coisas que emanam da luz excessiva, da energia divina, dos anseios infinitos e da grandeza religiosa que está dentro de nós. Quando nos aproximamos da luz, vemos que não estão obscuros nem doentes. A doença consiste apenas em não trazê-los à luz.

Texto: RON ROLHEISER (Trad. Benjamín Elcano, cmf)
Imagem FUTURA SCIENCES
Fonte: CIUDAD REDONDA (Missionários Claretianos)