A liturgia deste domingo convida-nos a contemplar o quadro do amor de Deus. Apresenta-nos um Deus que ama todos os seus filhos sem excluir ninguém, nem sequer os pecadores, os maus, os marginais, os “impuros”; e mostra como só o amor é transformador e revivificador.
Na primeira leitura (Sb 11,22-12,2) um “sábio” de Israel explica a “moderação” com que Deus tratou os opressores egípcios. Essa moderação explica-se por uma lógica de amor: esse Deus omnipotente, que criou tudo, ama com amor de Pai cada ser que saiu das suas mãos – mesmo os opressores, mesmo os egípcios – porque todos são seus filhos.
O Evangelho (Lc 19,1-10) apresenta a história de um homem pecador, marginalizado e desprezado pelos seus concidadãos, que se encontrou com Jesus e descobriu n’Ele o rosto do Deus que ama… Convidado a sentar-se à mesa do “REINO”, esse homem egoísta e mau deixou-se transformar pelo amor de Deus e tornou-se um homem generoso, capaz de partilhar os seus bens e de se comover com a sorte dos pobres.
A segunda leitura (2Ts 1,11-2,2) faz referência ao amor de Deus, pondo em relevo o seu papel na salvação do homem (é d’Ele que parte o chamamento inicial à salvação; Ele acompanha com amor a caminhada diária do homem; Ele dá-lhe, no final da caminhada, a vida plena)… Além disso, avisa os crentes para que não se deixem manipular por fantasias de fanáticos que aparecem, por vezes, a perturbar o caminho normal do cristão.
Leituras
Muitas vezes, percebemos certos males que nos incomodam como “castigos” de Deus pelo nosso mau proceder. No entanto, este texto deixa claro que Deus não está interessado em castigar os pecadores… Quando muito, procura fazer-nos perceber – com a pedagogia de um pai cheio de amor – o sem sentido de certas opções e o mal que nos fazem certos caminhos que escolhemos.
uma gota de orvalho da manhã que cai sobre a terra.
Fecha os olhos aos pecados dos homens,
para que se arrependam.
porque, se odiasses alguma coisa
não a terias criado.
se não a tivesses querido?
Ou como poderia ser mantida,
se por ti não fosse chamada?
para que se afastem do mal
e creiam em ti, Senhor.
Palavra do Senhor.
Ele sustenta todo aquele que vacila
e levanta todo aquele que tombou.
R. Bendirei eternamente vosso nome;
para sempre, ó Senhor, o louvarei!
1 Ó meu Deus, quero exaltar-vos, ó meu Rei,* e bendizer o vosso nome pelos séculos.
e os vossos santos com louvores vos bendigam!
11 Narrem a glória e o esplendor do vosso reino*
e saibam proclamar vosso poder! R.
Ao longo do caminho, é preciso estar atento para saber discernir o certo do errado, o verdadeiro do falso, o que é um desafio de Deus e o que é o fanatismo ou a fantasia de algum irmão perturbado ou em busca de protagonismo. O caminho para discernir o certo do errado está na Palavra de Deus e numa vida de comunhão e de intimidade com Deus.
Que ele, por seu poder, realize todo o bem que desejais
e torne ativa a vossa fé.
em virtude da graça do nosso Deus
e do Senhor Jesus Cristo.
ou carta atribuída a nós,
afirmando que o Dia do Senhor está próximo.
Palavra do Senhor.
Testemunhar o Deus que ama e que acolhe todos os homens não significa, contudo, branquear o pecado e pactuar com o que está errado. O pecado gera ódio, egoísmo, injustiça, opressão, mentira, sofrimento; é mau e deve ser combatido e vencido. No entanto, distingamos entre pecador e pecado: Deus convida-nos a amar todos os homens e mulheres, inclusive os pecadores; mas chama-nos a combater o pecado que desfeia o mundo e que destrói a felicidade do homem.
pois era muito baixo.
que devia passar por ali.
“Zaqueu, desce depressa!
e se defraudei alguém, vou devolver quatro vezes mais”.
porque também este homem é um filho de Abraão.
Palavra da Salvação.
Reflexão
QUERIA CONHECER JESUS
Este Zaqueu era bom em escalar e subir. Ele estava no topo das fileiras das autoridades econômicas de Jericó, por causa do cargo que ocupava e da fortuna que havia acumulado. Algo como o “Departamento de Finanças e Tributos de Jericó”. Ele teve influência e sucesso, e, suponho não poucas pessoas ao seu redor se aproveitando de seus bons contatos, ou tentando fazer com que ele cobrasse menos impostos em troca de alguns favores…
E desde que atinja seus objetivos, parece que não se importa em correr e até subir em uma árvore, perdendo a compostura para um homem de sua posição, a ponto de ser ridicularizado. Mas isso não o incomoda, pelo menos aparentemente.
Podemos encontrar semelhanças com este pequeno personagem em muitos protagonistas do mundo de hoje, da política e dos negócios, conjugando continuamente o verbo “SUBIR“. E tantos outros que acreditam que o sucesso na vida consiste em ter uma carreira, um bom emprego, um ótimo corpo, dinheiro para gastar e se divertir, influência, admiração… pura ilusão. E não raras vezes à custa de atropelar quem é necessário, renunciando à ética. “EU FAÇO O MEU.” E para garantir que o “meu” seja cada vez mais. Mas esses “ZAQUEUS” de todos os tempos muitas vezes se encontram profundamente sozinhos. Talvez admirados, talvez invejados, talvez desprezados… mas quase sempre sozinhos e vazios. Geralmente acontece com “um bolso cheio, um coração vazio“. E acontece também que quanto mais consciente se está do “exterior” (a autoimagem, o corpo, etc.), mais frágil e pequeno é o “interior”.
Mas há algo que o distinguirá do resto de seus “colegas“: ele percebe que precisa de algo mais, que algo está faltando. E ele começa a procurar! Ele ouviu falar de um personagem “admirado” e “AMADO“, que geralmente é cercado por muitas pessoas, a quem eles chamam de “Jesus Nazareno“. E Zaqueu “queria conhecer Jesus”. O que deve tê-lo surpreendido foi que, ouvindo e conversando com Jesus, começou a “CONHECER” a Deus. Porque Jesus é o rosto humano de Deus, e suas palavras e gestos são os de Deus. E esse “Deus” que Jesus lhe apresenta com seus atos e palavras não é o que lhe foi dito até agora.
E assim:
- Ele vai se surpreender ao ser “BUSCADO” por Deus. O usual é que os homens, por meio da religião, “busquem” a Deus, “ganhem” a Deus, façam méritos para que Deus os atenda. Mas o Deus de Jesus é diferente: é Ele que está interessado em encontrar alguém que está perdido, que não fez nada para merecer essa atenção. Ele ainda tem muitas limitações e pecados contra ele.
- Ele se surpreendeu que Jesus não o REPREENDESSE ou CULPASSE por sua vida confusa e pecaminosa. Ele não tira as cores dele, nem lhe impõe condições para ir para casa com ele. Ou seja: que o Deus que apresenta Jesus não prefere os bons, nem exige qualquer mudança ou arrependimento prévio para se aproximar dele. Jesus fala de um Deus que não se envergonha nem se afasta das más companhias.
- É um Deus que se CONVIDA a comer. Na cultura judaica e mediterrânea, partilhar a mesa com alguém é sinal de intimidade, de comunhão, de acolhimento. Não se leva qualquer um para comer em casa. E os fariseus vigiavam “muito” com quem se sentavam para comer para não serem “contaminados” pelos pecados dos outros. Como diz o famoso ditado “diga-me com quem você anda…“. Jesus supera tudo isso. E com o seu gesto anuncia que Deus está especialmente próximo e disposto a deixar-se salpicar pelo “lixo” dos pecadores. E mais: busca intimidade e comunhão com eles. Jesus é aquele que anda entre os pecadores e come com eles.
- Ele é um Deus que prefere “DESCER”. Ele “desceu” à nossa terra, “desceu” até se tornar um entre muitos, como dizia São Paulo, desceu para estar entre os que estão embaixo, e “desceu” para lavar os pés dos discípulos… E ele foge, como uma tentação do diabo, de tudo que soa como escalada, poder, prestígio, reinado, que lhe deem as coisas feitas… Por isso disse a Zaqueu “DESÇA“. Somente “descendo” pode-se encontrar à “ALTURA” de Deus e ser encontrado por Deus.
- Ele é o Deus de “COMPARTILHAR” e necessitar. Ele não se importa em nos “pedir”, humildemente, que o acolhamos, o alimentemos, como neste caso; ou para beber, como a samaritana, ou um burrito para entrar em Jerusalém… Zaqueu pôde começar a compreender e verificar que o que se tem “o enche”… se esvazia compartilhando. É a “lei do amor” que ele não aprendeu nem experimentou. Esta lei do amor coloca o dinheiro e tudo o que o acompanha em seu devido lugar. Porque Deus e o dinheiro são incompatíveis. O dinheiro deixa nossos corações como pedra, incapazes de amar e receber amor. Isso foi bem entendido por Zaqueu em suas conversas com Jesus. Talvez fosse isso. Com certeza foi isso. Ele tinha um coração cheio de coisas, mas “sem nomes”.
- E ele é um Deus que nos “CONVERTE”, nos muda, nos ajuda a colocar as coisas em seu lugar entrando em contato conosco. Não é que “Zaqueu” se tenha convencido de que deve ser generoso. Não é que Zaqueu se esforce e pense em mudar. Não é que Zaqueu pretenda comprar Jesus com seu dinheiro devolvido aos pobres. Lucas não disse nada disso. É que Zaqueu se sentiu amado, valorizado e acolhido como pessoa, se descobriu um filho de Abraão, sentiu-se amado e aceito… e então não precisa mais de tantas coisas que o isolaram. Por isso muda. Só o AMOR nos muda, não somos nós que mudamos a nós mesmos.
Quão sortudo foi Zaqueu! Ele queria conhecer Jesus… e conheceu a si mesmo e conheceu a Deus! Bastou-lhe aceitar o pedido de Jesus e deixá-lo entrar em sua casa. O Apocalipse captou muito bem (3,20):
Eis que estou à porta e bato: se alguém ouvir a minha voz e me abrir a porta, entrarei em sua casa e cearemos, eu com ele e ele comigo.
Uma das melhores maneiras de abrir a porta para ele é nos aproximar da EUCARISTIA… com o desejo de “ENCONTRAR” aquele Jesus que está dividido e distribuído entre os pecadores, mesmo que eu não seja digno que Ele entre em minha casa…
Que Jesus possa dizer de você e de mim o mais rápido possível: “HOJE” a salvação chegou a esta casa, a esta vida, a este coração.
Texto: QUIQUE MARTÍNEZ DE LA LAMA-NORIEGA, CMF
Fonte: MISSIONÁRIOS CLARETIANOS (CIUDAD REDONDA)