A liturgia deste XXX Domingo do Tempo Comum nos convida a contemplar o modo como Deus manifesta a Sua justiça – uma justiça que não se confunde com a dos homens. Enquanto a justiça humana frequentemente se perde em favoritismos e desigualdades, a justiça divina é tecida de amor e misericórdia. Deus não é indiferente ao clamor dos pobres, à dor dos que sofrem em silêncio, nem à injustiça suportada pelos que são esquecidos pelos tribunais e pelos poderosos. Seu olhar pousa com ternura sobre aqueles que o mundo despreza, e Suas mãos erguem os caídos, restaurando neles a dignidade que o pecado e a opressão tentaram apagar.
Na Primeira Leitura (Eclo 35,15b-17.20-22a), o sábio judeu recorda ao seu povo – seduzido pela arrogância dos conquistadores gregos e pelo brilho da cultura helênica – que o Senhor é imparcial. Ele não se deixa encantar pela força nem pela aparência; antes, ouve o grito do oprimido e faz justiça aos esquecidos. As preces dos humildes, que parecem não ter eco entre os homens, sobem como incenso e atravessam as nuvens até o coração de Deus.
No Evangelho (Lc 18,9-14), Jesus desvela o perigo da autossuficiência espiritual. A parábola do fariseu e do publicano desmonta o falso brilho da religião vivida como vanglória. O fariseu cumpre todos os preceitos, mas o faz de modo vaidoso, buscando mais o reconhecimento do que a conversão. O publicano, ao contrário, reconhece-se pequeno e carente de perdão – e é justamente sua humildade que o abre à graça. Jesus nos lembra que a porta do Reino não se abre com méritos, mas com arrependimento sincero e coração contrito.
Por fim, Paulo na Segunda Leitura (2Tm 4,6-8.16-18), ao término da sua missão, oferece um testemunho luminoso de fé perseverante. Ele combateu o bom combate, não com armas de poder, mas com fidelidade e confiança. Sua vida ensina que a verdadeira justiça é permanecer firme no amor, mesmo em meio às lutas e decepções.
Assim, este domingo nos desafia a rever nossa própria postura diante de Deus: buscamos justificar-nos ou deixar-nos justificar? Que a oração dos humildes inspire em nós a confiança do publicano e a perseverança de Paulo – para que, sustentados pela misericórdia divina, possamos também nós ser sinais vivos da justiça amorosa de Deus no mundo.
Leituras
A prece do humilde, nascida das feridas da alma e regada pelas lágrimas da esperança, atravessa as nuvens, alcançando o coração de Deus, onde a justiça se transforma em misericórdia e paz eterna.
e não descansará até que o Altíssimo intervenha,
O coração ferido do pobre se eleva em súplica, e o Senhor o escuta; nas dores humanas Ele se faz presença viva, libertando a vida dos seus servos e enchendo-os de esperança e salvação eterna.
o Senhor liberta a vida dos seus servos.
2 Bendirei o Senhor Deus em todo o tempo,*
seu louvor estará sempre em minha boca.
3 Minha alma se gloria no Senhor;*
que ouçam os humildes e se alegrem! R.
17 mas ele volta a sua face contra os maus,*
para da terra apagar sua lembrança.
18 Clamam os justos, e o Senhor bondoso escuta*
e de todas as angústias os liberta. R.
Em meio às lutas e solidões da vida, mantenhamos o coração fiel, pois “está reservada a coroa da justiça”, promessa viva de Cristo àqueles que perseveram no amor até o fim.
aproxima-se o momento de minha partida.
guardei a fé.
e não somente a mim,
mas também a todos que esperam com amor
a sua manifestação gloriosa.
Oxalá que não lhes seja levado em conta.
fosse anunciada por mim integralmente,
e ouvida por todas as nações;
e eu fui libertado da boca do leão.
A ele a glória, pelos séculos dos séculos! Amém.
Palavra do Senhor.
Quando o coração se dobra em humildade diante de Deus, nasce a verdadeira justificação, pois “o cobrador de impostos voltou para casa justificado, o outro não”, lembrando-nos que a misericórdia supera todo orgulho humano.
e desprezavam os outros:
porque não sou como os outros homens,
ladrões, desonestos, adúlteros,
nem como este cobrador de impostos.
mas batia no peito, dizendo:
‘Meu Deus, tem piedade de mim que sou pecador!’
Pois quem se eleva será humilhado,
e quem se humilha será elevado”.
Palavra da Salvação.
Homilia
DESCER JUSTIFICADO: A FORÇA TRANSFORMADORA DA HUMILDADE DIANTE DE DEUS
Queridos irmãos e irmãs em Cristo,
imagine-se diante de Deus com o coração aberto. O que Ele veria? O orgulho de quem confia em si mesmo ou a humildade de quem se reconhece pequeno e necessitado de Sua misericórdia? Essa é a pergunta que o Evangelho deste domingo nos propõe, e que ecoa profundamente nas nossas realidades tão marcadas por comparações, vaidades e julgamentos.
Na parábola que Jesus conta no Evangelho, dois homens sobem ao Templo para rezar. O fariseu, confiante em suas próprias obras, agradece por “não ser como os outros”, enquanto o publicano, ciente de sua fragilidade, apenas murmura: “Meu Deus, tem piedade de mim, que sou pecador!”. E é este – o cobrador de impostos – quem desce justificado. Jesus nos desarma com essa reviravolta divina: diante de Deus, não é o perfeito quem é acolhido, mas o sincero; não é o que se exibe, mas o que se humilha e confia.
A primeira leitura, do livro do Eclesiástico (Eclo 35,15b-17.20-22a), confirma esta verdade com força: “A súplica do pobre atravessa as nuvens e não descansa enquanto não chega a Deus”. O Senhor escuta o clamor de quem sofre, de quem reza com o coração rasgado e a alma transparente. Ele não faz distinção entre poderosos e pequenos; Seu olhar se inclina com ternura sobre quem O busca com humildade e fé.
São Paulo, na segunda leitura (2Tm 4,6-8.16-18), nos oferece um testemunho emocionante. Já ao fim da vida, o apóstolo fala como quem completou a corrida e guardou a fé: “Agora está reservada para mim a coroa da justiça”. Ele reconhece que a força para perseverar veio de Deus, não dele mesmo. Paulo foi abandonado por muitos, mas afirma com convicção: “O Senhor esteve a meu lado e me deu forças”. O coração humilde reconhece que toda vitória é graça.
Meus irmãos, o orgulho é a raiz de muitas feridas espirituais do nosso tempo. Vivemos numa sociedade que exalta o sucesso, a aparência e o “eu primeiro”. Somos tentados a medir o valor das pessoas pelas conquistas e não pela verdade do coração. O Evangelho de hoje nos chama a inverter essa lógica: Deus não vê como o homem vê. Ele não se encanta com o que brilha por fora, mas com o que é autêntico por dentro.
A oração do fariseu é uma lista de méritos; a do publicano é um grito de amor e arrependimento. Quantas vezes também nós subimos ao “templo” das nossas orações levando o peso da comparação – olhando mais para o que o outro faz do que para o que Deus quer realizar em nós! Jesus nos ensina que a oração verdadeira nasce da verdade: é encontro, não exibição; é entrega, não desempenho.
Hoje, o Senhor nos convida a descer justificados. A sair deste encontro com o coração mais leve, purificado e disponível à graça. A verdadeira santidade não se constrói com soberba, mas com sinceridade. E quando deixamos que Deus nos veja como somos, Ele nos transforma no que devemos ser.
Portanto, o convite concreto para esta semana é simples e exigente:
Reze como o publicano. Faça da sua oração um espaço de verdade. Diga a Deus o que pesa, o que dói, o que precisa ser curado. E, sobretudo, peça o dom da humildade – essa virtude que abre todas as portas da graça.
Que possamos repetir com o coração sincero:
“Senhor, tem piedade de mim, que sou pecador.”
Assim, o título da homilia resume o caminho espiritual proposto pela liturgia deste domingo:
- Subir ao Templo da oração com sinceridade;
- Reconhecer a própria miséria sem medo;
- E “descer justificado”, isto é, renovado pela graça que só a humildade pode acolher.
Em outras palavras, o título convida o fiel a descobrir que a verdadeira vitória da fé não está em “subir para se exibir”, mas em “descer transformado” – porque quem se humilha, será exaltado.
Amém.