
Diante do abismo escandaloso que separa os que acumulam fortunas sem medida dos que sobrevivem com migalhas, ignorados em seus clamores, ecoa uma pergunta que não pode ser silenciada: o que pensa Deus desta desigualdade estrutural que marca nossa época? A liturgia de hoje responde com firmeza: o projeto do Criador não admite exclusão, nem miséria, nem a apropriação egoísta dos recursos destinados a todos. O sonho de Deus continua sendo este: uma vida digna, justa e plena para cada ser humano.
O profeta Amós continua atual. Hoje ele denunciaria aqueles que, anestesiados pelo consumismo e pelo conforto, vivem fechados em suas “bolhas digitais”, indiferentes ao sofrimento de milhões que enfrentam a fome, o desemprego e a falta de acesso à saúde e à educação. A indiferença, ontem como hoje, é um insulto ao coração de Deus. E Amós recorda: toda falsa segurança – seja riqueza acumulada, status social ou poder tecnológico – cedo ou tarde desmorona. Deus não se alia a sistemas construídos sobre a dor dos pobres.
Na parábola de Jesus, o rico não era um criminoso, mas um homem indiferente. E este é o drama de hoje: podemos atravessar a vida distraídos, centrados em nós mesmos, fechados em telas, em metas pessoais, sem enxergar o “Lázaro” que se encontra à nossa porta – o migrante, o morador de rua, o vizinho desempregado, até mesmo alguém da própria família. O abismo que criamos pela indiferença durante a vida pode se tornar, na eternidade, uma separação definitiva.
Em contrapartida, a Carta a Timóteo nos apresenta a imagem do homem e da mulher de Deus para o nosso tempo: gente que, movida pela fé e pelo Batismo, se empenha por justiça, partilha, solidariedade e cuidado com a criação. Não são apenas filantropos ocasionais, mas testemunhas vivas do Reino, faróis que iluminam uma sociedade anestesiada pela indiferença. Sua vida anuncia que o verdadeiro sentido da existência é este: um amor que se encarna em gestos concretos de proximidade e compaixão.
Leituras
Em meio aos excessos de nossa era, onde o luxo cega os corações à dor alheia, convido-vos a contemplar a advertência profética de Amós: Agora o bando dos gozadores será desfeito, despertando em nós a urgência de solidariedade e justiça que redime vidas reais.
comendo cordeiros do rebanho
e novilhos do seu gado;
e não se preocupam com a ruína de José.
e o bando dos gozadores será desfeito.
Palavra do Senhor.
O Senhor faz justiça aos oprimidos e dá pão aos que têm fome, libertando os cativos: bendize, ó minha alma, este Deus que não é dos poderosos, mas da vida que pulsa nos pequenos.
R. Bendize, minha alma, louva ao Senhor!
O Senhor é fiel para sempre,*
7 faz justiça aos que são oprimidos;
ele dá alimento aos famintos, *
é o Senhor quem liberta os cativos. R.
o Senhor ama aquele que é justo *
para sempre e por todos os séculos! R.
Guarda o teu mandato até a manifestação gloriosa do Senhor, vivendo com fé corajosa, amor ardente e esperança firme, para que tua vida seja testemunho luminoso do Reino que já irrompe no mundo.
procura a justiça, a piedade, a fé,
o amor, a firmeza, a mansidão.
para a qual foste chamado
e pela qual fizeste tua nobre profissão de fé
diante de muitas testemunhas.
que deu o bom testemunho da verdade
perante Pôncio Pilatos, eu te ordeno:
o Rei dos reis e Senhor dos senhores,
que nenhum homem viu, nem pode ver.
A ele, honra e poder eterno. Amém.
Palavra do Senhor.
A indiferença que ergue um abismo na vida presente, onde recebeste os bens e Lázaro, os males, solidifica-se na eternidade: um consolo inesperado para os pequenos e um tormento insondável para o coração que se fechou ao irmão.
e fazia festas esplêndidas todos os dias.
E, além disso, vinham os cachorros lamber suas feridas.
Morreu também o rico e foi enterrado.
com Lázaro ao seu lado.
para me refrescar a língua,
porque sofro muito nestas chamas’.
e Lázaro, por sua vez, os males.
Agora, porém, ele encontra aqui consolo
e tu és atormentado.
não poderia passar daqui para junto de vós,
e nem os daí poderiam atravessar até nós’.
para este lugar de tormento’.
mas se um dos mortos for até eles,
certamente vão se converter’.
eles não acreditarão,
mesmo que alguém ressuscite dos mortos'”.
Palavra da Salvação.
Homilia
AS DUAS MESAS E O OUTRO LADO DA VIDA
Este domingo, o Evangelho nos apresenta duas mesas: a do banquete opulento do rico e a do chão, onde Lázaro recolhe as migalhas. E nos faz uma pergunta desconcertante: em qual dessas duas mesas nós nos sentamos? Enquanto condenamos os grandes dramas da humanidade, a Palavra de Deus nos recorda que a verdadeira tragédia começa, muitas vezes, dentro de casa, na mesa familiar, quando esquecemos que a nossa abundância não é apenas um presente, mas também uma responsabilidade. É um domingo incômodo, porque nos obriga a escolher de que lado queremos estar.
Dividiremos esta reflexão em três partes:

O PROFETA AMÓS E A IGREJA DO DESPERDÍCIO
A profecia incômoda de Amós, proclamada neste domingo, nos confronta com o abismo entre pobres e ricos. Ele nos repreende: “Vocês não se afligem com a ruína de José” (Am 6,6).
De fato, quando uma tragédia acontece – seja um acidente, uma catástrofe ou um ato de violência – lamentamos e até protestamos. Mas, após a comoção, voltamos facilmente à nossa rotina de consumo e conforto. O profeta descreve com dureza essa vida anestesiada: “Deitam-se em leitos de marfim, comem os cordeiros do rebanho, improvisam ao som da harpa, bebem vinho em taças e se perfumam com as melhores essências” (cf. Am 6,4-6).
Hoje, não é difícil perceber semelhanças: em uma sociedade do espetáculo e do consumo, até dentro da própria Igreja, ainda buscamos mais a estética dos grandes eventos do que a simplicidade evangélica. Há comunidades que se esforçam por viver a partilha e a solidariedade, mas o caminho ainda é longo. Quando, afinal, seremos a IGREJA DOS POBRES, e não a “igreja dos designers”, dos grandes espetáculos televisivos e do desperdício facilmente justificado?
HOMEM… MULHER DE DEUS!
Na segunda leitura, São Paulo apresenta a Timóteo uma visão grandiosa de Deus: “o Bem-aventurado e único Soberano, Rei dos reis e Senhor dos senhores, o único que possui a imortalidade e habita numa luz inacessível” (1Tm 6,15-16).
Diante de tal grandeza, a vida cristã não pode ser uma teoria, mas uma prática: “Procura a justiça, a piedade, a fé, o amor, a perseverança e a mansidão. Combate o bom combate da fé” (1Tm 6,11-12). São quatro verbos carregados de força espiritual: praticar, combater, conquistar e guardar o mandamento.
Ser homem ou mulher de Deus, portanto, é viver em constante luta interior, guiados pela fidelidade e pela esperança. É afastar-se da idolatria do dinheiro e colocar toda a vida a serviço d’Aquele que é o único Senhor.
O ABISMO ENTRE POBRES E RICOS
O Evangelho deste domingo é, de fato, estremecedor. Jesus narra a parábola de um mendigo com nome próprio – Lázaro, que significa “Deus ajuda”. É a única parábola onde um pobre recebe um nome. Do outro lado está o rico, muitas vezes chamado de Epulão, que permanece sem nome, porque sua vida, marcada pela indiferença, perdeu todo o sentido.
Ambos morrem. Lázaro é levado ao seio de Abraão, enquanto o rico é condenado ao tormento. O rico pede, então, que ao menos sua família seja advertida, mas escuta de Abraão: “Entre nós e vocês foi estabelecido um grande abismo” (Lc 16,26).
Essa parábola é dirigida aos fariseus apegados ao dinheiro, mas fala também ao nosso tempo. A sociedade do bem-estar nos aprisiona no egoísmo, fazendo-nos esquecer da solidariedade. Nunca nos parece suficiente o que temos; sempre queremos mais. E aos pobres, muitas vezes, não oferecemos nem as migalhas que sobram de nossa mesa.
Não é cristão viver indiferente diante dos que sofrem. Não é cristão virar o rosto diante da pobreza que nos incomoda. Eles são juízes da nossa vida e da nossa fé. Suas feridas questionam nossas economias, nossos banquetes, nossos gastos, nosso modo de vestir e até nossa forma de crer. O dinheiro que guardamos, também ele, pertence aos necessitados.
CONCLUSÃO
Diante das duas mesas – a do rico e a do pobre, a da indiferença e a da solidariedade – somos convidados a escolher de que lado queremos estar. A Palavra de Deus nos desafia a não fechar os olhos diante do sofrimento alheio, a não nos acomodar em uma vida confortável, mas a viver com justiça, piedade e amor, como nos ensina São Paulo.
Que cada gesto de partilha, cada olhar de atenção ao necessitado, seja sinal visível do Reino de Deus no mundo. Que não nos limitemos a lamentar as injustiças, mas nos tornemos instrumentos vivos de transformação, levando esperança, dignidade e compaixão àqueles que Lázaro representa à porta de nossas casas e de nossas comunidades.
Em cada decisão cotidiana, em cada mesa em que nos sentamos, que possamos refletir: NOSSA VIDA SERVE AO EGOÍSMO OU AO AMOR? Que sejamos, verdadeiramente, homens e mulheres de Deus, cuidando uns dos outros e construindo pontes sobre o abismo que separa ricos e pobres, até a manifestação gloriosa do Senhor.
Que assim seja, hoje e sempre. Amém.
Texto: JOSÉ CRISTO REY GARCÍA PAREDES
Fonte: ECOLOGÍA DEL ESPÍRITU
Este artigo foi produzido com a assistência de ferramentas de inteligência artificial.