XXIX DOMINGO DO TEMPO COMUM (ANO B)

A PALAVRA

A liturgia do XXIX Domingo do Tempo Comum lembra-nos, mais uma vez, que a lógica de Deus é diferente da lógica do mundo. Convida-nos a prescindir dos nossos projetos pessoais de poder e de grandeza e a fazer da nossa vida um serviço aos irmãos. É no amor e na entrega de quem serve humildemente os irmãos que Deus oferece aos homens a vida eterna e verdadeira.

A primeira leitura (Is 53,10-11) apresenta-nos a figura de um “SERVO DE DEUS”, insignificante e desprezado pelos homens, mas através do qual se revela a vida e a salvação de Deus. Lembra-nos que uma vida vivida na simplicidade, na humildade, no sacrifício, na entrega e no dom de si mesmo não é, aos olhos de Deus, uma vida maldita, perdida, fracassada; mas é uma vida fecunda e plenamente realizada, que trará libertação e esperança ao mundo e aos homens.

No Evangelho (Mc 10,35-45), Jesus convida os discípulos a não se deixarem manipular por sonhos pessoais de ambição, de grandeza, de poder e de domínio, mas a fazerem da sua vida um dom de amor e de serviço. Chamados a seguir o Filho do Homem “que não veio para ser servido, mas para servir e dar a vida”, os discípulos devem dar testemunho de uma nova ordem e propor, com o seu exemplo, um mundo livre do poder que escraviza.

Na segunda leitura (Hb 4,14-16), o autor da Carta aos Hebreus fala-nos de um Deus que ama o homem com um amor sem limites e que, por isso, está disposto a assumir a fragilidade dos homens, a descer ao seu nível, a partilhar a sua condição. Ele não Se esconde atrás do seu poder e da sua onipotência, mas aceita descer ao encontro homens para lhes oferecer o seu amor.

Neste domingo se inicia a fase diocesana do SÍNODO DOS BISPOS 2023, que é um convite a cada diocese a empreender um caminho de profunda renovação inspirada na graça do Espírito de Deus, tendo como questão central o “CAMINHAR JUNTOS“. O Sínodo não é um parlamento, nem um levantamento de opiniões, mas um momento eclesial, e o protagonista do Sínodo é o ESPÍRITO SANTO.

Fonte: Congregação dos Sacerdotes do Coração de Jesus  

Leituras

10O Senhor quis macerá-lo com sofrimentos.
Oferecendo sua vida em expiação,
ele terá descendência duradoura,
e fará cumprir com êxito a vontade do Senhor.
11Por esta vida de sofrimento,
alcançará luz e uma ciência perfeita.
Meu Servo, o justo, fará justos inúmeros homens,
carregando sobre si suas culpas.
Palavra do Senhor.

R. Sobre nós venha, Senhor, a vossa graça, pois, em vós, nós esperamos!

4Pois reta é a palavra do Senhor,*
e tudo o que ele faz merece fé.
5Deus ama o direito e a justiça,*
transborda em toda a terra a sua graça.R.

18Mas o Senhor pousa o olhar sobre os que o temem,*
e que confiam esperando em seu amor,
19para da morte libertar as suas vidas*
e alimentá-los quando é tempo de penúria.R.

20No Senhor nós esperamos confiantes,*
porque ele é nosso auxílio e proteção!
22Sobre nós venha, Senhor, a vossa graça,*
da mesma forma que em vós nós esperamos!R.

Irmãos:
14Temos um sumo sacerdote eminente, que entrou no céu,
Jesus, o Filho de Deus.
Por isso, permaneçamos firmes na fé que professamos.
15Com efeito, temos um sumo sacerdote
capaz de se compadecer de nossas fraquezas,
pois ele mesmo foi provado em tudo como nós,
com exceção do pecado.
16Aproximemo-nos então, com toda a confiança,
do trono da graça,
para conseguirmos misericórdia
e alcançarmos a graça de um
auxílio no momento oportuno.
Palavra do Senhor.

Naquele tempo:
35Tiago e João, filhos de Zebedeu,
foram a Jesus e lhe disseram:
‘Mestre, queremos que faças por nós o que vamos pedir’.
36Ele perguntou:
‘O que quereis que eu vos faça?’
37Eles responderam:
‘Deixa-nos sentar um
à tua direita e outro à tua esquerda,
quando estiveres na tua glória!’
38Jesus então lhes disse:
‘Vós não sabeis o que pedis.
Por acaso podeis beber o cálice que eu vou beber?
Podeis ser batizados com o batismo
com que vou ser batizado?’
39Eles responderam: ‘Podemos’.
E ele lhes disse:
‘Vós bebereis o cálice que eu devo beber,
e sereis batizados com o batismo
com que eu devo ser batizado.
40Mas não depende de mim conceder
o lugar à minha direita ou à minha esquerda.
É para aqueles a quem foi reservado’.
41Quando os outros dez discípulos ouviram isso,
indignaram-se com Tiago e João.
42Jesus os chamou e disse:
‘Vós sabeis que os chefes das nações as oprimem
e os grandes as tiranizam.
43Mas, entre vós, não deve ser assim:
quem quiser ser grande, seja vosso servo;
44e quem quiser ser o primeiro, seja o escravo de todos.
45Porque o Filho do Homem não veio para ser servido,
mas para servir
e dar a sua vida como resgate para muitos’.
Palavra da Salvação.

Eis-nos aqui, diante de Vós, Espírito Santo!
Eis-nos aqui, reunidos em vosso nome!
Só a Vós temos por Guia:
vinde a nós, ficai connosco,
e dignai-vos habitar em nossos corações.
Ensinai-nos o rumo a seguir
e como caminhar juntos até à meta.
Nós somos débeis e pecadores:
não permitais que sejamos causadores da desordem;
que a ignorância não nos desvie do caminho,
nem as simpatias humanas ou o preconceito nos tornem parciais.
Que sejamos um em Vós,
caminhando juntos para a vida eterna,
sem jamais nos afastarmos da verdade e da justiça.
Nós vo-lo pedimos
a Vós, que agis sempre em toda a parte,
em comunhão com o Pai e o Filho,
pelos séculos dos séculos.
Amém.

Reflexão

UMA IGREJA DE SERVOS E SINODAL

Venha, Espírito Santo. Tu que originas línguas e põe nos lábios palavras de vida, salva-nos de nos tornarmos Igreja-museu, formosas mais mudas, com muito passado e pouco futuro. Venha entre nós, para que na experiência sinodal não nos deixe dominar pelo desencanto, não diluamos a profecia, não acabemos reduzindo tudo a discussões estéreis. Venha, Espírito Santo de amor, faça ouvir nossos corações. Venha, Espírito de santidade, renove o santo e fiel Povo de Deus. Venha, Espírito criativo, renove a face da terra. Amém (Papa Francisco).

O primeiro conflito sério na Igreja aconteceu perante os próprios olhos de Jesus: dois dos seus discípulos contra dez e dez contra dois. O motivo não foi uma discussão teológica ou a rejeição de algum dogma, mas a ambição de poder, a luta pelas primeiras posições. Foi o início de uma história dolorosa e repetida de divisão e conflito, muitas vezes desencadeada por rivalidades e inveja. Quando alguém quer dominar, se impor aos outros, o grupo desmorona: nascem os confrontos, com uma violência mais ou menos explícita, e muitos acabam optando pela passividade ou indiferença ou afastamento da Igreja.

Jesus constituiu os Doze como sinal de uma nova sociedade, na qual toda pretensão de dominação é abolida e se cultiva uma única ambição: SERVIR OS MAIS POBRES, OS MAIS FRÁGEIS. Tarefa difícil. A mentalidade deste mundo logo se infiltrou na Igreja, com seus critérios mundanos de dominar, de ânsia de possuir, de dominar os outros, de tentar impor seus critérios e opiniões. E surgiram os títulos e cargos, as vestimentas nobres para indicar a “categoria” hierárquica e para se distinguir dos demais batizados, os tronos, os pactos de poder, as influências políticas…    

Jesus dirige-se a Jerusalém com passo firme e decidido. Seus discípulos o seguem com medo e tristes porque em duas ocasiões o Mestre enfatizou qual será o objetivo da viagem. Nos versos que precederam a leitura de hoje, ele havia anunciado pela terceira vez o que o esperava na Cidade Santa: será insultado, condenado à morte, açoitado e morto (cf. Marcos 10,32-34). É incompreensível que, depois de ouvi-lo com tanta clareza, os discípulos continuem esperando que Jesus vá a Jerusalém para dar início ao “tempo messiânico“, entendido como reino deste mundo. Em vez disso, eles estão preocupados com o que acontecerá a seguir. Seus sonhos de glória não param nem mesmo com a morte de Jesus. É o desejo de poder e de reservar posições de honra que ocupa suas mentes e corações.

Tiago e João, os dois filhos de Zebedeu, apresentam-se a Jesus e, diante de todos, sem discrição nem dissimulação, e dizem-lhe: “Queremos que nos conceda o que vamos pedir-lhe!” Parece que eles sentiram que possuíam algum direito, acima do resto do grupo, de fazer tal pedido. Eles não dizem: POR FAVOR, exigem como se reivindicassem um direito. Certamente lembravam que, depois do primeiro anúncio da sua paixão (cf. Mc 8,31), Jesus falou do dia em que “vem com a glória do seu Pai e acompanhado dos seus santos anjos” (Mc 8,38). O resto do discurso tinha sido “esquecido”, não a palavra “glória”, que Jesus havia usado exclusivamente nesta ocasião. E eles conectaram isso com o ensino dos rabinos que, referindo-se ao Messias, afirmavam que “ele se assentará no trono da glória” para julgar, e “os justos” se sentarão ao lado dele. Tiago e João aspiram ter algum poder no céu, para estar no seleto grupo dos justos.

Quando reclamações de honras, privilégios e desejos de posições de destaque surgem entre seus discípulos, Jesus nunca é simpático ou condescendente. (cf. Mc 8,33; 9,33-36), e neste caso foi duro e severo: “NÃO SABES O QUE PEDES.” Você sabe que “entre os pagãos, aqueles que são considerados governantes dominam as nações como se fossem seus donos e os poderosos impõem sua autoridade”. Os discípulos sabem como os líderes políticos e religiosos, os rabinos, os escribas e os sacerdotes do templo exercem a autoridade: dão ordens, reivindicam privilégios, exigem ser venerados de acordo com os protocolos; você deve se ajoelhar diante deles, beijar suas mãos, dirigir-se a eles com os títulos e reverências correspondentes à posição e prestígio de cada um. SÃO ESSAS AUTORIDADES QUE DEVEM INSPIRAR OS DISCÍPULOS? Jesus lhes dá uma ordem clara e contundente: “Não será assim entre vocês” (v. 43). Nenhum desses líderes pode ser tomado como exemplo. O modelo – explica ele – é o escravo, o SERVO.

O Papa Francisco recordou várias vezes que o Povo de Deus é composto por todos os batizados, chamados ao santo sacerdócio. E que “cada batizado, seja qual for a sua função na Igreja e o seu grau de instrução na fé, é sujeito ativo da evangelização e não seria oportuno pensar num esquema de evangelização realizado por atores qualificados, em que o resto do Povo Fiel seria apenas receptivo às suas ações”. O povo também tem o seu “instinto” próprio para discernir os novos caminhos que o Senhor abre à Igreja. Por isso, no dia 10 de outubro, teve início em Roma o “SÍNODO SOBRE A SINODALIDADE“, no qual (pela primeira vez na história da Igreja) quer contar com a contribuição de todos os batizados. Hoje, 17 de outubro, se iniciam a “fase diocesana” no desafio da Igreja.

Segundo o documento elaborado pelo SECRETARIADO SINODAL:

É um convite a cada diocese a empreender um caminho de profunda renovação inspirado na graça do Espírito de Deus. Surge uma questão central: como se realiza o nosso “CAMINHAR JUNTOS” em sinodalidade hoje na Igreja? Que passos o Espírito nos convida a dar para crescer em nosso “CAMINHAR JUNTOS“? O Sínodo não é um parlamento, nem um levantamento de opiniões, mas um momento eclesial, e o protagonista do Sínodo é o Espírito Santo.

  • “O objetivo é garantir a participação do maior número possível, para ouvir a voz viva de todo o Povo de Deus”.
  • “Isso não é possível se não fizermos um esforço especial para alcançar ativamente as pessoas onde elas se encontram, aquelas que muitas vezes são excluídas ou não participam da vida da Igreja. Deve haver um foco claro no engajamento dos pobres, marginalizados, vulneráveis ​​e excluídos, para ouvir suas vozes e experiências.
  • “O processo sinodal deve ser simples, acessível e acolhedor para todos”.

No discurso de posse, o Papa oferece três palavras-chave: COMUNHÃO, PARTICIPAÇÃO e MISSÃO. O Concílio Vaticano II especificou que a comunhão exprime a própria natureza da Igreja e, ao mesmo tempo, afirmou que a Igreja recebeu a missão de anunciar o reino de Cristo e de Deus e de estabelecê-lo em todos os povos, e se constituir na terra o germe e o início desse reino. No corpo eclesial, o único ponto de partida, e não pode ser outro, é o BATISMO, nossa fonte de vida, do qual deriva uma dignidade idêntica de filhos de Deus, também na diferença de ministérios e carismas. Por isso, TODOS são chamados a participar na vida e na missão da Igreja.

O Sínodo oferece-nos uma grande oportunidade de conversão pastoral como chave missionária e também ecumênica, mas não nos isenta de riscos. E ele cita três deles:

  • O formalismo. Precisamos de instrumentos e estruturas que favoreçam o diálogo e a interação no Povo de Deus, especialmente entre sacerdotes e leigos. Às vezes, há certo elitismo na ordem sacerdotal que a separa dos leigos; e o padre no final se torna o “dono do espetáculo” e não o pastor de uma Igreja inteira que segue em frente. Isso exige que transformemos certas visões de cima para baixo, distorcidas e parciais da Igreja, do ministério sacerdotal, do papel dos leigos, das responsabilidades eclesiais, dos papéis governamentais, entre outros.
  • O Intelectualismo: converter o Sínodo em uma espécie de grupo de estudos, com intervenções cultas, porém abstratas sobre os problemas da Igreja e os males do mundo; uma espécie de “falar por falar”, distanciando-se da realidade do Santo Povo de Deus e da vida concreta das comunidades espalhadas pelo mundo.
  • E a tentação da imobilidade. É melhor não mudar, pois “sempre foi feito assim“. Quem se desloca neste horizonte, mesmo sem se dar conta, cai no erro de não levar a sério o tempo em que vivemos. O risco é que, no final, velhas soluções sejam adotadas para novos problemas.

E termina convidando-nos a viver esta ocasião de encontro, escuta e reflexão como um tempo de graça, que nos permite agarrar pelo menos três oportunidades:

  • ORIENTAR-NOS estruturalmente para uma Igreja sinodal, onde todos se sintam em casa e possam participar.
  • SER IGREJA que escuta o Espírito na adoração e na oração, e escuta os irmãos: as suas esperanças e as crises de fé nas várias partes do mundo, as urgências de renovação da vida pastoral e os sinais que vêm das realidades locais.
  • E SER UMA IGREJA de proximidade. Voltemos sempre ao estilo de Deus, o estilo de Deus é proximidade, compaixão e ternura, para que se estabeleçam maiores laços de amizade com a sociedade e com o mundo. Uma Igreja que não se separa da vida, mas se encarrega das fragilidades e da pobreza do nosso tempo, curando feridas e curando corações partidos com o bálsamo de Deus.

O Padre Congar recordou: “Não é necessário construir outra Igreja, mas, de certo modo, deve-se construir uma Igreja diferente”.

Convido você a rever o que está escrito aqui, a meditar e orar, dialogar, discernir…  contribuir com o que parece conveniente e mudar / nos converter!

Texto: Quique Martínez de la Lama-Noriega, cmf
Imagem: Vademecum-PT-FULL
Fontes:
CIUDAD REDONDA
SÍNODO 2021-2023