
Na correria desenfreada dos nossos dias, somos constantemente pressionados a produzir, entregar, cumprir metas. Vivemos como se o valor da vida estivesse nos resultados que apresentamos – e não no amor que oferecemos. No entanto, a liturgia do XVI Domingo do Tempo Comum nos propõe um caminho de retorno à essência: redescobrir as prioridades que verdadeiramente nos humanizam e dão sentido à existência.
A figura de Abraão, apresentada na Primeira Leitura (Gn 18,1-10a), é profundamente provocadora. Ele, homem já idoso e com uma vida estabelecida, não hesita em interromper seus afazeres para acolher três estranhos que surgem em sua tenda. Não calcula o tempo que “perde”, não mede esforços – oferece o melhor. Abraão nos ensina que a hospitalidade é uma forma sagrada de reconhecer a presença de Deus nas pessoas que cruzam o nosso caminho. Acolher o outro, escutar, servir – esses gestos, tão simples e tão esquecidos, têm um poder divino: restauram em nós a imagem de filhos do Altíssimo.
No Evangelho (Lc 10,38-42), duas irmãs vivem esse mesmo espírito de acolhida, cada uma à sua maneira. Marta se inquieta com os serviços, deseja dar o melhor ao Mestre. Maria, por sua vez, senta-se aos pés de Jesus e escuta. São atitudes complementares, mas Jesus indica que a escuta vem primeiro. Sem escuta, nossas ações se tornam vazias, sufocadas pela ansiedade e pelo ativismo. Quem age sem antes ouvir a Palavra corre o risco de fazer muito – e realizar pouco.
E Paulo, na Segunda Leitura (Cl 1,24-28), testemunha a radicalidade do discipulado. Para ele, viver é Cristo. Tudo o que faz, tudo o que sofre, está impregnado pelo desejo de anunciar o mistério de Deus revelado no Crucificado. Ele aponta para o centro de tudo: uma vida unida a Cristo é uma vida plena, mesmo em meio às tribulações.
Esta liturgia nos convida a parar. A ESCUTAR. A ACOLHER. E, sobretudo, a recentrar nossa vida em Cristo, a única fonte de sentido duradouro. Que não deixemos que a pressa nos roube o essencial: a presença de Deus que se revela na Palavra, no irmão, na partilha silenciosa e no amor vivido no cotidiano.
Leituras
Meu Senhor, não prossigas viagem, sem parar junto a mim, teu servo. Quantas vezes deixamos Deus passar à nossa porta, distraídos pela pressa, sem oferecer-Lhe o tempo que transforma encontros em bênçãos?
quando ele estava sentado à entrada da sua tenda,
no maior calor do dia.
Assim que os viu, correu ao seu encontro
e prostrou-se por terra.
peço-te que não prossigas viagem,
sem parar junto a mim, teu servo.
antes de continuar a viagem.
Pois foi para isso mesmo
que vos aproximastes do vosso servo”.
Eles responderam:
“Toma depressa três medidas da mais fina farinha,
amassa alguns pães e assa-os”.
e deu-o a um criado,
para que o preparasse sem demora.
e pôs tudo diante deles.
Abraão, porém, permaneceu de pé, junto deles,
debaixo da árvore, enquanto comiam.
“Está na tenda”, respondeu ele.
e Sara, tua mulher, já terá um filho”.
Palavra do Senhor.
Senhor, quem morará em vossa casa? Num mundo que valoriza aparências, Deus nos chama a habitar n’Ele com um coração sincero, onde justiça, verdade e amor não são discursos, mas o alicerce da vida.
R. Senhor, quem morará em vossa casa?
Jamais vacilará quem vive assim! R.
O mistério escondido por séculos e gerações, mas agora revelado aos seus santos. Cristo, nossa esperança gloriosa, rompe as trevas da história e nos convida a ser luz hoje, levando ao mundo esta verdade que liberta.
o que falta das tribulações de Cristo,
em solidariedade com o seu corpo, isto é, a Igreja.
de vos transmitir a palavra de Deus em sua plenitude:
a presença de Cristo em vós,
a esperança da glória.
com toda sabedoria,
para a todos tornar perfeitos em sua união com Cristo.
Palavra do Senhor.
Em meio ao barulho das tarefas e urgências modernas, ecoa o gesto eterno: Marta recebeu-o em sua casa. Maria escolheu a melhor parte, silêncio que abraça o essencial.
“Senhor, não te importas que minha irmã
me deixe sozinha, com todo o serviço?
Manda que ela me venha ajudar!”
e andas agitada por muitas coisas.
e esta não lhe será tirada”.
Palavra da Salvação.
Homilia
HOSPITALIDADE: UMA VIRTUDE EM TEMPOS DE GLOBALIZAÇÃO
Este domingo nos interpela profundamente sobre uma questão urgente e sensível dos nossos tempos: as fronteiras e a acolhida dos imigrantes, dos migrantes, dos refugiados, e até mesmo dos que vivem à margem da legalidade, os chamados “sem documentos”.
Dividiremos esta homilia em três momentos de contemplação:
- A hospitalidade: virtude essencial no mundo globalizado;
- A misteriosa hospitalidade de Abraão;
- Aprender a hospitalidade com Marta e Maria, em Betânia.

A HOSPITALIDADE: VIRTUDE ESSENCIAL NO MUNDO GLOBALIZADO
A hospitalidade é um elo sagrado que une quem acolhe e quem é acolhido. Anfitrião e hóspede definem-se mutuamente – um não existe sem o outro. Ainda que ausente, o hóspede pode chegar a qualquer momento, portando consigo o direito moral de ser recebido. E ao anfitrião cabe a nobre missão de abrir as portas, mesmo quando surpreendido.
A verdadeira hospitalidade nasce de um profundo compromisso ético: o de reconhecer e acolher o outro – seja ele quem for – sem condições, sem preconceitos. Em diversas culturas, o hóspede é tratado com reverência e mistério. Não se questiona sua origem ou identidade: ele representa a totalidade da humanidade.
Há quem veja no estrangeiro um deus disfarçado, um anjo oculto, ou um sinal do divino. Religiões e mitos antigos nos ensinam que os deuses se apresentam sob a forma de forasteiros pedindo ajuda. Assim, ao acolhermos o estranho, honramos o que há de mais elevado na humanidade e tocamos o sagrado.
É por isso que a Carta aos Hebreus nos lembra: “Alguns, sem saber, hospedaram anjos” (Hb 13,2). A hospitalidade, então, torna-se um lugar teológico onde o outro é recebido como uma presença santa e misteriosa.
A MISTERIOSA HOSPITALIDADE DE ABRAÃO
Abraão, nosso pai na fé, é o arquétipo da hospitalidade. Sob o sol escaldante do meio-dia, quando ninguém esperava visitas, ele avista três estranhos. Corre ao encontro deles, curva-se ao chão e insiste para que permaneçam e aceitem sua hospitalidade.
Com generosidade, prepara-lhes alimento e descanso. Ao acolhê-los, algo em seu coração reconhece que ali há mais do que simples viajantes. Ele percebe um mistério divino escondido na presença daqueles homens. E assim, a tenda de Abraão se torna morada de Deus.
ACOLHER JESUS, O MISTERIOSO FILHO DE DEUS
Os séculos se passaram, e a humanidade recebeu uma visita singular: o Filho de Maria, o Filho de Deus. Muitos o rejeitaram e até o condenaram à morte. Outros, porém, o acolheram com fé e reverência. E “a todos os que o receberam, deu-lhes o poder de se tornarem filhos de Deus” (Jo 1,12).
A atitude das irmãs Marta e Maria, em Betânia, é paradigmática. Marta expressa a hospitalidade com diligência e serviço, preocupando-se com os detalhes da casa. Maria, por sua vez, senta-se aos pés de Jesus e contempla. E Jesus, com ternura, revela o que mais desejava ali: não tanto ser servido, mas ser acolhido.
“Maria escolheu a melhor parte, e esta não lhe será tirada” (Lc 10,42) — pois sua escuta silenciosa era verdadeira hospitalidade espiritual.
Com o tempo, Marta também compreende esse mistério. Quando Jesus se aproxima de Betânia após a morte de Lázaro, é ela quem vai ao seu encontro com pressa e fé ardente. Marta o acolhe com palavras de esperança, enquanto Maria, dilacerada pela dor, permanece em casa.
CONCLUSÃO
A hospitalidade cristã não se reduz à gentileza social – ela é um reflexo do amor divino. É acolher o outro como se fosse o próprio Cristo. É oferecer pão ao faminto, abrigo ao estrangeiro, dignidade ao invisível. É viver concretamente o mandamento do amor ao próximo (Jo 13,34-35).
Nestes tempos de muros erguidos e corações endurecidos, somos chamados a ser IGREJA DE PORTAS ABERTAS, tenda de Abraão no meio do deserto moderno. Pois sempre que acolhemos um irmão necessitado, é o próprio Cristo que se deixa encontrar: “Estive com fome, e me destes de comer… era estrangeiro, e me recebestes em casa” (Mt 25,35).
Neste XVI Domingo do Tempo Comum, aprendamos de Abraão, Marta e Maria o dom da hospitalidade. Que nossas casas e comunidades sejam espaços onde o outro encontre não apenas abrigo, mas também reconhecimento, dignidade e amor.
Texto: JOSÉ CRISTO REY GARCÍA PAREDES
Fonte: ECOLOGÍA DEL ESPÍRITU
Este artigo foi produzido com a assistência de ferramentas de inteligência artificial.