
Hoje, celebramos algo que ultrapassa o simples ritual: a Eucaristia não é apenas um símbolo, mas um encontro. Quando recebemos o Corpo e o Sangue de Cristo, não estamos apenas cumprindo uma tradição – estamos abrindo as portas do nosso ser para que o próprio Deus faça morada em nós. E isso muda tudo.
Imagine um alimento que não só sacia a fome do corpo, mas que ressignifica a vida. É isso que Jesus nos oferece: Sua própria existência, partilhada até as últimas consequências. Os gestos da Última Ceia – o partir do pão, o repartir o vinho – não foram apenas um momento de despedida, mas um projeto de existência. Quem se alimenta d’Ele é chamado a viver como Ele: partindo-se, partilhando-se, doando-se.
A Primeira Leitura (Gn 14,18-20) nos apresenta Melquisedec, figura misteriosa, rei e sacerdote, que abençoa Abraão com pão e vinho. Por que esse detalhe importa? Porque ali, séculos antes de Cristo, já se desenhava um convite sagrado: Deus não quer ser adorado apenas com sacrifícios de animais, mas com comunhão. Melquisedec prefigura Jesus, o Sacerdote eterno que não oferece algo externo a Si mesmo, mas o próprio Corpo e Sangue.
E então, no Evangelho (Lc 9,11b-17), vemos Jesus multiplicando pães e peixes. Mas repare: Ele não realiza um milagre do nada – pede aos discípulos que ofereçam o pouco que têm. É assim que Deus age: Ele não ignora nossa fragilidade, mas a transforma em abundância. Aquele “lugar deserto” onde a multidão era alimenta é metáfora do nosso mundo: árido de esperança, faminto de sentido. E a resposta de Jesus? Sentar-se à mesa com os pecadores, os esquecidos, os que não têm lugar.
Paulo, na Segunda Leitura (1Cor 11,23-26), é direto: não dá para receber Cristo e continuar vivendo como se Ele não importasse. A Eucaristia não é um ato privado de piedade – é um grito de revolução. Se comemos do mesmo pão, como ousamos manter divisões? Se bebemos do mesmo cálice, como toleramos a injustiça contra os pobres?
Há uma incoerência trágica em quem se aproxima do altar com as mãos cheias de devoção, mas o coração vazio de amor fraterno. A Eucaristia exige que nossas vidas se tornem um reflexo daquele Pão partido: quanto mais nos damos, mais nos tornamos Cristo.
Hoje, Jesus nos pergunta, como perguntou a Pedro: “Tu me amas?”. E o amor, sabemos, não se prova com palavras, mas com gestos concretos. Ao estender a mão para receber a Hóstia, estamos também assumindo um compromisso: viver para os outros, como Ele viveu.
Que esta Solenidade não seja apenas uma celebração, mas um despertar. Porque o mesmo Jesus que um dia se fez pão para ser consumido por nós, hoje nos chama a nos tornarmos pão—para um mundo que ainda tem fome d’Ele.
E a pergunta que fica é: Como você vai responder a esse convite?
Leituras
“Melquisedeque, rei de Salém, trouxe pão e vinho” — gesto que ecoa pelos séculos, recordando que, em meio às batalhas da vida, Deus sempre oferece sustento, consolo e aliança para nossa caminhada.
criador do céu e da terra!
E Abrão entregou-lhe o dízimo de tudo.
Palavra do Senhor.
“Tu és sacerdote eternamente segundo a ordem do rei Melquisedec!” – chamado que atravessa os tempos, lembrando-nos que, mesmo em meio à fragilidade humana, Deus consagra vidas para irradiar amor, justiça e misericórdia sem fim.
R. Tu és sacerdote eternamente *
segundo a ordem do rei Melquisedec!
1 Palavra do Senhor ao meu Senhor: *
“Assenta-te ao lado meu direito
até que eu ponha os inimigos teus *
como escabelo por debaixo de teus pés!” R.
2 O Senhor estenderá desde Sião †
vosso cetro de poder, pois Ele diz: *
“Domina com vigor teus inimigos; R.
3 tu és príncipe desde o dia em que nasceste; †
}na glória e esplendor da santidade, *
como o orvalho, antes da aurora, eu te gerei!” R.
segundo a ordem do rei Melquisedec!” R.
“Todas as vezes que comerdes e beberdes, estareis proclamando a morte do Senhor” — convite eterno que transforma a mesa em altar, onde cada partilha se torna memória viva do amor que vence a morte e gera esperança.
o Senhor Jesus tomou o pão
Fazei isto em minha memória”.
“Este cálice é a nova aliança, em meu sangue.
Todas as vezes que dele beberdes,
fazei-o em minha memória”.
estareis proclamando a morte do Senhor,
até que ele venha.
Palavra do Senhor.
louva teu pastor e guia
com teus hinos, tua voz!
Tanto possas, tanto ouses,
em louvá-lo não repouses:
sempre excede o teu louvor!
Hoje a Igreja te convida:
ao pão vivo que dá vida
vem com ela celebrar!
Este pão, que o mundo o creia!
por Jesus, na santa ceia,
foi entregue aos que escolheu.
Nosso júbilo cantemos,
nosso amor manifestemos,
pois transborda o coração!
Quão solene a festa, o dia,
nos recorda a instituição!
Novo Rei e nova mesa,
nova Páscoa e realeza,
foi-se a Páscoa dos judeus.
Era sombra o antigo povo,
o que é velho cede ao novo:
foge a noite, chega a luz.
O que o Cristo fez na ceia,
manda à Igreja que o rodeia
repeti-lo até voltar.
Seu preceito conhecemos:
pão e vinho consagremos
para nossa salvação.
Faz-se carne o pão de trigo,
faz-se sangue o vinho amigo:
deve-o crer todo cristão.
Se não vês nem compreendes,
gosto e vista tu transcendes,
elevado pela fé.
Pão e vinho, eis o que vemos;
mas ao Cristo é que nós temos
em tão ínfimos sinais…
Alimento verdadeiro,
permanece o Cristo inteiro
quer no vinho, quer no pão.
É por todos recebido,
não em parte ou dividido,
pois inteiro é que se dá!
Um ou mil comungam dele,
tanto este quanto aquele:
multiplica-se o Senhor.
Dá-se ao bom como ao perverso,
mas o efeito é bem diverso:
vida e morte traz em si…
Pensa bem: igual comida,
se ao que é bom enche de vida,
traz a morte para o mau.
Eis a hóstia dividida…
Quem hesita, quem duvida?
Como é toda o autor da vida,
a partícula também.
Jesus não é atingido:
o sinal é que é partido;
mas não é diminuído,
nem se muda o que contém.
**
Eis o pão que os anjos comem
transformado em pão do homem;
só os filhos o consomem:
não será lançado aos cães!
Em sinais prefigurado,
por Abraão foi imolado,
no cordeiro aos pais foi dado,
no deserto foi maná…
Bom pastor, pão de verdade,
piedade, ó Jesus, piedade,
conservai-nos na unidade,
extingui nossa orfandade,
transportai-nos para o Pai!
Aos mortais dando comida,
dais também o pão da vida;
que a família assim nutrida
seja um dia reunida
aos convivas lá do céu!
“Todos comeram e ficaram satisfeitos” – sinal divino que atravessa os tempos, revelando que, quando acolhemos Jesus e partilhamos com amor, a graça transborda, saciando não só o corpo, mas também a alma sedenta.
e curava todos os que precisavam.
e disseram:
para que possa ir aos povoados e campos vizinhos
procurar hospedagem e comida,
pois estamos num lugar deserto”.
Eles responderam:
A não ser que fôssemos comprar comida
para toda essa gente”.
“Mandai o povo sentar-se em grupos de cinquenta”.
e os deu aos discípulos para distribuí-los à multidão.
dos pedaços que sobraram.
Palavra da Salvação.
Homilia
CORPUS CHRISTI: O que estamos fazendo com a Eucaristia?

Os primeiros cristãos se sentiram profundamente responsáveis por transmitir, com total fidelidade, às gerações futuras o mistério e a celebração da Eucaristia. E nós… também hoje somos chamados a esse mesmo compromisso. Contudo, será que não é verdade que, ao longo do caminho da tradição, elementos estranhos, que não fazem parte dos seus autênticos fundamentos, foram sendo introduzidos? A Eucaristia, então, corre o risco de ser “desfigurada”, a ponto de, em certos contextos, tornar-se até “irreconhecível”.
Diante desse desafio, proponho que nossa reflexão se organize em três momentos profundamente iluminadores, que nos ajudem a redescobrir, contemplar e viver, de forma plena, este mistério de amor:
- A Eucaristia prefigurada
- A Eucaristia desfigurada
- Quando a Eucaristia é verdadeiramente celebrada
A EUCARISTIA PREFIGURADA
Na primeira leitura do Gênesis, nos é apresentada uma figura enigmática e profundamente simbólica: Melquisedec, rei de Salém – rei da paz. Ele era sacerdote do Deus Altíssimo, Criador do céu e da terra. Sua bênção se manifestava por meio de uma oferta singular, feita de “PÃO E VINHO” (Gn 14,18). Abraão, reconhecendo nele um sacerdote legítimo de Deus, se inclinou diante dele em sinal de reverência e lhe ofereceu o dízimo de tudo o que possuía.
O Salmo 109(110) e a Carta aos Hebreus resgatam essa misteriosa figura, apresentando-a como uma prefiguração do Messias-Sacerdote: aquele que viria como rei da paz, oferecendo não sacrifícios de animais, mas PÃO E VINHO, sinais de comunhão, aliança e vida. É Jesus, o verdadeiro Messias, que na Última Ceia oferece o pão e o vinho; antes, nas Bodas de Caná, multiplica o vinho (Jo 2,1-11); depois, no deserto, multiplica os pães para saciar a multidão (Lc 9,11b-17).
O sacerdócio do pão e do vinho é a chave para penetrarmos no coração do mistério que hoje celebramos na Solenidade do Santíssimo Corpo e Sangue de Cristo — Corpus Christi. O grande e único sacerdote de cada Eucaristia é Jesus, nosso Messias, nosso Rei da Paz. É Ele quem preside, quem parte o pão e quem se entrega. Como nos recorda São Paulo na sua carta: é a “Ceia do Senhor” (1Cor 11,23-26), não a ceia do papa, nem do bispo, tampouco de qualquer presbítero. Portanto, não desviemos nossa atenção; jamais releguemos Jesus a um segundo plano! Ele é e sempre será o centro, a fonte e o ápice de toda Eucaristia, da nossa fé e da nossa vida.
A EUCARISTIA DESFIGURADA
A Eucaristia – instituída por Jesus – sofre uma grave deformação quando se transforma em palco de protagonismos humanos, seja por parte dos celebrantes, seja dos fiéis. A Eucaristia é, antes de tudo, “um encontro que estremece a alma com o Deus que nos visita”. Não é um espetáculo teatral, tampouco um espaço para discursos vazios ou debates acadêmicos. A Eucaristia é o lugar sagrado do encontro com Deus-Trindade, o espaço da adoração verdadeira e da experiência viva com o Ressuscitado, que transforma vidas.
Quando o clericalismo se apropria da celebração, ele sequestra o mistério. Quando o laicato busca o protagonismo, trivializa-o. A Eucaristia não pode ser reduzida a um ritual humano que agrada aos nossos gostos ou preferências. Ela deve ser sempre o espaço onde Deus irrompe, se faz presente, se entrega e transforma. Como bem recorda o Papa Francisco: “Os excessos litúrgicos nascem de um personalismo exagerado.”
Hoje, a Eucaristia volta a ser tema de debate. Não mais, como no final do século passado, por questões estritamente teológicas, mas, sobretudo, pelo “modo” como ela é celebrada e vivida. Somos urgentemente chamados a retornar à Eucaristia “autêntica”, à Eucaristia da Páscoa, que nasce do Cristo vivo e ressuscitado, e não a modelos desgastados, carregados de formalismos e vaidades. Modelos que se assemelham mais às dinâmicas do poder, da estética midiática e dos impérios institucionais, do que ao Cristo de Nazaré – pobre entre os pobres, marginalizado entre os marginalizados, Senhor da vida, vencedor da morte pela força da ressurreição.
QUANDO A EUCARISTIA É VERDADEIRAMENTE CELEBRADA
Quando celebramos a Eucaristia “do Senhor”, tudo se torna transparente à sua presença. Na assembleia, não há primeiros nem últimos, não há hierarquias, nem distinções entre homens e mulheres: o Senhor nos envolve a todos com sua luz, está no meio de nós – “O Senhor esteja convosco… Ele está no meio de nós”. Nesse instante, a Palavra de Deus resplandece e ofusca qualquer palavra humana. O Senhor se faz presente na Palavra proclamada.
Quando celebramos a Eucaristia “do Corpo e Sangue do Senhor”, tudo aquilo que não é essencial perde a importância: não importam os corpos que se movem, as idas e vindas dos ministros, os lugares que ocupam, como estão vestidos, que gestos realizam, como canta o coro, que instrumentos são tocados, quem leva as oferendas ou faz as leituras. Nesse momento sagrado, somente o Corpo e o Sangue do Senhor merecem nossa adoração, nossa contemplação, nosso mais profundo amor e reverência. É então que se revela, de forma nova e luminosa, que todos nós, sem exceção e em perfeita comunhão, somos o Corpo de Cristo. Somente a totalidade — o corpo reunido na unidade — é verdadeiramente sagrada.
Quando celebramos a Eucaristia, “Deus está aqui… o Amor dos amores”. Sua presença real ilumina tudo, aquece o coração e desperta a missão. A comunhão se fortalece. Começamos, verdadeiramente, a ser um só coração, uma só alma, vivendo tudo em comum. Comungar Jesus se torna um presente imerecido, um mergulho na comunhão com o Todo. Comungamos a Palavra, o Corpo e o Sangue — trindade de um dom capaz de nos fazer entrar no mais belo dos Mistérios.
E então, diante dessa verdade tão sublime, surge uma pergunta que ecoa dentro de nós: O que estamos fazendo de nossa celebração eucarística? Este é um dia grandioso para refletir, discernir… e, se for necessário, mudar.
CONCLUSÃO
Que a Solenidade do Santíssimo Corpo e Sangue de Cristo nos leve a redescobrir a beleza, a centralidade e a profundidade da Eucaristia. Que possamos celebrar não um rito esvaziado, nem um palco de vaidades, mas um verdadeiro encontro transformador com o Senhor Ressuscitado, que se faz pão partido e vinho de salvação para todos. Que Jesus, e somente Ele, seja sempre o centro, a razão e o sentido da nossa fé e da nossa vida.55
Texto: JOSÉ CRISTO REY GARCÍA PAREDES
Fonte: ECOLOGÍA DEL ESPÍRITU
Este artigo foi produzido com a assistência de ferramentas de inteligência artificial.