Sejam todos bem-vindos à celebração da Solenidade do Santíssimo Corpo e Sangue de Cristo, conhecida tradicionalmente como Corpus Christi. Hoje, a Igreja nos convida a refletir sobre o mistério da Eucaristia, o sacramento no qual Cristo se faz presente de maneira real e substancial entre nós, sob as espécies do pão e do vinho.
As leituras de hoje nos conduzem a uma compreensão mais profunda deste mistério. Na primeira leitura, do Livro do Êxodo (Êx 24,3-8), vemos Moisés selando a aliança entre Deus e o povo de Israel com o sangue dos sacrifícios. Este sangue, símbolo da vida, prefigura a nova e eterna aliança que será selada com o sangue de Cristo, derramado por todos nós.
O Salmo 115 nos chama a elevar o cálice da salvação, reconhecendo a bondade e a misericórdia do Senhor. “Que poderei retribuir ao Senhor Deus por tudo aquilo que Ele fez em meu favor?” (Sl 115,12). Este cântico de ação de graças nos prepara para a profundidade do sacrifício eucarístico.
Na segunda leitura, da Carta aos Hebreus (Hb 9,11-15), o autor destaca que Cristo é o sumo sacerdote da nova aliança, oferecendo-se de uma vez por todas, não com o sangue de bodes e bezerros, mas com o Seu próprio sangue, obtendo para nós uma redenção eterna. Este ato supremo de amor é o coração da Eucaristia, onde somos convidados a participar de seu sacrifício redentor.
No Evangelho de São Marcos (Mc 14,12-16.22-26), encontramos o relato da Última Ceia, onde Jesus institui a Eucaristia. “Tomai, isto é o meu corpo. Este é o meu sangue, o sangue da nova aliança, derramado por muitos” (Mc 14,22-24). Estas palavras de Cristo não são apenas um convite à memória, mas uma participação viva em Seu corpo e sangue, nutrindo-nos espiritualmente e unindo-nos como Igreja.
Que possamos, ao celebrar esta solenidade, renovar nossa fé e gratidão pelo dom da Eucaristia, reconhecendo nela a presença real de Cristo que nos sustenta e nos fortalece em nossa caminhada de fé. Que o Corpo e o Sangue de Cristo sejam sempre o centro de nossa vida cristã, fonte de amor, unidade e transformação.
Leituras
ESTE É O SANGUE DA ALIANÇA QUE O SENHOR ESTABELECEU CONOSCO.
Essa frase nos lembra da profunda conexão entre Deus e a humanidade,
representada pelo sangue de Cristo. É um convite à reflexão sobre nossa
própria aliança com o Pai e nosso compromisso de viver segundo Seus mandamentos.
O povo respondeu em coro:
“Faremos tudo o que o Senhor nos disse”.
ergueu ao pé da montanha
um altar e doze marcos de pedra
pelas doze tribos de Israel.
como sacrifícios pacíficos ao Senhor.
“Faremos tudo o que o Senhor disse e lhe obedeceremos”.
“Este é o sangue da aliança, que o Senhor fez convosco,
segundo todas estas palavras”.
Palavra do Senhor.
ELEVO O CÁLICE DA MINHA SALVAÇÃO, INVOCANDO O NOME SANTO DO SENHOR.
Nesta frase, encontramos uma profunda expressão de gratidão e comunhão. Ao elevar o cálice, somos convidados a lembrar do sacrifício de Cristo, que se entregou por nós. O nome santo do Senhor é invocado, e nossa alma se une em louvor e adoração.
Elevo o cálice da minha salvação,
invocando o nome santo do Senhor.
12 Que poderei retribuir ao Senhor Deus*
por tudo aquilo que ele fez em meu favor?
13 Elevo o cálice da minha salvação,*
invocando o nome santo do Senhor. R.
15 É sentida por demais pelo Senhor*
a morte de seus santos, seus amigos.
16b Eis que sou o vosso servo, ó Senhor, †
que nasceu de vossa serva;*
c mas me quebrastes os grilhões da escravidão! R.
17 Por isso oferto um sacrifício de louvor,*
invocando o nome santo do Senhor.
18 Vou cumprir minhas promessas ao Senhor *
na presença de seu povo reunido. R.
O SANGUE DE CRISTO PURIFICARÁ A NOSSA CONSCIÊNCIA.
Nesta frase, encontramos uma profunda expressão de redenção e transformação.
O sangue de Cristo, derramado por amor, é o remédio para nossas almas manchadas pelo pecado. Ao contemplar essas palavras, somos convidados a refletir sobre a purificação que recebemos através da Eucaristia e a renovar nosso compromisso de servir ao Deus vivo.
que não é obra de mãos humanas,
isto é, que não faz parte desta criação,
ele entrou no Santuário uma vez por todas,
obtendo uma redenção eterna.
os santifica e realiza a pureza ritual dos corpos,
para servirmos ao Deus vivo,
pois, em virtude do espírito eterno,
Cristo se ofereceu a si mesmo a Deus
como vítima sem mancha.
cometidas no decorrer da primeira aliança.
E, assim, aqueles que são chamados
recebem a promessa da herança eterna.
Palavra do Senhor.
Terra, exulta de alegria,
louva teu pastor e guia
com teus hinos, tua voz!
Tanto possas, tanto ouses,
em louvá-lo não repouses:
sempre excede o teu louvor!
Hoje a Igreja te convida:
ao pão vivo que dá vida
vem com ela celebrar!
Este pão, que o mundo o creia!
Por Jesus, na santa ceia,
foi entregue aos que escolheu.
Nosso júbilo cantemos,
nosso amor manifestemos,
pois transborda o coração!
Quão solene a festa, o dia,
que da santa Eucaristia
nos recorda a instituição!
Novo Rei e nova mesa,
nova Páscoa e realeza,
foi-se a Páscoa dos judeus.
Era sombra o antigo povo,
o que é velho cede ao novo:
foge a noite, chega a luz.
O que o Cristo fez na ceia,
manda à Igreja que o rodeia
repeti-lo até voltar.
Seu preceito conhecemos:
pão e vinho consagremos
para nossa salvação.
Faz-se carne o pão de trigo,
faz-se sangue o vinho amigo:
deve-o crer todo cristão.
Se não vês nem compreendes,
gosto e vista tu transcendes,
elevado pela fé.
Pão e vinho, eis o que vemos;
mas ao Cristo é que nós temos
em tão ínfimos sinais.
Alimento verdadeiro,
permanece o Cristo inteiro
quer no vinho, quer no pão.
É por todos recebido,
não em parte ou dividido,
pois inteiro é que se dá!
Um ou mil comungam dele,
tanto este quanto aquele:
multiplica-se o Senhor.
Dá-se ao bom como ao perverso,
mas o efeito é bem diverso:
vida e morte traz em si.
Pensa bem: igual comida,
se ao que é bom enche de vida,
traz a morte para o mau.
Eis a hóstia dividida…
Quem hesita, quem duvida?
Como é toda o autor da vida,
a partícula também.
Jesus não é atingido:
o sinal é que é partido;
mas não é diminuído,
nem se muda o que contém.
** Eis o pão que os anjos comem
transformado em pão do homem;
só os filhos o consomem:
não será lançado aos cães!
Em sinais prefigurado,
por Abraão foi imolado,
no cordeiro aos pais foi dado,
no deserto foi maná.
Bom pastor, pão de verdade,
piedade, ó Jesus, piedade,
conservai-nos na unidade,
extingui nossa orfandade,
transportai-nos para o Pai!
Aos mortais dando comida,
dais também o pão da vida;
que a família assim nutrida
seja um dia reunida
aos convivas lá do céu!
ISTO É MEU CORPO. ISTO É MEU SANGUE.
Nesta breve e profunda afirmação, Jesus revela todo o seu amor pelos homens e o seu desejo de saciá-los com o verdadeiro alimento: a sua própria vida.
O Pão da Vida, o corpo entregue, e o sangue derramado como sangue da Aliança.
Comungar é ser alimentado pela vida de Jesus, enriquecido pelas
suas próprias forças e capaz do seu amor.
quando se imolava o cordeiro pascal,
os discípulos disseram a Jesus:
“Onde queres que façamos os preparativos
para comeres a Páscoa?”
Um homem carregando um jarro de água
virá ao vosso encontro. Segui-o
em que vou comer a Páscoa com os meus discípulos?’
Aí fareis os preparativos para nós!”
e prepararam a Páscoa.
partiu-o e entregou-lhes, dizendo:
“Tomai, isto é o meu corpo”.
que é derramado em favor de muitos.
até o dia em que beberei o vinho novo
no Reino de Deus”.
Palavra da Salvação.
Homilia
A FESTA DA ANTI-VIOLÊNCIA – CORPUS CHRISTI
Hoje é o dia do “Corpus Christi”, uma celebração que honra o Corpo de Cristo. No entanto, as leituras da liturgia nos conduzem a uma reflexão profunda sobre “o Sangue de Cristo Jesus”. Curiosamente, a liturgia apresenta esse sangue como “sangue da Aliança”, a própria essência do Corpo entregue.
Vamos desmembrar essa homilia em quatro partes significativas:
- O Sangue Invisível – O sangue de Cristo é frequentemente associado à redenção e à vida eterna. No entanto, ele permanece invisível aos nossos olhos físicos. Como podemos compreender sua importância e significado? Talvez seja através da fé e da contemplação que podemos perceber sua presença transformadora.
- Vítima da Violência em Seu Corpo – A imagem de Cristo crucificado nos lembra da violência que ele sofreu em seu corpo físico. A coroa de espinhos, os cravos nas mãos e nos pés – tudo isso representa o sacrifício supremo. Mas essa violência não foi apenas física; também foi espiritual. Ele carregou o peso dos pecados da humanidade, uma carga que nenhum ser humano poderia suportar.
- Corpo que incorpora – O Corpo de Cristo, representado na Eucaristia, é mais do que um símbolo. É uma presença real e misteriosa. Quando comungamos, incorporamos esse mistério em nós mesmos. Somos chamados a ser o corpo de Cristo no mundo – a amar, perdoar e servir como ele fez.
- A Festa da Não-Violência – O paradoxo é que, embora a liturgia nos leve a refletir sobre a violência sofrida por Cristo, também nos convida a celebrar a não-violência. A Eucaristia é um convite para vivermos em paz, reconciliando-nos com Deus e uns com os outros. É uma festa que nos desafia a buscar a paz em um mundo marcado por conflitos e divisões.
Que possamos contemplar profundamente o mistério do Corpo e Sangue de Cristo, encontrando nele a esperança, a cura e a transformação.
O SANGUE INVISÍVEL
Em nosso corpo, o sangue é invisível. O Criador o fez como um rio oculto para a vida, que flui por nossas artérias, veias e capilares. A presença do sangue se manifesta em seus efeitos: o bom tom de pele, a vitalidade corporal. O sangue é um tecido líquido que percorre nosso corpo, transportando células e todos os elementos essenciais para funções complexas e vitais, como respirar, formar substâncias e nos defender contra agressões. No entanto, somente quando ocorre uma ruptura – seja por acidente ou violência – é que o sangue se torna visível.
Aqui, a metáfora do sangue invisível nos lembra da complexidade e da beleza da vida. Assim como o sangue flui silenciosamente em nosso interior, muitas vezes ignoramos as maravilhas que nos sustentam. Afinal, quantas vezes paramos para apreciar a respiração constante, o funcionamento perfeito de nossos órgãos ou a incrível capacidade do nosso corpo de se curar?
Mas há um momento em que o sangue se torna visível de maneira dramática: o momento em que Jesus derramou seu sangue na cruz. Na última Ceia, ele compartilhou o cálice com seus discípulos, dizendo: ‘Tomem e bebam todos, pois este é o cálice do meu Sangue, Sangue da Nova e Eterna Aliança, derramado para o perdão dos pecados’. Nesse momento terrível e violento, o sangue de Jesus se tornou visível, marcando o início do processo de sua morte.
Essa imagem nos convida a refletir sobre o sacrifício e a redenção. O sangue de Jesus, antes invisível, agora se torna um símbolo poderoso de amor, perdão e esperança. Ele nos lembra que, mesmo nas situações mais sombrias, há uma promessa de renovação e vida. Assim como o sangue flui em nossas veias, a graça de Deus flui em nossas almas, nos lembrando de que somos amados e perdoados.
VÍTIMA DA VIOLÊNCIA EM SEU CORPO
Nesse poderoso trecho, Jesus expressa sua autoridade sobre sua própria vida e morte. Ele não é uma vítima indefesa, mas alguém que voluntariamente oferece sua vida. Essa declaração desafia nossa compreensão convencional de poder e sacrifício.
Autoridade sobre a Vida e a Morte – Jesus afirma que ninguém pode tirar sua vida sem sua permissão. Ele tem o poder de entregar-se voluntariamente à morte. Essa autoridade transcende as limitações humanas e revela sua divindade. Jesus não é apenas um homem; ele é o Filho de Deus.
Propósito do Sacrifício – Jesus escolheu se tornar vítima da violência humana. Sua morte na cruz não foi um acidente ou um evento trágico, mas parte de um plano divino. Ele estava disposto a sofrer para cumprir a Aliança entre Deus e a humanidade. Sua morte trouxe reconciliação e redenção.
Simbolismo do Corpo e Sangue – O trecho menciona que seu corpo foi privado violentamente de seu alimento, o sangue. Aqui, o corpo e o sangue de Jesus se tornam símbolos poderosos. O pão e o vinho da Eucaristia representam essa oferta sacrificial.
Aliança Restabelecida – A Aliança é um pacto entre Deus e seu povo. Jesus, como o novo Adão, restaura essa relação quebrada pelo pecado original. Sua morte e ressurreição abrem o caminho para a reconciliação com Deus e a vida eterna.
Ao refletir sobre essas palavras, somos convidados a considerar nosso próprio relacionamento com Deus. Jesus não apenas morreu por nós, mas também nos convida a participar dessa Aliança renovada através da fé nele. Sua autoridade sobre a vida e a morte nos desafia a reavaliar nossa compreensão do sacrifício e do amor divino
CORPO QUE INCORPORA
Jesus quis que Seu Corpo se estendesse. Ele nos incorporou ao Seu Corpo. Continuamente, Ele incorpora seres humanos, de modo que somos ‘SEU CORPO’, e Seu corpo somos nós. No entanto, esse Corpo coletivo ainda é violentado, e o sangue continua a ser derramado. Que paradoxo o preço da Aliança! Mas reconheçamos que o sangue derramado é ‘sangue de Cristo’, e os corpos violentados, torturados e crucificados são o ‘corpo de Cristo’. Portanto, eles são sangue e corpo da Aliança.
Aqueles que violentam o corpo dos outros e derramam sangue são verdugos e demônios que tornam a terra inabitável. O sangue que os violentos derramam é o sangue de Cristo. Os corpos que os violentos abatem são o corpo de Cristo. E não apenas o terror, mas também a violência doméstica e urbana, a violência policial e militar… E não devemos esquecer! Também a violência da fome, da pobreza extrema e a violência contra a vida humana indesejada no aborto e contra a vida terminal na eutanásia. E descobrimos que… há muitas mãos manchadas de sangue! Demasiadas.
Este texto é profundamente reflexivo e nos convida a considerar a conexão entre a violência e a humanidade. A imagem de Jesus incorporando a todos nós em Seu Corpo coletivo é poderosa. Ela nos lembra que, quando um ser humano sofre, todo o corpo sofre. A violência, seja física, emocional ou sistêmica, afeta a todos nós.
Podemos destacar a ironia da “Aliança” – o pacto sagrado – que é selado com sangue. O sangue derramado, seja por violência física ou pela negligência das necessidades básicas, é identificado como “sangue de Cristo”. Isso nos desafia a ver a humanidade como um todo, a reconhecer nossa responsabilidade mútua e a lutar contra a violência em todas as suas formas.
A menção à violência da fome, da pobreza extrema e a violência contra a vida humana não-desejada (aborto) e terminal (eutanásia) amplia o escopo da reflexão. Essas formas de violência também mancham nossas mãos e exigem uma resposta coletiva.
Em resumo, somos convidados a olhar além das aparências e a reconhecer a humanidade compartilhada em todos nós. Ele nos desafia a agir contra a violência e a trabalhar pela paz e justiça. Uma mensagem impactante e relevante para os tempos atuais.
A FESTA DA NÃO-VIOLÊNCIA
A festa de Corpus Christi é a festa da Não-violência, do respeito à vida e aos corpos humanos. É a festa que tenta manter o sangue vivificante. O Corpo do Senhor é adorado quando se renuncia a qualquer forma de violência, quando a violência não é incitada, quando a paz e os sentimentos de hospitalidade são difundidos a todos.
Há apenas um caso em que o sangue aparece! A mulher sabe disso. É o sangue preparado para acolher a semente da vida, é o sangue da hospitalidade, da espera. É o sangue do parto. Que grande símbolo para compreender a oferta do Corpo e Sangue de Jesus! Não foi em vão que ele viu a tradição da Igreja no lado de Jesus crucificado, trespassado pela lança, de onde fluíam sangue e água, a dimensão mais feminina e materna de Nosso Senhor: daquele sangue e dessa água fluem os sacramentos e a Igreja. Só assim a violência é derrotada, pouco a pouco. Todos os tipos de violência! Porque a violência não pode ser derrotada com outra violência. Um demônio não expulsa outro demônio.
Texto: JOSÉ CRISTO REY GARCÍA PAREDES, CMF
Fonte: ECOLOGÍA DEL ESPÍRITU