
A Quinta-feira Santa não é apenas uma data no calendário litúrgico; é o umbral onde o amor divino se torna gesto humano, onde o infinito se curva para tocar o frágil. Enquanto as sombras da noite se estendiam sobre Jerusalém, Jesus reuniu seus discípulos para uma ceia que seria muito mais que uma despedida: seria o testamento de um amor sem medida, a inauguração de um novo modo de existir. Ali, entre o silêncio carregado de significado e as palavras que ecoariam pela eternidade, Ele lavou os pés dos seus amigos — não como um ritual vazio, mas como um manifesto revolucionário. Se o mundo define grandeza como domínio, Jesus a redefine como serviço. Se a religião, muitas vezes, se contenta com ritos exteriores, Ele revela que o culto mais sagrado é o amor que se faz carne em gestos concretos.
A Última Ceia é um mistério de paradoxos: é uma refeição de despedida, mas também de permanência; é um momento de profunda tristeza, mas também de esperança indestrutível. Jesus, sabendo que a traição já circulava entre os seus, não recua. Pelo contrário, aprofundou sua entrega. Instituiu a EUCARISTIA, transformando pão e vinho em sinais eternos de sua presença: “Isto é o meu corpo… isto é o meu sangue“. Naquele instante, o sacrifício do Calvário já estava antecipado no gesto de quem parte o pão e o oferece. Não era mais o cordeiro pascal que selava a aliança, mas o próprio Cordeiro de Deus, pronto a ser imolado. E no meio dessa revelação vertiginosa, Ele deixa um mandamento que seria a marca registrada de seus discípulos: “Amai-vos uns aos outros como eu vos amei“ (Jo 15,12).
Mas como amar como Ele amou? Como reproduzir um amor que não mede esforços, que não se retrai diante da ingratidão, que persiste mesmo quando tudo parece perdido? Esse amor não é um sentimento vago, mas uma escolha radical, muitas vezes custosa. É o amor que perdoa Pedro depois da negação, que alcança Tomé na dúvida, que transforma covardes em mártires. É o amor que, hoje, nos interpela: No meio de um mundo dividido por ódios, interesses e indiferença, nossas vidas refletem esse amor? Será que, em nossos lares, trabalhos e comunidades, as pessoas reconhecem em nós algo daquele que se ajoelhou para servir?
Nesta Quinta-feira Santa, não somos chamados apenas a recordar, mas a revisitar nossa própria resposta a esse amor. Enquanto o silêncio do Getsêmani se aproxima e a cruz já se delineia no horizonte, Jesus nos convida a permanecer com Ele — não como espectadores, mas como DISCÍPULOS QUE OUSAM AMAR COMO ELE AMOU. Porque, no fim, não serão nossas palavras, mas nosso amor, que dirá ao mundo quem realmente seguimos.
Leituras
Naquela noite sagrada, enquanto o anjo da morte passava, Deus ordenou: ‘Tomai um cordeiro, imolai-o, e com seu sangue marcai as portas’ – um rito que hoje nos lembra: o verdadeiro Cordeiro já veio, e seu sangue nos liberta para a vida eterna.
‘No décimo dia deste mês,
cada um tome um cordeiro por família,
um cordeiro para cada casa.
convidará também o vizinho mais próximo,
de acordo com o número de pessoas.
Deveis calcular o número de comensais,
conforme o tamanho do cordeiro.
Podereis escolher tanto um cordeiro, como um cabrito:
Então toda a comunidade de Israel reunida
o imolará ao cair da tarde.
nas casas em que o comerdes.
E comereis às pressas, pois é a Páscoa,
isto é, a ‘Passagem’ do Senhor!
desde os homens até os animais;
e infligirei castigos contra todos os deuses do Egito,
eu, o Senhor.
e não vos atingirá a praga exterminadora,
quando eu ferir a terra do Egito.
que haveis de celebrar por todas as gerações,
como instituição perpétua”.
Palavra do Senhor.
‘Elevo o cálice da minha salvação, invocando o nome santo do Senhor.’ — pois nele, o sangue de Cristo nos une, transformando gratidão em vida partilhada, e o sacrifício em eterna comunhão.
R. O cálice por nós abençoado
é a nossa comunhão com o sangue do Senhor.
12 Que poderei retribuir ao Senhor Deus *
por tudo aquilo que ele fez em meu favor?
13 Elevo o cálice da minha salvação, *
invocando o nome santo do Senhor. R.
15 É sentida por demais pelo Senhor *
a morte de seus santos, seus amigos.
16bc Eis que sou o vosso servo, ó Senhor, *
mas me quebrastes os grilhões da escravidão! R.
17 Por isso oferto um sacrifício de louvor, *
invocando o nome santo do Senhor.
18 Vou cumprir minhas promessas ao Senhor *
na presença de seu povo reunido. R.
Cada vez que partilhamos este pão e este cálice, não repetimos um rito, mas revivemos o amor crucificado que nos une e nos chama a ser pão partido para o mundo.
Na noite em que foi entregue,
o Senhor Jesus tomou o pão
Fazei isto em minha memória”.
“Este cálice é a nova aliança, em meu sangue.
Todas as vezes que dele beberdes,
fazei isto em minha memória”.
estareis proclamando a morte do Senhor,
até que ele venha.
Palavra do Senhor.
Na véspera da cruz, Jesus ajoelha-se – não por dever, mas por amor sem medida – e escreve com água e toalha: ‘Amou-os até o fim’. Seus gestos são sinais de uma aliança que ainda cura feridas e desafia orgulhos em um mundo fragmentado.
de passar deste mundo para o Pai;
tendo amado os seus que estavam no mundo,
amou-os até o fim.
no coração de Judas, filho de Simão Iscariotes,
o propósito de entregar Jesus.
enxugando-os com a toalha com que estava cingido.
“Senhor, tu me lavas os pés?”
mais tarde compreenderás”.
Mas Jesus respondeu:
“Se eu não te lavar, não terás parte comigo”.
mas também as mãos e a cabeça”.
não precisa lavar senão os pés, porque já está todo limpo.
Também vós estais limpos, mas não todos”.
“Nem todos estais limpos”.
E disse aos discípulos:
“Compreendeis o que acabo de fazer?
também vós deveis lavar os pés uns dos outros.
Palavra da Salvação.
Homilia
NO CENTRO, O CORPO DE JESUS

Queridos irmãos e irmãs,
Entramos hoje no Tríduo Pascal, e o que contemplamos no coração da liturgia da Quinta-feira Santa é algo profundamente comovente e transformador: O CORPO DE JESUS.
Durante a Quinta-feira, a Sexta-feira e o Sábado Santo, todas as nossas atenções se voltam para esse corpo entregue, esse corpo amado, esse corpo que se dá por nós. É em torno desse corpo que gira o drama da salvação. É nele que se concentram os olhares comovidos, os corações tocados, as dores humanas reconhecidas. “Parece que Ele carrega sobre si toda a dor do mundo” – e de fato, carrega.
Ao contemplar o rosto do Cristo, muitos reconhecem o seu próprio sofrimento: o passado, o presente, e até o que ainda virá. Os artistas sacros, ao longo dos séculos, souberam captar essa beleza sofrida. Retrataram um Jesus exaurido, crucificado, MAS JAMAIS DERROTADO. Ele não é um corpo vencido – é um corpo ofertado. E geração após geração, voltamos a esse mistério com lágrimas nos olhos e esperança no coração. Tudo converge para o Corpo de Jesus!
No Cenáculo de Jerusalém, Jesus se reúne com os discípulos para a ÚLTIMA CEIA – “a ceia da despedida, a ceia do testamento”. Como os patriarcas do povo de Israel que, antes da morte, deixavam um testamento a seus filhos (cf. Gênesis 48–49), Jesus também nos dá o Seu testamento. E São João inicia o relato da Ceia com palavras que transbordam amor: “Tendo amado os seus que estavam no mundo, amou-os até o fim” (João 13,1).
Mas a noite é também marcada pela escuridão do coração humano. O mal se manifesta por meio de Judas, que, seduzido pelas trevas, entrega o Mestre.
E então, como um gesto que resume toda a missão do Filho de Deus, Jesus se levanta, se cinge com uma toalha, toma uma bacia e água, e começa a lavar os pés de seus discípulos.
Esse gesto, irmãos, é mais do que simbólico: É O EVANGELHO EM AÇÃO! Naquela cultura, lavar os pés era tarefa de escravos. “Durante a ceia, Jesus derramou água numa bacia e começou a lavar os pés dos discípulos e a enxugá-los”. E diante da recusa de Pedro, Jesus é firme: “Ou te lavo, e estarás comigo, ou não te lavo, e estarás contra mim.”
Com esse gesto, o Senhor inaugura um novo modo de estar juntos: os corpos dos discípulos são chamados a se incorporar num só Corpo em Cristo. É uma comunhão que começa pelo toque, pela humildade, pelo serviço. E Ele nos ordena: “Lavai os pés uns dos outros! Honrai vossos corpos! Abençoai-vos mutuamente! Afastai-vos de toda forma de violência! Sede servos uns dos outros! Dai a vida uns pelos outros!”
E então, na continuidade da Ceia, Ele toma o pão. Mas não é apenas pão – é o Seu Corpo em forma sagrada, o pão partido e entregue.
“Tomai, comei: isto é o meu corpo” – diz Ele.
Não se trata de uma lembrança simbólica. Trata-se de um corpo que transborda os seus próprios limites. Um corpo que deseja ser tocado, tomado, comido. Um corpo que quer entrar no corpo do outro. “Vós em mim e eu em vós” – este é o anseio de Jesus.
Este corpo-pão tem urgência de ser consumido. É alimento de comunhão. Os primeiros cristãos o chamavam de “pharmakon athanasías” – o remédio da imortalidade.
Sim, “quem come deste pão viverá eternamente” (cf. João 6,51). Aquele que comunga se torna parte do Corpo que cura, que ressuscita, que estabelece a Aliança Eterna. Ao comungarmos, tornamo-nos concorpóreos de Cristo.
Mas não é só o Corpo. Também o Sangue é partilhado. Jesus toma o cálice, derrama o vinho, e o entrega, dizendo:
“Tomai, bebei: este é o meu sangue, o sangue da nova e eterna Aliança, que será derramado por vós e por todos, para a remissão dos pecados” .
Na tradição hebraica, o sangue não é apenas um fluido vital. É a própria vida. E a vida de Jesus só encontra sentido ao ser doada. Por isso, Seu Sangue também cria comunhão: somos feitos consanguíneos de Cristo. Sua entrega nos une, nos consagra, nos salva.
E, por fim, nesta noite santa, celebramos também a instituição do SACERDÓCIO. Todos nós, pelo Batismo, somos parte do povo sacerdotal. Mas hoje, recordamos o dom especial do sacerdócio ministerial – aqueles que, chamados por Cristo, são enviados a apascentar o rebanho.
Recordemos o diálogo entre o Senhor e Pedro:
“Simão, filho de João, tu me amas?” – e ao responder que sim, Jesus lhe diz: “Apascenta as minhas ovelhas” (João 21,15).
Rezemos pelos nossos pastores. Eles também são frágeis. Também enfrentam tentações. Que, ao invés de se tornarem lobos, sejam pastores segundo o Coração de Cristo.
Conclusão
Nesta noite bendita, diante do altar, diante do pão e do vinho, diante do gesto do lava-pés e do silêncio da traição, somos convidados a olhar de novo para o Corpo de Jesus. Corpo doado. Corpo amado. Corpo que nos incorpora. Corpo que nos cura.
Vivamos esta Quinta-feira Santa como um chamado à comunhão, ao serviço, e à entrega total da vida. Como Ele, que nos amou até o fim.
Amém.
Texto: JOSÉ CRISTO REY GARCÍA PAREDES
Fonte: ECOLOGÍA DEL ESPÍRITU
Este artigo foi produzido com a assistência de ferramentas de inteligência artificial.