Pergunto-me: QUEM É MEU DEUS? O adjetivo possessivo “meu” me produz certo calafrio, me faz retroceder. E eu me pergunto de novo: é verdade que eu posso dizer a alguém, a um ser tão grande, tão misterioso como Ele, que é meu?
Quando digo meu Deus, a quem me refiro? Estou dizendo que há que uma realidade que me envolve, que tem me acompanhado toda a minha vida, que me faz despertar.
Tenho passado muitas, muitas horas pensando em meu Deus. Recordo uma canção de Padre Zezinho: “Eu estou pensando em Deus”. Desde muito pequeno Ele era meu conforto, meu guia.
Mais tarde descobri a beleza de Deus. Havia momentos em que desejava morrer, para desfrutar sem interrupção de sua formosura. Recordo que vivia como um enamorado, buscando por todos os lugares a sua formosura.
Já se passaram alguns anos e eu continuo perguntando, QUEM É MEU DEUS? E respondo: é meu interlocutor permanente; referência que nunca me falta; por isso, em algumas ocasiões de aflição eu posso dizer: meu Deus, e em outras com entusiasmo digo meu Deus! Eu o levo incrustado em meu ser. Com ele eu vou a todas as partes. Sua obscuridade me envolve como um manto. Sua luz me envolve como um manto. Quando eu pratico a injustiça, eu sinto-me pecador em sua presença. Durante muitos anos, me chega à alma o salmo:
Senhor, tu me sondas, e me conheces.
Tu conheces o meu sentar e o meu levantar; de longe entendes o meu pensamento.
Esquadrinhas o meu andar, e o meu deitar, e conheces todos os meus caminhos.
Sem que haja uma palavra na minha língua, eis que, ó Senhor, tudo conheces.
Tu me cercaste em volta, e puseste sobre mim a tua mão.
Tal conhecimento é maravilhoso demais para mim; elevado é, não o posso atingir.
Para onde me irei do teu Espírito, ou para onde fugirei da tua presença?
Se subir ao céu, tu aí estás; se fizer no Seol a minha cama, eis que tu ali estás também.
Se tomar as asas da alva, se habitar nas extremidades do mar,
ainda ali a tua mão me guiará e a tua destra me susterá.
Se eu disser: Ocultem-me as trevas; torne-se noite a luz que me circunda;
nem ainda as trevas são escuras para ti, mas a noite resplandece como o dia; as trevas e a luz são para ti a mesma coisa.
Pois tu formaste os meus rins; entreteceste-me no ventre de minha mãe.
Eu te louvarei, porque de um modo tão admirável e maravilhoso fui formado; maravilhosas são as tuas obras, e a minha alma o sabe muito bem.
Os meus ossos não te foram encobertos, quando no oculto fui formado, e esmeradamente tecido nas profundezas da terra.
Os teus olhos viram a minha substância ainda informe, e no teu livro foram escritos os dias, sim, todos os dias que foram ordenados para mim, quando ainda não havia nem um deles.
E quão preciosos me são, ó Deus, os teus pensamentos! Quão grande é a soma deles!
Se eu os contasse, seriam mais numerosos do que a areia; quando acordo ainda estou contigo.
Oxalá que matasses o perverso, ó Deus, e que os homens sanguinários se apartassem de mim,
homens que se rebelam contra ti, e contra ti se levantam para o mal.
Não odeio eu, ó Senhor, aqueles que te odeiam? e não me aflijo por causa dos que se levantam contra ti?
Odeio-os com ódio completo; tenho-os por inimigos.
Sonda-me, ó Deus, e conhece o meu coração; prova-me, e conhece os meus pensamentos;
vê se há em mim algum caminho perverso, e guia-me pelo caminho eterno.
Eu tenho conversado com meu Deus em tantos lugares, em todas as horas…
Meu Deus é, principalmente, meu Abba. Esse nome mágico que teve em Jesus seu inventor teológico. Esse nome que me faz sentir “filho de Deus” e ao mesmo tempo me concede a soberania daquele que nada teme: “porque o Abba é meu pastor e nada me falta, em verdes pradarias me faz reclinar, me conduz para caminhos tranquilos e repara as minhas forças”.
Eu não sei se é egoísmo, mas vejo nisto um encontro a sós com Deus. Eu seria um candidato espontâneo para ascender com Jesus ao monte da transfiguração, só com Ele e com alguns amigos, e ninguém mais. Eu gostaria tanto de ter uma experiência profunda e mística com Deus, o que Teresa chamava a sétima morada.
Meu Deus tem uma imensa fecundidade. É o Deus dos camponeses da Bolívia e de Panamá, dos brasileiros e filipinos, dos indonésios e tailandeses e dos espanhóis. Foi me dado a conhecer o rosto de muitos, muitíssimos de seus filhos e filhas. Eu me encontrei com eles quando eles estavam em oração. Deus tem muitíssimos filhos e filhas. Entre os mais pobres se sente como em sua casa. Isto é entendido, principalmente, a partir da figura de Jesus.
Quando eu olho ao quadrado da Trindade que tenho diante de mim em meu quarto, me invade a paz, a ternura, o Silêncio, a comunhão calma dos Três, de meus Três. Emerge sobre todos, principalmente, a figura de Jesus, no centro, com sua túnica vermelha. Jesus me apaixona cada dia mais. Encanta-me que seja meu líder, que seja meu chefe de partido, o mestre de minhas idéias. Sabe que qualquer coisa que me diga terá em mim seu fã. Quando encontro algo novo sobre Ele me entusiasmo. Os livros de cristologia atraem em seguida a minha atenção. Tudo o que faço para entender melhor a Sua pessoa, me enche de entusiasmo. Eu o quero muito. Sobre tudo a Eucaristia. Eu não consigo explicar, que depois de tantos, tantos anos, a Eucaristia continua sendo para mim tão importante. Comove-me ter em minhas mãos o pão, elevar o cálice do vinho. É um presente tão grande. Penso que quando alguém te dá “algo”, que está inerte, como memória breve, como recordação. Mas este presente é “alguém”, é “um corpo”, “uma vida”. É mais que ter um filho. É receber o Filho de Deus como presente. É mais que um beijo do Abba. “Toma e come”, o Abba nos diz… “este é o filho de minha alma… é minha vida”.
Jesus é meu Deus aqui na terra. Jesus me tem entusiasmado. Não sei o que seria de minha vida se não pudesse orar o evangelho, se não pode celebrar a sagrada Eucaristia, se não o pudesse representar o sacramento do Perdão, ou na bênção do matrimônio. Eu não sei o que seria de minha vida sem o Sacrário, sem aquele símbolo admirável de Sua presença silenciosa e eloqüente. Dá-me a impressão que me falta muito para conhecer Jesus. Sinto que em outros lugares e contextos que Ele me aparecerá novamente. Com Jesus não se pode estar sempre no mesmo lugar. Jesus não diz: FIQUE! Mas SEGUE-ME! A vida com Jesus é um caminho, uma aventura. Só se pode estar em algum lugar durante algum tempo, mas depois é necessário continuar. Assim quero viver toda a minha vida, até o fim, seguindo-o, caminhando, descobrindo novas paisagens, me surpreendendo por novos milagres, lendo na natureza e na história novas mensagens.
Olha para esta imagem. Feche um pouco os olhos. Você verá Jesus. Se te aproximas demais, verás esta realidade a cada dia.

Cada vez que eu me aproximo da figura de Jesus me sinto mais como um revolucionário. É tão luminosa a sua figura que nós temos que por filtros para não deslumbrarmos e nos cegar. Na Igreja nós o temos esquecido, com tantas coisas que nós temos que fazer. Jesus veio evangelizar os pobres. Essa afirmação me convulsiona interiormente. São os sem casa, sem teto, os desempregados, os infelizes, os miseráveis, os últimos. O Reino de Deus é o oposto de todas as formas de reino que há no mundo. Há reino nos estados, mas também há reino nas famílias, nos grupos. Jesus anunciou e trouxe um Reino alternativo. Nesse Reino, os últimos são os primeiros. Advirto que ainda não foi dado o salto vital para esse Reino. É algo que ainda não se converteu em minha experiência fundamental; porém julgo que algum dia chegará. Sei que me leva a um lugar esquecido, da marginalização. É muito fácil de dizer isto, mas supõe entrar em Getsemaní para depois continuar o processo e o calvário.
É o Espírito? E me deixa imediatamente a expressão de São Bernardo: Beijo de Deus! Parece-me um símbolo de simbiose, de encontro. Muito amor, muito amor derramou simbolicamente em meu ser, em nosso ser. O Espírito é o olhar que comove. O Espírito é o tom da voz que diz mais que palavras. O Espírito é o Abba em um suspiro de amor, como quando nós suspiramos. O Espírito é o abraço que nos envolve e aperta, o Espírito é o tremor, o silêncio do encontro sem palavras, a brisa que refresca e surpreende, o calor que ascende à face, a força excêntrica que nos aproxima dos pobres, dos últimos, que nos desloca, que nos faz partir e ir para outro lugar. O Espírito é a inspiração que faz com que eu escreva estas linhas com tanta velocidade. É a pressa de Deus, a pressa do Amor. É a êxtase que nos torna rendidos na paz.
Espírito… Espírito… Espírito… de nosso Amor.