
Num sublime ritual litúrgico, o IV Domingo da Quaresma desvela diante de nós o grandioso projeto salvador de Deus para o mundo. Este não é um plano condicional baseado em nossos méritos, mas uma inefável iniciativa divina que nos presenteia com a promessa da Vida eterna. Neste palco sagrado, somos desafiados a ponderar como acolheremos tal dádiva e qual será nossa resposta a essa oferta transcendental.
A alegria resplandece como a marca essencial deste Evangelho e do Domingo da Quaresma, proclamado como o “DOMINGO DA ALEGRIA“. Em sua essência, é uma celebração que ecoa a alegria intrínseca à aceitação do divino, uma alegria que permeia a experiência de aceitar o chamado de Deus.
A primeira leitura (2Cr 36,14-16.19-23), por sua vez, sussurra um alerta solene: quando o homem opta por prescindir de Deus, embarcando em trilhas egoístas e autossuficientes, tece um destino sombrio de dor e morte. Contudo, mesmo nas profundezas dessa escolha, há uma promessa divina ressonante – Deus, incansável em seu amor paternal, concede aos seus filhos a oportunidade constante de reconstruir, de iniciar de novo.
Na segunda leitura (Ef 2,4-10), a narrativa se desdobra, revelando que, apesar de nossa fragilidade e inclinação ao pecado, Deus, em sua infinita misericórdia, nos brindou com a dádiva da Vida e da salvação por meio de Cristo. Não é um presente negociado por nossos méritos, mas uma oferenda totalmente gratuita, emanada do amor que Ele nos dedica incondicionalmente.
E, no ápice deste relato divino, o Evangelho (Jo 3,14-21) de João desenha com eloquência as palavras do próprio Jesus, delineando o plano salvífico de Deus. Movido unicamente por amor incondicional, Deus envia seu Filho Unigénito para nos oferecer a salvação. Aqueles que “acreditarem” em Jesus e absorverem a lição do amor até os limites extremos florescerão para uma Vida nova, uma Vida repleta e definitiva.
Assim, somos convidados a refletir sobre nossa resposta a essa oferta divina, a contemplar a alegria que permeia a aceitação do chamado de Deus e a abraçar a oportunidade constante de reconstrução que sua misericórdia nos proporciona. Este é o DOMINGO DA ALEGRIA, um convite à renovação e ao despertar para a Vida plena que se estende diante de nós.
Leituras
O Cronista, mesmo usando elementos teológicos de sua época, destaca uma verdade incontestável: ao prescindir de Deus e escolher caminhos egoístas, construímos um futuro sem horizontes e esperanças. A indiferença a Deus gera males como violência e solidão. A culpa não é de Deus, mas de nossas escolhas. Na Quaresma, somos desafiados a uma “CONVERSÃO“, retornando a Deus e acolhendo Suas orientações incansáveis.
imitando as práticas abomináveis das nações pagãs,
e profanaram o templo
que o Senhor tinha santificado em Jerusalém.
por meio de seus mensageiros,
admoestando-os com solicitude todos os dias,
porque tinha compaixão do seu povo
e da sua própria casa.
até que o furor do Senhor
se levantou contra o seu povo
e não houve mais remédio.
atearam fogo a todas as construções fortificadas
e destruíram tudo o que havia de precioso.
e eles tornaram-se escravos do rei e de seus filhos,
até que o império passou para o rei dos persas.
“Até que a terra tenha desfrutado de seus sábados,
ela repousará durante todos os dias da desolação,
até que se completem setenta anos”.
pronunciada pela boca de Jeremias,
o Senhor moveu o espírito de Ciro, rei da Pérsia,
que mandou publicar em todo o seu reino,
de viva voz e por escrito, a seguinte proclamação:
um templo em Jerusalém, que está no país de Judá.
Quem dentre vós todos, pertence ao seu povo?
Que o Senhor, seu Deus, esteja com ele,
e que se ponha a caminho”.
Palavra do Senhor.
Nas margens dos rios de Babilónia, entre lágrimas e saudade por Sião, nossas harpas repousam silenciosas, enquanto o desejo ardente de manter viva a lembrança de Jerusalém perdura, mesmo diante das adversidades do exílio.R. Que se prenda a minha língua ao céu da boca,
se de ti Jerusalém, eu me esquecer!
R. Que se prenda a minha língua ao céu da boca,
se de ti Jerusalém, eu me esquecer!
1 Junto aos rios da Babilônia †
nos sentávamos chorando, *
com saudades de Sião.
2 Nos salgueiros por ali *
penduramos nossas harpas. R.
3 Pois foi lá que os opressores *
nos pediram nossos cânticos;
nossos guardas exigiam *
alegria na tristeza: “Cantai hoje para nós *
algum canto de Sião!” R.
4 Como havemos de cantar †
os cantares do Senhor *
numa terra estrangeira?
5 Se de ti, Jerusalém, †
algum dia eu me esquecer, *
que resseque a minha mão! R.
e se prenda ao céu da boca, *
Se não for Jerusalém *
minha grande alegria! R.
O autor da Carta aos Efésios destaca que Deus introduziu dinamismos de superação e vida nova na experiência humana, apontando para a liberdade do Homem Novo. Aqueles que aceitam esse dom são convocados a testemunhar um mundo livre de sofrimento e injustiça, construindo uma realidade mais justa e humana. Como discípulos de Jesus, somos desafiados a refletir se estamos verdadeiramente comprometidos em ser mensageiros desse renovado modo de vida.
É por graça que vós sois salvos!
em virtude de nossa união com Jesus Cristo.
a incomparável riqueza da sua graça.
E isso não vem de vós; é dom de Deus!
que Deus preparou de antemão
para que nós as praticássemos.
Palavra do Senhor.
O amor de Deus se expressa na oferta incondicional de uma Vida plena e eterna, sem discriminação. O texto salienta que as tragédias no mundo não provêm de Deus, mas são fruto das escolhas humanas. Convida-nos a refletir sobre nosso papel, questionando se nosso egoísmo, orgulho e resistência impactam negativamente. A mensagem central destaca a responsabilidade em transformar aspectos de nossas vidas para sermos autênticos portadores desse amor divino.
assim é necessário
que o Filho do Homem seja levantado,
para que não morra todo o que nele crer,
mas tenha a vida eterna.
mas para que o mundo seja salvo por ele.
porque não acreditou no nome do Filho unigênito.
mas os homens preferiram as trevas à luz,
porque suas ações eram más.
para que suas ações não sejam denunciadas.
para que se manifeste
que suas ações são realizadas em Deus.
Palavra da Salvação.
Reflexão
O AMOR: ENTRE A SUSPEITA E A CONFIANÇA


A relação complexa entre a humanidade e Deus, marcada por momentos de desconfiança, é explorada nas leituras do quarto domingo da Quaresma. A oscilação emocional, revelada na relutância em pedir e suplicar, aponta para uma perda de fé no amor divino, resultando em desapontamento. As leituras convidam à reflexão profunda sobre a superação da desconfiança e a restauração da fé, reconhecendo-a como um desafio que transcende a conexão com Deus, permeando outros aspectos da vida. A oportunidade de renovação não apenas envolve a reconciliação com o divino, mas também uma jornada de autodescoberta e cura, buscando transformar a desconfiança em confiança e permitindo que o amor divino seja o fundamento sólido de nossa jornada espiritual e existencial. Dividirei esta Reflexão em duas partes:
- O alfabeto do amor
- O grande recurso: “Deus amou o mundo de tal maneira que nos deu seu Filho”
O ALFABETO DO AMOR
A primeira leitura, extraída do segundo livro das Crônicas, revela um diálogo divino com seu povo em meio à máxima infidelidade. Em momentos sombrios, quando adotaram práticas abomináveis dos pagãos e profanaram o próprio templo de Deus, mensageiros foram enviados para transmitir a compaixão divina. Profetas foram despachados, e até mesmo adversários surgiram para causar destruição. Contudo, as mensagens de Deus foram ignoradas.
A intenção de Deus era redirecionar seu povo. Surpreendentemente, ofereceu-lhes uma solução inimaginável: Ciro, um rei pagão da Pérsia, seria o enviado divino para reconstruir o Templo e revitalizar o povo de Deus. Isso destaca a inabalável capacidade de Deus de utilizar meios aparentemente inesperados para demonstrar amor, compaixão e guiar-nos em direção ao bem final.
Este relato nos lembra de nunca desconfiar de Deus. Ele pode se valer de qualquer meio para revelar seu amor e nos conduzir ao cumprimento de Seus desígnios. A proposta é estabelecer uma RELAÇÃO DE CONFIANÇA ABSOLUTA, aprendendo gradativamente o alfabeto de seu amor, que se manifesta por meio de mensageiros, profetas e até mesmo aqueles que, à primeira vista, parecem ser nossos inimigos, de quem nada esperaríamos. A mensagem fundamental é clara: Deus pode usar qualquer circunstância para nos conduzir ao caminho do amor e da restauração. Este é um convite à confiança total na sabedoria divina, que muitas vezes se desdobra de maneiras inesperadas para manifestar Seu amor redentor.
O GRANDE RECURSO: “DEUS AMOU O MUNDO DE TAL MANEIRA QUE NOS DEU SEU FILHO”
No final, Deus nos ofereceu seu grandioso e extraordinário recurso: ‘Tanto nos amou, que enviou seu próprio Filho.’
O Evangelho de João nos transporta ao diálogo entre Jesus e Nicodemos, o mestre de Israel, cujo nome grego significa ‘o povo vence’. Jesus compartilha palavras profundamente emocionantes com Nicodemos: ‘Deus amou tanto o mundo, que entregou seu Filho único, para que todo aquele que nele crê não pereça, mas tenha vida eterna.’
Essa declaração é verdadeiramente impressionante: aqueles que depositam sua fé em Jesus não enfrentarão a perdição, mas experimentarão uma vida repleta de novos amanheceres eternos. E por trás dessa promessa, encontra-se a expressão tocante: ‘Deus Pai amou tanto o cosmos.’ Jesus não veio para julgar, condenar ou destruir; ele assumiu nossa humanidade para compreender, perdoar, tocar e curar nossas feridas, proporcionando-nos alegria e esperança e concedendo-nos uma anistia irreversível.
O Evangelho deste domingo também observa que há aqueles que não creem no Presente de Deus, e a razão é clara: ‘porque suas obras são más’. A malícia turva nossos olhos, impedindo-nos de enxergar amor ou compaixão onde o amor brilha intensamente.
Dessa forma, Jesus dirigiu-se ao idoso Nicodemos, indicando que era necessário recuperar a inocência, renascer para crer no amor ‘sem qualquer tipo de preconceito’. As experiências da vida tendem a endurecer nossos corações e nos fazem perder a ilusão, mas a mensagem persiste: o amor divino é oferecido a todos, independentemente das escolhas e caminhos anteriores. O convite é claro: permitir que o coração renasça para abraçar um amor desprovido de preconceitos, superando as cicatrizes da vida.
CONCLUSÃO
O profundo amor de Deus pelo mundo é uma confiança que abraça a diversidade. Ele confia em todos nós, independentemente de ideologias, localizações geográficas ou erros cometidos. Essa confiança se estende a todas as criaturas, refletindo um amor universal e apaixonado. A figura de Jesus é apresentada como uma expressão tangível desse amor divino. Esta mensagem convida à reflexão sobre nossa capacidade de amar e confiar na diversidade, inspirando-nos a praticar a união e compaixão.
Texto: JOSÉ CRISTO REY GARCÍA PAREDES
Fonte: ECOLOGÍA DEL ESPÍRITU