III DOMINGO DA QUARESMA (ANO B)

A PALAVRA

A liturgia do III Domingo da Quaresma dá-nos conta da eterna preocupação de Deus em conduzir os homens ao encontro da vida nova. Nesse sentido, a Palavra de Deus que nos é proposta apresenta sugestões diversas de conversão e de renovação.

Na primeira leitura (Ex 20,1-17), Deus oferece-nos um conjunto de indicações (“MANDAMENTOS”) que devem balizar a nossa caminhada pela vida. São indicações que dizem respeito às duas dimensões fundamentais da nossa existência: a nossa relação com Deus e a nossa relação com os irmãos.

Na segunda leitura (1Cor 1,22-25), o apóstolo Paulo sugere-nos uma conversão à lógica de Deus… É preciso que descubramos que a salvação, a vida plena, a felicidade sem fim não está numa lógica de poder, de autoridade, de riqueza, de importância, mas está na lógica da CRUZ – isto é, no amor total, no dom da vida até às últimas consequências, no serviço simples e humilde aos irmãos.

No Evangelho (Jo 2,13-25), Jesus apresenta-Se como o “NOVO TEMPLO” onde Deus Se revela aos homens e lhes oferece o seu amor. Convida-nos a olhar para Jesus e a descobrir nas suas indicações, no seu anúncio, no seu “EVANGELHO” essa proposta de vida nova que Deus nos quer apresentar.

Fonte: Congregação dos Sacerdotes do Coração de Jesus

Leituras

Naqueles dias:
1Deus pronunciou todas estas palavras:
2‘Eu sou o Senhor teu Deus que te tirou do Egito,
da casa da escravidão.
3Não terás outros deuses além de mim.
4Não farás para ti imagem esculpida,
nem figura alguma
do que existe em cima, nos céus,
ou embaixo, na terra,
ou do que existe nas águas, debaixo da terra.
5Não te prostrarás diante destes deuses
nem lhes prestarás culto,
pois eu sou o Senhor teu Deus, um Deus ciumento.
Castigo a culpa dos pais nos filhos
até à terceira e quarta geração dos que me odeiam,
6mas uso da misericórdia por mil gerações
com aqueles que me amam
e guardam os meus mandamentos.
7Não pronunciarás o nome do Senhor teu Deus em vão,
porque o Senhor não deixará sem castigo
quem pronunciar seu nome em vão.
8Lembra-te de santificar o dia de sábado.
9Trabalharás durante seis dias
e farás todos os teus trabalhos,
10mas o sétimo dia é sábado dedicado ao Senhor teu Deus.
Não farás trabalho algum,
nem tu, nem teu filho, nem tua filha,
nem teu escravo, nem tua escrava, nem teu gado,
nem o estrangeiro que vive em tuas cidades.
11Porque o Senhor fez em seis dias o céu e a terra,
o mar e tudo o que eles contêm;
mas no sétimo dia descansou.
Por isso o Senhor abençoou o dia do sábado e o
santificou.
12Honra teu pai e tua mãe,
para que vivas longos anos
na terra que o Senhor teu Deus te dará.
13Não matarás.
14Não cometerás adultério.
15Não furtarás.
16Não levantarás falso testemunho contra o teu próximo.
17Não cobiçarás a casa do teu próximo.
Não cobiçarás a mulher do teu próximo,
nem seu escravo, nem sua escrava, nem seu boi,
nem seu jumento, nem coisa alguma que lhe pertença’.
Palavra do Senhor.

R. Senhor, tens palavras de vida eterna.

8A lei do Senhor Deus é perfeita,*
conforto para a alma!
O testemunho do Senhor é fiel,*
sabedoria dos humildes.R.

9Os preceitos do Senhor são precisos,*
alegria ao coração.
O mandamento do Senhor é brilhante,*
para os olhos é uma luz.R.

10É puro o temor do Senhor,*
imutável para sempre.
Os julgamentos do Senhor são corretos*
e justos igualmente.R.

11Mais desejáveis do que o ouro são eles,*
do que o ouro refinado.
Suas palavras são mais doces que o mel,*
que o mel que sai dos favos.R.

Irmãos:
22Os judeus pedem sinais milagrosos,
os gregos procuram sabedoria;
23nós, porém, pregamos Cristo crucificado,
escândalo para os judeus e insensatez para os pagãos.
24Mas para os que são chamados,
tanto judeus como gregos,
esse Cristo é poder de Deus
e sabedoria de Deus.
25Pois o que é dito insensatez de Deus
é mais sábio do que os homens,
e o que é dito fraqueza de Deus
é mais forte do que os homens.
Palavra do Senhor.

13Estava próxima a Páscoa dos judeus
e Jesus subiu a Jerusalém.
14No Templo,
encontrou os vendedores de bois, ovelhas e pombas
e os cambistas que estavam aí sentados.
15Fez então um chicote de cordas
e expulsou todos do Templo,
junto com as ovelhas e os bois;
espalhou as moedas
e derrubou as mesas dos cambistas.
16E disse aos que vendiam pombas:
‘Tirai isto daqui!
Não façais da casa de meu Pai uma casa de comércio!’
17Seus discípulos lembraram-se, mais tarde,
que a Escritura diz:
‘O zelo por tua casa me consumirá’.
18Então os judeus perguntaram a Jesus:
‘Que sinal nos mostras para agir assim?’
19Ele respondeu:
‘Destruí, este Templo,
e em três dias o levantarei.’
20Os judeus disseram:
‘Quarenta e seis anos foram precisos para a construção
deste santuário e tu o levantarás em três dias?’
21Mas Jesus estava falando do Templo do seu corpo.
22Quando Jesus ressuscitou,
os discípulos lembraram-se do que ele tinha dito
e acreditaram na Escritura e na palavra dele.
23Jesus estava em Jerusalém durante a festa da Páscoa.
Vendo os sinais que realizava,
muitos creram no seu nome.
24Mas Jesus não lhes dava crédito,
pois ele conhecia a todos;
25e não precisava do testemunho de ninguém acerca do ser
humano, porque ele conhecia o homem por dentro.
Palavra Salvação.

Reflexão

O CULTO NOVO QUE JESUS PREFERE

A cena de hoje é INCÔMODA para quem tem uma ideia doce, sempre sorridente e condescendente de Jesus. Mas também para muitos outros que não sabem explicar que Jesus faz um chicote e age com aquela violência. Mas deve ser dito que Jesus às vezes fica zangado nos Evangelhos; neste caso de forma muito visível, virando mesas, quebrando gaiolas, espalhando moedas pelo chão…

A PRIMEIRA VISTA, essa reação seria contra aquele tipo de mercado na entrada do Templo Sagrado de Jerusalém, semelhante ao que encontramos às portas de muitos santuários, catedrais ou locais de peregrinação. Se assim fosse, resultaria que Jesus a empreende com pessoas simples e bastante pobres, que assim ganhavam a vida, sem ter a menor consciência do que poderia estar errado. Não há nada semelhante no resto dos evangelhos. E, por outro lado, quem se incomoda e reage a essa comoção não são os vendedores… mas as autoridades religiosas, que por isso decidem matá-lo. Isso significa que a coisa tem muito mais profundidade, e que devemos levar em conta a história de Israel e o significado de seu Templo (construído e reconstruído com tantos esforços), assim como a mensagem de vários profetas anteriores a Jesus referindo-se ao culto e ao Templo para poder entendê-lo.

A decisão de construir aquele Templo foi tomada pelo Rei Davi, que, com a sua melhor boa vontade, quis seguir o exemplo das pessoas e religiões circundantes. O Templo refletia o poder e a riqueza de uma nação e seus reis. Na prática, sua construção significou um acréscimo de impostos e trabalhadores dedicados. Portanto, a decisão de Davi não foi aprovada por Deus por meio de seus profetas. Muitas vezes acontece: o homem faz coisas “POR” Deus e “PARA” dar glória a Deus, mas sem contar com Deus. E também o de “fazer o que todos os outros fazem” (outros povos, outros), como se fosse um critério suficiente e aceitável.

Até que começou sua construção, E enquanto Israel estava em peregrinação à Terra Prometida, Israel carregava com seu acampamento uma “tenda” chamada “Tenda do Encontro” que simbolizava a casa / presença de Deus em seu meio. Deus, com aquela Tenda, experimentou o calor, as tempestades, o vento, os ataques dos inimigos… Moisés se aproximava da Tenda para orar e buscar continuamente a vontade de Deus. A Tenda do Encontro expressava que Deus estava com eles em seu cotidiano, em suas lutas, em suas necessidades, nas festas e nas decisões. E todos tinham livre acesso a esse lugar. Era, pois, um DEUS NO MEIO DA VIDA. Não havia riquezas, nem ornamentos, nem condições especiais (pureza) para estar na presença de Deus. Sim, havia os levitas encarregados de ordenar e organizar as celebrações da comunidade.

Uma vez construído, aos poucos o Templo tornou-se um lugar rico em riquezas, com seu Banco incluído, e centro da atividade econômica da Vila. Surgiu também um grupo de sacerdotes dirigentes, como intermediários absolutos de qualquer oração, oferenda, cerimônia que quisesse ser dirigida a Deus. E assim, de acordo com a contribuição econômica de cada um, aconteciam cerimônias mais ou menos luxuosas, direitos à proteção e bênçãos de Deus, etc. Os pobres, por sua vez, começaram a ser acuados e a ficar totalmente à margem (do lado de fora) desse Deus do Templo. Para “ter acesso” a Deus, era necessário ter estudado e aprendido bem os seus mandamentos (o DECÁLOGO que ouvimos na Primeira leitura), juntamente com muitos outros preceitos e proibições complementares que foram acrescentados ao longo do tempo (613 mandamentos). Certas pessoas e grupos foram excluídos da relação com Deus: os que não aprenderam tantas leis e proibições, os pecadores que não as cumpriram, os enfermos e os pobres (eram considerados maldições de Deus), as mulheres, que influenciavam menos do que os homens…

Talvez o mais sério foi que para se encontrar com Deus tinha que ir a sua “casa”… e Deus afastava-se da vida quotidiana. Havia “dias” religiosos, um local “religioso”, “pessoas religiosas”, “objetos religiosos”…  E, sobretudo separava-se na prática algo que tinha ficado unido na ALIANÇA e no DECÁLOGO: que a relação com Deus (os três primeiros mandamentos) era inseparável da justiça e das relações com os outros homens (resto de mandamentos). As autoridades religiosas foram regulando como fazer uma oferenda, uma esmola, qual e em que quantidade, os orações oficiais, como estar “purificados”, etc., com toda uma série de “rituais estabelecidos”… E Deus pareceu converter-se em uma espécie de “dispensário de favores”. Se “ganha” o perdão, ou o favor ou as bênçãos de Deus… oferecendo-lhe o que fosse necessário: dinheiro, orações, oferendas, peregrinando, fazendo jejuns e sacrifícios… Um verdadeiro “MERCADO”.

Portanto, é compreensível que Jesus estivesse profundamente zangado. Esta foi uma manipulação real de Deus e de sua vontade. O seu gesto profético questiona, recusa, anula…  tudo o que foi construído em torno do culto: a forma de compreender a religião, a casta sacerdotal, a relação com Deus, a ideia de Deus, o próprio Templo… definitivo: Seu “gesto” não foi tanto contra os vendedores e cambistas, mas contra o que eles queriam dizer (consentido pelas autoridades, que receberam sua parte naquele comércio). O que deveria ser a “CASA DE DEUS”, lugar de acolhimento e encontro dos irmãos e transformação da vida, tornou-se um mercado, um covil de ladrões.

A proposta de Jesus é baseada em um “DEUS DA VIDA“, um Deus em meio da vida (Deus conosco), um Deus que deseja outra vida para todos, especialmente para os que estão em pior situação. E ele quer um culto “em espírito e verdade“, como disse à mulher samaritana. Isto é:

  • Jesus quer que convertamos em sagrados TODOS OS MOMENTOS DA VIDA, como fez ele (o qual não impede que tenhamos dias especiais de festa). Porque se não me encontro com Deus em minha vida ordinária, nas coisas que me ocupam e preocupam, e no modo das fazer… também não me encontrarei realmente com ele neste templo nem em nenhum outro. Isto aponta um estilo de oração bem determinado, no que agora não entramos.
  • Jesus quer que a adoração e o estilo de vida andem de mãos dadas. Que o que vivo (o que faço e o que acontece comigo) me leve à adoração / oração e vice-versa.
  • Para Jesus “O HOMEM” é o verdadeiro templo de Deus. A casa de Deus está nos homens. Cada um de nós é habitado: no interior (onde são tomadas decisões importantes, onde estão escritos os nossos valores, onde fala a nossa consciência), é O LUGAR DE ENCONTRAR A DEUS. Em outras palavras, não é um lugar onde você deve “ir”, mas um espaço onde você deve se recolher.
  • Que a melhor e mais necessária oferta que podemos apresentar ao Pai é a nossa “entrega aos outros“. É assim que Jesus nos lembra em cada Eucaristia, é o que fazemos “EM MEMÓRIA DELE”. O encontro com Deus, portanto, passa pela dedicação / cuidado dos irmãos e pela comunhão com eles.
  • Elimina, suprime, apaga todas as barreiras e diferenças para se aproximar de Deus. Não há pessoas mais sagradas que outras, nem “pessoas excluídas”, nem mais condições para nos encontrar com ele… que nossa pobreza, nossa humildade e nosso desejo de fazer em tudo sua vontade.
  • Deus não se manipula, nem se compra, nem se consegue favores com oferendas, sacrifícios, rituais, orações… Deus é Deus, e Deus não se vende tão barato, nem o Amor tem condições: Eu te dou… e você em troca… Eu realmente não tenho nada a oferecer a Deus, porque ele me deu tudo, TUDO É DELE. Embora eu possa expressar meu carinho e minha confiança colocando à sua disposição algumas (ou muitas) das coisas que recebi dele. À sua disposição ou dos irmãos.

Resta-nos, portanto, o convite para rever a nossa espiritualidade, a nossa forma de nos relacionarmos com Deus, segundo todos estes critérios de Jesus.

Texto: QUIQUE MARTÍNEZ DE LA LAMA-NORIEGA, cmf
Imagem de fancycrave1 em PIXABAY 
Fonte: CIUDAD REDONDA (Missionários Claretianos)