A liturgia deste domingo convida-nos a descobrir esse Cristo vivo que acompanha os homens pelos caminhos do mundo, que com a sua Palavra anima os corações magoados e desolados, que se revela sempre que a comunidade dos discípulos se reúne para “partir o pão”; apela, ainda, a que os discípulos sejam as testemunhas da ressurreição diante dos homens.
É no Evangelho (Lc 24,13-35), sobretudo, que esta mensagem aparece de forma nítida. O texto que nos é proposto põe Cristo, vivo e ressuscitado, caminhando ao lado dos discípulos, a explicar-lhes as Escrituras, a encher-lhes o coração de esperança e a sentar-Se com eles à mesa para “partir o pão”. É aí que os discípulos O reconhecem.
A primeira leitura mostra (At 2,14.22-33) como do amor que se faz dom a Deus e aos irmãos, brota sempre ressurreição e vida nova; e convida a comunidade de Jesus a testemunhar essa realidade diante dos homens.
A segunda leitura (1Pd 1,17-21) convida a contemplar com olhos de ver o projeto salvador de Deus, o amor de Deus pelos homens (expresso na cruz de Jesus e na sua ressurreição). Constatando a grandeza do amor de Deus, aceitamos o seu apelo a uma vida nova.
Leituras
A primeira leitura insiste numa mensagem que, nestes dias, aparece com grande insistência: Deus ressuscitou Jesus e não permitiu que a morte O derrotasse… A ressurreição de Cristo prova que uma vida gasta ao serviço do plano do Pai, na entrega aos homens, não conduz ao fracasso, mas à ressurreição, à exaltação, à vida plena. É conveniente lembrarmos isto, sempre que nos sentirmos desiludidos, decepcionados, fracassados, derrotados, criticados, por gastarmos a vida numa dinâmica de serviço, de entrega, de amor. Uma vida que se faz dom nunca é um fracasso; uma vida vivida de forma egoísta e autossuficiente, à margem de Deus e dos outros, é que é fracassada, pois não conduz à vida em plenitude.
No dia de Pentecostes,
14Pedro, de pé, junto com os onze apóstolos, levantou a voz e falou à multidão: 22“Homens de Israel, escutai estas palavras: Jesus de Nazaré foi um homem aprovado por Deus, junto de vós, pelos milagres, prodígios e sinais que Deus realizou, por meio dele, entre vós. Tudo isso vós bem o sabeis. 23Deus, em seu desígnio e previsão, determinou que Jesus fosse entregue pelas mãos dos ímpios, e vós o matastes, pregando-o numa cruz. 24Mas Deus ressuscitou a Jesus, libertando-o das angústias da morte, porque não era possível que ela o dominasse. 25Pois Davi dele diz: ‘Eu via sempre o Senhor diante de mim, pois está à minha direita para eu não vacilar. 26Alegrou-se por isso meu coração e exultou minha língua, e até minha carne repousará na esperança. 27Porque não deixarás minha alma na região dos mortos nem permitirás que teu santo experimente corrupção. 28Deste-me a conhecer os caminhos da vida, e a tua presença me encherá de alegria’. 29Irmãos, seja-me permitido dizer com franqueza que o patriarca Davi morreu e foi sepultado, e seu sepulcro está entre nós até hoje. 30Mas, sendo profeta, sabia que Deus lhe jurara solenemente que um de seus descendentes ocuparia o trono. 31É, portanto, a ressurreição de Cristo que previu e anunciou com as palavras: ‘Ele não foi abandonado na região dos mortos, e sua carne não conheceu a corrupção’. 32Com efeito, Deus ressuscitou esse mesmo Jesus, e disso todos nós somos testemunhas. 33E agora, exaltado pela direita de Deus, Jesus recebeu o Espírito Santo que fora prometido pelo Pai e o derramou, como estais vendo e ouvindo”.
Palavra do Senhor.
Vós me ensinais vosso caminho para a vida.
Vós me ensinais vosso caminho para a vida;
junto de vós, felicidade sem limites!
1 Guardai-me, ó Deus, porque em vós me refúgio! †
Digo ao Senhor: “Somente vós sois meu Senhor:
nenhum bem eu posso achar fora de vós!”
Ó Senhor, sois minha herança e minha taça,
meu destino está seguro em vossas mãos! – R.
2 Eu bendigo o Senhor, que me aconselha,
e até de noite me adverte o coração.
Tenho sempre o Senhor ante meus olhos,
pois, se o tenho a meu lado, não vacilo. – R.
3 Eis por que meu coração está em festa, †
minha alma rejubila de alegria
e até meu corpo no repouso está tranquilo;
pois não haveis de me deixar entregue à morte
nem vosso amigo conhecer a corrupção. – R.
4 Vós me ensinais vosso caminho para a vida; †
junto a vós, felicidade sem limites,
delícia eterna e alegria ao vosso lado! – R.
Da contemplação do amor de Deus tem de resultar uma resposta nossa. Segundo o autor da Primeira Carta de Pedro, essa resposta deve traduzir-se numa conduta nova de obediência a Deus, de entrega incondicional nas mãos de Deus, de adesão completa aos seus planos, valores e projetos. O amor de Deus inspira-me e motiva-me para viver os seus valores?
Caríssimos,
17se invocais como Pai aquele que, sem discriminação, julga a cada um de acordo com as suas obras, vivei então respeitando a Deus durante o tempo de vossa migração neste mundo. 18Sabeis que fostes resgatados da vida fútil herdada de vossos pais, não por meio de coisas perecíveis, como a prata ou o ouro, 19mas pelo precioso sangue de Cristo, como de um cordeiro sem mancha nem defeito. 20Antes da criação do mundo, ele foi destinado para isso e, neste final dos tempos, ele apareceu por amor de vós. 21Por ele é que alcançastes a fé em Deus. Deus o ressuscitou dos mortos e lhe deu a glória, e assim a vossa fé e esperança estão em Deus.
Palavra do Senhor.
Na nossa caminhada pela vida, fazemos, frequentemente, a experiência do desencanto, do desalento, do desânimo. As crises, os fracassos, o desmoronamento daquilo que julgávamos seguro e em que apostámos tudo, a falência dos nossos sonhos deixam-nos frustrados, perdidos, sem perspectivas. Então, parece que nada faz sentido e que Deus desapareceu do nosso horizonte… No entanto, a catequese que Lucas nos propõe hoje garante-nos que Jesus, vivo e ressuscitado, caminha ao nosso lado. Ele é esse companheiro de viagem que encontra formas de vir ao nosso encontro – mesmo se nem sempre somos capazes de O reconhecer – e de encher o nosso coração de esperança.
13Naquele mesmo dia, o primeiro da semana, dois dos discípulos de Jesus iam para um povoado chamado Emaús, distante onze quilômetros de Jerusalém. 14Conversavam sobre todas as coisas que tinham acontecido. 15Enquanto conversavam e discutiam, o próprio Jesus se aproximou e começou a caminhar com eles. 16Os discípulos, porém, estavam como que cegos e não o reconheceram. 17Então Jesus perguntou: “O que ides conversando pelo caminho?” Eles pararam, com o rosto triste, 18e um deles, chamado Cléofas, lhe disse: “Tu és o único peregrino em Jerusalém que não sabe o que lá aconteceu nestes últimos dias?” 19Ele perguntou: “O que foi?” Os discípulos responderam: “O que aconteceu com Jesus, o nazareno, que foi um profeta poderoso em obras e palavras diante de Deus e diante de todo o povo. 20Nossos sumos sacerdotes e nossos chefes o entregaram para ser condenado à morte e o crucificaram. 21Nós esperávamos que ele fosse libertar Israel, mas, apesar de tudo isso, já faz três dias que todas essas coisas aconteceram! 22É verdade que algumas mulheres do nosso grupo nos deram um susto. Elas foram de madrugada ao túmulo 23e não encontraram o corpo dele. Então voltaram, dizendo que tinham visto anjos e que estes afirmaram que Jesus está vivo. 24Alguns dos nossos foram ao túmulo e encontraram as coisas como as mulheres tinham dito. A ele, porém, ninguém o viu”.
25Então Jesus lhes disse: “Como sois sem inteligência e lentos para crer em tudo o que os profetas falaram! 26Será que o Cristo não devia sofrer tudo isso para entrar na sua glória?” 27E, começando por Moisés e passando pelos profetas, explicava aos discípulos todas as passagens da Escritura que falavam a respeito dele. 28Quando chegaram perto do povoado para onde iam, Jesus fez de conta que ia mais adiante. 29Eles, porém, insistiram com Jesus, dizendo: “Fica conosco, pois já é tarde e a noite vem chegando!” Jesus entrou para ficar com eles. 30Quando se sentou à mesa com eles, tomou o pão, abençoou-o, partiu-o e lhes distribuía. 31Nisso os olhos dos discípulos se abriram e eles reconheceram Jesus. Jesus, porém, desapareceu da frente deles. 32Então um disse ao outro: “Não estava ardendo o nosso coração quando ele nos falava pelo caminho e nos explicava as Escrituras?” 33Naquela mesma hora, eles se levantaram e voltaram para Jerusalém, onde encontraram os onze reunidos com os outros. 34E estes confirmaram: “Realmente, o Senhor ressuscitou e apareceu a Simão!” 35Então os dois contaram o que tinha acontecido no caminho e como tinham reconhecido Jesus ao partir o pão.
Palavra da salvação.
Reflexão
ALGUÉM QUE VAI NA MESMA DIREÇÃO
O desejo dos evangelistas ao compilarem esses poucos relatos que chamamos de “aparições” não era tanto para relatar as experiências extraordinárias que apenas eles tiveram e que não podem ser verificadas de nenhuma forma… nos deixam com várias perguntas e incertezas, junto com algumas pistas de fé. Digo que o objetivo deles era nos dar pistas, a nós, que não fomos contemporâneos deles, que não pudemos conhecer Jesus fisicamente, nem “ver” o Senhor Ressuscitado pessoalmente… para que possamos compreender e purificar a “experiência da fé“, ou seja, essa experiência pessoal de “encontro” com Cristo Ressuscitado que não depende dos nossos sentidos corporais (lembremos de Tomé, por exemplo, no último domingo). Nossa fé não se resume simplesmente em “crer que ele apareceu” há muito tempo para alguns poucos discípulos e por um tempo limitado… mas sim que – porque ele está vivo, pois “não morre mais” – de alguma forma possamos nos relacionar com ele, que é o cerne da fé cristã. É assim que devemos abordar os relatos “pascais”, como os de hoje.
A cena que São Lucas nos relata é protagonizada por dois discípulos que se assemelham muito a nós. Eles poderiam representar qualquer crente, todos os crentes. Alguns especialistas nas Escrituras indicam que não foi um “descuido” de Lucas o fato de um dos dois caminhantes não ter um nome. Um deles é chamado de Cleofás, mas e o outro? Segundo a interpretação, Lucas tomou cuidado para não indicar seu nome para que nós, ao ler, pudéssemos ocupar seu lugar, nos identificar com ele.
Seja como for, como são esses dois personagens/discípulos, o que há de errado com eles e, acima de tudo, o que eles têm a ver comigo, como a experiência deles me ajuda a entender e aprofundar a minha?
Os dois caminhantes passaram por uma experiência de dor, morte, fracasso e decepção. Suas expectativas foram frustradas, amizades foram rompidas e sonhos foram desfeitos. Eles estão deixando a cidade, imersos em sua tristeza. Isso tem a ver com um companheiro de viagem, um amigo chamado Jesus… que não está mais presente. Com a ausência dele, o grupo do qual ambos faziam parte se dispersou.
Aqueles dois discípulos podem se assemelhar a muitos irmãos e irmãs que se aproximam de nossa comunidade cristã em busca de Deus, e tudo o que tentamos dizer não os convence, não lhes serve. Assim como as palavras com as quais as mulheres que foram ao sepulcro e os outros companheiros tentaram consolá-los e dar-lhes esperança pareceram a eles rumores, fofocas, fantasias…
Então eles se afastam do grupo, voltam para suas casas e para suas rotinas, embora continuem a pensar sobre o que aconteceu, tentando compreender. Eles partem entristecidos, para sua aldeia de “Emaús“. É uma espécie de “choque de realidade” depois de terem sido iludidos pela mensagem de Jesus que não se concretizou. A ausência e a morte daqueles que foram uma parte importante de nossas vidas nos ajudam a entender e nos identificar com os sentimentos e o estado de espírito desses dois discípulos. Tudo se resume a um “NÃO MAIS“.
- O primeiro ponto a ser destacado é que esses discípulos estão comentando, compartilhando entre si seus sentimentos, sua dor e suas frustrações. Há uma comunicação séria entre eles. Lucas não mencionou que eram amigos ou que tinham uma grande confiança mútua. Apenas que eram discípulos, ou seja, tinham em comum o fato de terem conhecido e seguido Jesus. E isso já seria suficiente para falar, compartilhar e abrir o coração e compartilhar a vida… Embora isso não os tire de sua confusão… é um primeiro passo importante e necessário.
- De que estão falando? Estão falando que se sentiram desencantados com Jesus. “Nós esperávamos… mas…“. Tinham depositado nele sua esperança. Esperavam que ele respondesse aos seus desejos mais profundos e libertasse Israel de seus problemas políticos e religiosos. Tinham ouvido sua mensagem (Evangelho), o admiravam e amavam, conviveram com ele. Mesmo após sua morte vergonhosa, ainda o consideram uma grande figura, “um profeta“. Mas… “não tinham chegado à fé”, não tinham realmente descoberto quem Jesus era. Tinham uma imagem equivocada dele, distorcida por seus desejos e expectativas… Quando o veem fracassar e sofrer, sendo rejeitado por todos e entregue pelas autoridades religiosas por considerá-lo um blasfemo, um falso profeta… não sabem como lidar com isso.
Essa experiência não é estranha para muitos de nós. Quem nunca se sentiu desconcertado, decepcionado e cheio de dúvidas quando confiou em Deus para obter ajuda em suas orações e não obteve a resposta esperada, ou mesmo nenhuma resposta? Ou quando enfrentou doença, dor, a morte de um ente querido, e Deus não fez o que esperávamos, o que precisávamos e pedimos?
Não é surpreendente, então, a decisão de se “afastar” e tentar esquecer tudo o mais rápido possível. Essa questão da fé parecia bonita, mas são apenas “boatos”, desejos e “fantasias”: anjos, aparições, túmulos vazios?
- Um Caminhante se aproxima a eles. Eles não o reconhecem imediatamente. Como é possível para um discípulo não perceber que é o próprio Jesus que vem ao seu encontro e os acompanha? Lucas não deu nenhuma descrição física dele. Apenas “alguém que vai na mesma direção“. Mas não é assim tantas vezes em nossas vidas? Alguém (um irmão na fé, um catequista, um padre, uma religiosa…), que age como o Senhor Ressuscitado, aparecendo em nosso caminho, caminhando e refletindo conosco?
O Caminhante se interessa por suas vidas, pela conversa que têm enquanto caminham. E mesmo sendo um completo desconhecido para eles, eles abrem seus corações. Aqui está um segundo elemento importante no processo da fé: abrir-se, confiar, desabafar o coração. É, portanto, um traço indispensável no pastor e no acompanhante: interessar-se pela vida das pessoas, perguntar, ouvi-las, saber sobre o que falam enquanto caminham.
- A resposta daquele Caminhante diante de tudo o que ouviu é iluminá-los com as Escrituras. A vida, a dor, o fracasso, o sentido necessitam de uma nova luz. E Jesus repassa com eles tudo o que tinha a ver com ele: é o seu testemunho pessoal. Este é o terceiro elemento extremamente importante no caminho da fé: conhecer as Escrituras. Será que aqueles dois judeus não as conheciam? Todo bom judeu se orgulhava de conhecer profundamente a Lei e os Profetas. Mas… eles não foram capazes, por si mesmos, de relacioná-las com o que estavam vivendo.
Essa conversa (podemos chamá-la de “catequese”) os faz sentir bem. Mas as palavras compartilhadas, o estudo das Escrituras, a reflexão e a confiança surgida não são suficientes. E naturalmente, brota deles a hospitalidade: eles convidam o Caminhante a ficar com eles, mesmo sendo já tarde e escuro. Normalmente, não se convida um desconhecido para entrar em casa. Eles não o convidam porque perceberam quem ele era… Simplesmente, a mensagem dele os tocou, sentiram-se ouvidos e compreendidos, e desejam continuar em sua companhia. Suas palavras são realmente uma oração, simples, breve, mas com um coração sincero e agradecido: “FICA CONOSCO“. E quando o veem pegar o pão, pronunciar a bênção, partir e dar a eles… algo acontece: eles percebem que, desde que começaram a caminhar com ele, uma “liturgia” havia se desenrolado, apontando e culminando na FRAÇÃO DO PÃO.
- Podemos concluir que ter “visto” Jesus pessoalmente (o que não está mais ao nosso alcance) e ter ouvido/lido sua mensagem/evangelho é importante, mas não é suficiente. Fazer parte de um grupo de discípulos e compartilhar a vida, ouvir seus testemunhos pessoais, é importante, mas também não é suficiente. Rever nossa vida à luz das Escrituras e da experiência de Jesus crucificado (catequese/revisão de vida) também é importante e necessário. No entanto, ainda é insuficiente para reconhecer verdadeiramente o Senhor vivo: é necessário partir o pão juntos, celebrar a Eucaristia, tornar possível a comunhão interpessoal. UMA FÉ SEM A EUCARISTIA NÃO É FÉ. Nossos olhos não se abrem. Deixamos o Senhor fora de casa. E se celebrarmos “bem” a Eucaristia… necessitaremos voltar para buscar o restante dos irmãos. Voltaremos à comunidade com uma experiência de fé para compartilhar. Finalmente, teremos compreendido as mulheres, Pedro, Tomé, e outros, porque teremos uma experiência comum com eles. Seremos verdadeiramente uma Comunidade-Igreja.
Que estas simples reflexões nos animem a renovar, aprofundar e cuidar de nossa fé pascal no Senhor Ressuscitado, o Senhor dos nossos caminhos! Que sejamos capazes de proclamar a quem quiser nos ouvir que “É VERDADE, o Senhor Ressuscitou e o reconhecemos ao partir o Pão“. E se um dia partirmos para Emaús… que possamos voltar com o coração ardendo.
Texto: Quique Martínez de la Lama-Noriega, cmf.
Fonte: MISSIONÁRIOS CLARETIANOS (CIUDAD REDONDA)