II DOMINGO DO TEMPO COMUM (ANO C)

A PALAVRA

A liturgia de hoje apresenta a imagem do casamento como imagem que exprime de forma privilegiada a relação de amor que Deus (O MARIDO) estabeleceu com o seu Povo (A ESPOSA). A questão fundamental é, portanto, a revelação do amor de Deus.

A primeira leitura (Is 62,1-5) define o amor de Deus como um amor inquebrável e eterno, que continuamente renova a relação e transforma a esposa, sejam quais forem as suas falhas passadas. Nesse amor nunca desmentido, reside a alegria de Deus.

O Evangelho (Jo 2,1-11) apresenta, no contexto de um casamento (cenário da “aliança”), um “SINAL” que aponta para o essencial do “programa” de Jesus: apresentar aos homens o Pai que os ama, e que com o seu amor os convoca para a alegria e a felicidade plenas.

A segunda leitura (1Cor 12,4-11) fala dos “carismas” – dons, através dos quais continua a manifestar-se o amor de Deus. Como sinais do amor de Deus, eles destinam-se ao bem de todos; não podem servir para uso exclusivo de alguns, mas têm de ser postos ao serviço de todos com simplicidade. É essencial que na comunidade cristã se manifeste, apesar da diversidade de membros e de carismas, o amor que une o Pai, o Filho e o Espírito Santo.

Fonte: Congregação dos Sacerdotes do Coração de Jesus

Leituras

O amor de Deus pelo seu Povo é um amor que nada consegue quebrar: nem o nosso afastamento, nem o nosso egoísmo, nem as nossas recusas. Ele está sempre lá, à espera, de forma gratuita, convidando ao reencontro, ao refazer da relação; e esse amor gera vida nova, alegria, festa, felicidade em todos aqueles que são atingidos por ele.

1Por amor de Sião não me calarei,
por amor de Jerusalém não descansarei,
enquanto não surgir nela, como um luzeiro, a justiça
e não se acender nela, como uma tocha, a salvação.
2As nações verão a tua justiça,
todos os reis verão a tua glória;
serás chamada com um nome novo,
que a boca do Senhor há de designar.
3E serás uma coroa de glória na mão do Senhor,
um diadema real nas mãos de teu Deus.
4Não mais te chamarão Abandonada,
e tua terra não mais será chamada Deserta;
teu nome será Minha Predileta
e tua terra será a Bem-Casada,
pois o Senhor agradou-se de ti
e tua terra será desposada.
5Assim como o jovem desposa a donzela,
assim teus filhos te desposam;
e como a noiva é a alegria do noivo,
assim também tu és a alegria de teu Deus.
Palavra do Senhor.

R.Cantai ao Senhor Deus um canto novo,
manifestai os seus prodígios entre os povos!

1Cantai ao Senhor Deus um canto novo,
cantai ao Senhor Deus, ó terra inteira!*
2aCantai e bendizei seu santo nome! R.

2bDia após dia anunciai sua salvação,
3manifestai a sua glória entre as nações,*
e entre os povos do universo seus prodígios! R.

7A família das nações, dai ao Senhor,*
ó nações, dai ao Senhor poder e glória,*
8dai-lhe a glória que é devida ao seu nome!
Oferecei um sacrifício nos seus átrios. R.

9Adorai-o no esplendor da santidade, *
terra inteira, estremecei diante dele!
10Publicai entre as nações: ‘Reina o Senhor!’*
pois os povos ele julga com justiça. R.

A comunidade cristã tem de ser o reflexo da comunidade trinitária, dessa comunidade
de amor que une o Pai, o Filho e o Espírito. As nossas comunidades paroquiais, as nossas comunidades religiosas são espaços de comunhão e de fraternidade, onde o amor e a solidariedade dos diversos membros refletem o amor que une o Pai, o Filho e o Espírito?

Irmãos:
4Há diversidade de dons, mas um mesmo é o Espírito.
5Há diversidade de ministérios, mas um mesmo é o Senhor.
6Há diferentes atividades, mas um mesmo Deus
que realiza todas as coisas em todos.
7A cada um é dada a manifestação do Espírito
em vista do bem comum.
8A um é dada pelo Espírito a palavra da sabedoria.
A outro, a palavra da ciência segundo o mesmo Espírito.
9A outro, a fé no mesmo Espírito.
A outro, o dom de curas no mesmo Espírito.
10A outro, o poder de fazer milagres.
A outro, profecia. A outro, discernimento de espíritos.
A outro, falar línguas estranhas.
A outro, interpretação de línguas.
11Todas estas coisas as realiza um e o mesmo Espírito,
que distribui a cada um conforme quer.
Palavra do Senhor.

Quando a relação com Deus se baseia num jogo intrincado de ritos externos, de regras e de obrigações que é preciso cumprir, a religião torna-se um pesadelo insuportável que tiraniza e oprime. Ora, Jesus veio revelar-nos Deus como um Pai bondoso e terno, que fica feliz quando pode amar os seus filhos. É esse o “vinho” que Jesus veio trazer para alegrar a “aliança”: o “vinho” do amor de Deus, que produz alegria e que nos leva à festa do encontro com o Pai e com os irmãos. A nossa “religião” é isto mesmo – o encontro com o Jesus que nos dá o vinho do amor?

Naquele tempo:
1Houve um casamento em Caná da Galiléia.
A mãe de Jesus estava presente.
2Também Jesus e seus discípulos
tinham sido convidados para o casamento.
3Como o vinho veio a faltar,
a mãe de Jesus lhe disse:
‘Eles não têm mais vinho’.
4Jesus respondeu-lhe:
‘Mulher, por que dizes isto a mim?
Minha hora ainda não chegou.’
5Sua mãe disse aos que estavam servindo:
‘Fazei o que ele vos disser’.
6Estavam seis talhas de pedra colocadas aí
para a purificação que os judeus costumam fazer.
Em cada uma delas cabiam mais ou menos cem litros.
7Jesus disse aos que estavam servindo:
‘Enchei as talhas de água’.
Encheram-nas até a boca.
8Jesus disse:
‘Agora tirai e levai ao mestre-sala’.
E eles levaram.
9O mestre-sala experimentou a água,
que se tinha transformado em vinho.
Ele não sabia de onde vinha,
mas os que estavam servindo sabiam,
pois eram eles que tinham tirado a água.
10O mestre-sala chamou então o noivo e lhe disse:
‘Todo mundo serve primeiro o vinho melhor
e, quando os convidados já estão embriagados,
serve o vinho menos bom.
Mas tu guardaste o vinho melhor até agora!’
11Este foi o início dos sinais de Jesus.
Ele o realizou em Caná da Galiléia
e manifestou a sua glória,
e seus discípulos creram nele.
Palavra da Salvação.

Reflexão

UM CASAMENTO EXCEPCIONAL

Curiosa descrição de um casamento a que encontramos no quarto Evangelho (segundo João). Se essa descrição tivesse sido feita por um dos jornalistas de hoje, ele não teria durado muito tempo em seu trabalho. Vamos ver:

  • Não temos ideia de quem são os que se casam. O noivo, propriamente dito, só sai na foto uma vez: quando o felicitam pelo bom vinho que mandou servir… embora não tenha nada a ver com isso. E ele não responde nada sobre isso.
  • Quando se prepara um casamento, todo o cuidado é tomado para que não acabe o vinho na metade da festa. Um inexplicável descuido que poderia estragar tudo.
  • É surpreendente que seja uma das convidadas que percebe, e começa a dar instruções. Não há evidências de que ela era uma parente do casal. No entanto, é ela quem tenta resolver tal revés. E não o faz dirigindo-se aos noivos ou aos responsáveis ​​daquele banquete, mas dirige-se ao Filho, e depois dá ordens aos garçons/servos, que por sinal lhe obedecem.
  • Tampouco sabemos por que tantos potes vazios (seis), tão grandes (de cerca de 100 litros cada) e também feitos de “pedra” (não é um material muito prático, nem é frequente fazer vasilhas desse tamanho).
  • O quarto Evangelho nos narra “7” milagres (usando melhor a palavra, «sinais»), e este é o primeiro. Deve ser considerar, por tanto, muito importante. Mas não deixa de resultar desconcertante que um evento tão milagroso e espetacular como este, apenas um dos apóstolos nos contou, quando o texto diz que “estavam todos lá“.

Qualquer um pode perceber que este “sinal” não se encaixa no “estilo” dos milagres que conhecemos de Jesus: Não é uma cura, nem uma multiplicação de pães para pessoas famintas… Como um dos meus alunos comentou espontaneamente: “Jesus tornando mais fácil para as pessoas continuarem bebendo no meio de uma farra?”.

  • Também não é muito compreensível a resposta que Jesus dá a sua Mãe: Primeiro por chamá-la “mulher” (tão incomum em sua cultura, como na nossa), e depois pelo que lhe diz: “Deixa-me, não chegou minha hora. Eu e você não temos nada a com neste assunto”.

No texto: “minha hora” tem também o seu “mistério”, porque este Evangelho reserva esta expressão para falar da hora da morte de Jesus, da sua Páscoa. Qual é o sentido de mencioná-lo agora, o que a escassez de vinho tem a ver com a “minha hora “?

Tudo isso tem feito estudiosos da Bíblia e teólogos pensarem que essa história é algo mais do que um “milagre” de Jesus, e que esse casamento tem algo especial, excepcional. Procurando explicações para tantas perguntas, eles entendem que São João quer dizer algo importante, ao colocar este casamento como o pórtico da tarefa missionária de Jesus, como o primeiro de seus “sinais” (sete ao todo), e que está intimamente relacionado à sua “HORA” e com a Ceia Eucarística (o Vinho).

Ao responder a algumas dessas perguntas, os profetas do Antigo Testamento provaram ser de grande ajuda. Eles têm nos apresentado o compromisso e a relação de Deus com a Humanidade através do símbolo do casamento. Não outra coisa significa a “Aliança“. A mesma que Jesus estabelecerá quando chegar a sua “HORA“, aquela nova e eterna aliança que se RENOVA em cada Eucaristia.

Por outro lado, sua Mãe, como membro do povo de Deus, confirma uma realidade e a transforma em oração: o “vinho” acabou há muito tempo. Em todos os escritos, o vinho é um símbolo de amor, amizade, alegria e do Espírito. Israel não tem mais nada disso: eles só têm vasos vazios (aqueles ritos religiosos que não dizem mais nada a ninguém), e aqueles Mandamentos esculpidos em pedra permaneceram nisso, “em pedra“: enormes vasos de pedra vazios. A mãe de Jesus aparece como porta-voz de Israel, dos fiéis que ainda confiam em Deus, e se dirige ao único que pode fazer as coisas mudarem radicalmente. Uma futura nova aliança de amor já estava profetizada, escrita nos corações (Ezequiel). Para que seja possível, você tem que fazer o que ele lhe diz. O resto do Evangelho continuará especificando o que é que precisa ser feito.

E O QUE TUDO ISSO NOS DIZ HOJE?

Certamente precisamos de Maria, a nova “Mulher”, a nova Eva, a Filha de Sião, o novo Povo de Deus, para nos fazer perceber nosso imenso vazio, nossos grandes vasos vazios de amor, de esperança, de significado, de fé amadurecida… ainda que caminhemos (distraídos) com as nossas festas, com as nossas ocupações, com as nossas coisas quotidianas… Que nos ajude a ver e agir com essa grande parte da humanidade que ficou sem vinho… porque um poucos de nós estamos bebendo tudo.

E, acima de tudo, precisamos da coragem de buscar em Jesus, naquilo que Ele nos disse, nos diz e pode nos dizer… a forma eficaz de mudar tudo radicalmente: Nossa religião (ainda com muitas regras, cumprimentos, obrigações…), nossas relações familiares, estruturas sociais e econômicas e políticas!

A carta de São Paulo de hoje é útil para tudo isso que comentamos: O Espírito, também simbolizado na Bíblia pelo vinho, e que torna possível a nova e eterna aliança de Deus com seus discípulos… dá origem aos ministérios, aos carismas, as capacidades necessárias para construir o mundo novo, para estar a serviço de muitos que não têm nada ou quase nada. Ninguém pode se desculpar dizendo que não sabe o que fazer, ou que não pode fazer nada… porque o Espírito não deixa ninguém sem um dom para construir a comunidade e o Reino.

Colocar-se à disposição da Comunidade, dos irmãos, é a condição e a consequência de celebrar a Eucaristia, selando a Nova e Eterna Aliança de Jesus, o Esposo, que quando chegou a sua hora nos deu e dá aos seus discípulos, o poder de nos comprometer a “amar como ele nos amou“, em ser um, a lavar os pés uns dos outros… E quem bebe seu Sangue (sela sua aliança de casamento) terá a vida eterna.

Texto: Enrique Martínez de la Lama-Noriega, cmf

Imagens

  • Bajorrelieve Religiosas de São Bruno do Monastério rio de Belém
  • Ícone copto Rania Kuhn

Fonte: Ciudad Redonda