II DOMINGO DO TEMPO COMUM (ANO A)

A PALAVRA

A liturgia do II Domingo coloca a questão da vocação; e convida-nos a situá-la no contexto do projeto de Deus para os homens e para o mundo. Deus tem um projeto de vida plena para oferecer aos homens; e elege pessoas para serem testemunhas desse projeto na história e no tempo.

A primeira leitura (Is 49,3.5-6) apresenta-nos uma personagem misteriosa – Servo de Jahwéh – a quem Deus elegeu desde o seio materno, para que fosse um sinal no mundo e levasse aos povos de toda a terra a Boa Nova do projecto libertador de Deus.

A segunda leitura (1Cor 1,1-3) apresenta-nos um “CHAMADO” (Paulo) para recordar aos cristãos da cidade grega de Corinto que todos eles são “chamados à santidade” – isto é, são chamados por Deus a viver realmente comprometidos com os valores do Reino.

O Evangelho (João 1,29-34) apresenta-nos Jesus, “o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo”. Ele é o Deus que veio ao nosso encontro, investido de uma missão pelo Pai; e essa missão consiste em libertar os homens do “pecado” que oprime e não deixa ter acesso à vida plena.  

Fonte: Congregação dos Sacerdotes do Coração de Jesus

Leituras

A leitura propõe à nossa reflexão esse tema sempre pessoal, mas sempre enigmático que é a vocação. Somos convidados, na sequência, a tomar consciência da vocação a que somos chamados e das suas implicações. Não se trata de uma questão que apenas atinge e empenha algumas pessoas especiais, com um lugar à parte na comunidade eclesial (os padres, as freiras…); mas trata-se de um desafio que Deus faz a cada um dos seus filhos, que a todos implica e que a todos empenha.

3 O Senhor me disse: “Tu és o meu Servo,
Israel, em quem serei glorificado”.
5 E agora diz-me o Senhor
– ele que me preparou desde o nascimento
para ser seu Servo – que eu recupere Jacó para ele
e faça Israel unir-se a ele;
aos olhos do Senhor esta é a minha glória.
6 Disse ele: “Não basta seres meu Servo
para restaurar as tribos de Jacó
e reconduzir os remanescentes de Israel:
eu te farei luz das nações, para que minha salvação
chegue até aos confins da terra”.
Palavra do Senhor.

“Com prazer faço a vossa vontade, guardo em meu coração vossa lei!”

R. Eu disse: Eis que venho, Senhor,
     com prazer faço a vossa vontade!

2 Esperando, esperei no Senhor,*
e inclinando-se, ouviu meu clamor.
4a Canto novo ele pôs em meus lábios,*
b um poema em louvor ao Senhor. R.

7Sacrifício e oblação não quisestes,*
mas abristes, Senhor, meus ouvidos;
não pedistes ofertas nem vítimas,*
holocaustos por nossos pecados. R.

8a E então eu vos disse: “Eis que venho!”*
b Sobre mim está escrito no livro:
9 “Com prazer faço a vossa vontade,*
guardo em meu coração vossa lei!” R.

10 Boas-novas de vossa justiça †
anunciei numa grande assembleia;*
vós sabeis: não fechei os meus lábios! R.

Realizar a VOCAÇÃO à santidade não implica seguir caminhos impossíveis de ascese, de privação, de sacrifício; mas significa, sobretudo, acolher a proposta libertadora que Deus oferece em Jesus e viver de acordo com os valores do Reino. É dessa forma que concretizo a minha vocação à santidade? Tenho a coragem de viver e de testemunhar, com radicalidade, os valores do Evangelho, mesmo quando a moda, o orgulho, a preguiça, os interesses financeiros, o “POLITICAMENTE CORRETO”, a opinião dominante me impõem outras perspectivas?

1 Paulo, chamado a ser apóstolo de Jesus Cristo,
por vontade de Deus, e o irmão Sóstenes,
2 à Igreja de Deus que está em Corinto:
aos que foram santificados em Cristo Jesus,
chamados a ser santos 
junto com todos que, em qualquer lugar,
invocam o nome de nosso Senhor Jesus Cristo,
Senhor deles e nosso.
3 Para vós, graça e paz,
da parte de Deus, nosso Pai,
e do Senhor Jesus Cristo.
Palavra do Senhor.

Jesus não foi mais um “homem bom”, que coloriu a história com o sonho ingénuo de um mundo melhor e desapareceu do nosso horizonte; mas Jesus é o Deus que Se fez pessoa, que assumiu a nossa humanidade, que trouxe até nós uma proposta objetiva e válida de salvação e que hoje se faz presente e ativo na nossa caminhada, concretizando o plano libertador do Pai e oferecendo-nos a vida plena e definitiva. Ele é, AGORA E SEMPRE, a verdadeira fonte da vida e da liberdade.

Naquele tempo,
29 João viu Jesus aproximar-se dele e disse:
“Eis o Cordeiro de Deus,
que tira o pecado do mundo.
30 Dele é que eu disse:
‘Depois de mim vem um homem que passou à minha frente,
porque existia antes de mim’.
31 Também eu não o conhecia,
mas se eu vim batizar com água,
foi para que ele fosse manifestado a Israel”.
32 E João deu testemunho, dizendo:
“Eu vi o Espírito descer,
como uma pomba do céu,
e permanecer sobre ele.
33 Também eu não o conhecia,
mas aquele que me enviou a batizar com água me disse:
‘Aquele sobre quem vires o Espírito descer e permanecer,
este é quem batiza com o Espírito Santo’.
34 Eu vi e dou testemunho:
Este é o Filho de Deus!”
Palavra da Salvação.

Reflexão

O CORDEIRO QUE TIRA O PECADO DO MUNDO

Na cena do Batismo assistimos ao início da atividade missionária de Jesus. Antes de vê-lo em ação (falando, curando, acolhendo, anunciando…) o Batista faz uma apresentação de Jesus dando-nos seu testemunho pessoal sobre ele. E usa uma expressão que conhecemos bem, porque a repetimos em cada Eucaristia: “O CORDEIRO DE DEUS QUE TIRA O PECADO DO MUNDO”. Por que a Igreja quis situar essas palavras do Batista precisamente antes de receber a comunhão? Vamos rever o significado e os antecedentes desta expressão do Batista, para que vivamos com mais profundidade e significado quando nos aproximamos da mesa da Eucaristia.

Nunca em todo o Antigo Testamento uma pessoa foi chamada de “cordeiro de Deus”. O Batista poderia ter usado outros termos mais familiares aos seus ouvintes: pastor, rei, juiz… Na noite de Páscoa no Egito ele havia libertado seus pais escravos do Faraó do massacre do anjo exterminador da décima praga.

O Batista intui o destino de Jesus: um dia seria imolado como aquele cordeiro, e o seu sangue privaria as forças do mal da capacidade de fazer mal. Seu sacrifício libertaria o homem do pecado e da morte.

Há uma segunda alusão nas palavras do Batista. Todo israelita conhecia bem as profecias do livro de Isaías, onde é descrito o castigo e o fim vergonhoso do Servo do Senhor – hoje lemos um de seus fragmentos. Dele diz o profeta:

Foi maltratado e resignou-se; não abriu a boca, como um cordeiro que se conduz ao matadouro, e uma ovelha muda nas mãos do tosquiador. Ele não abriu a boca. Por um iníquo julgamento foi arrebatado. Quem pensou em defender sua causa, quando foi suprimido da terra dos vivos, morto pelo pecado de meu povo? Foi-lhe dada sepultura ao lado de facínoras e ao morrer achava-se entre malfeitores, se bem que não haja cometido injustiça alguma, e em sua boca nunca tenha havido mentira. Mas aprouve ao Senhor esmagá-lo pelo sofrimento; se ele oferecer sua vida em sacrifício expiatório, terá uma posteridade duradoura, prolongará seus dias, e a vontade do Senhor será por ele realizada. Após suportar em sua pessoa os tormentos, ele se alegrará de conhecê-lo até o enlevo. O Justo, meu Servo, justificará muitos homens, e tomará sobre si suas iniquidades. Eis por que lhe darei parte com os grandes, e ele dividirá a presa com os poderosos: porque ele próprio deu sua vida, e deixou-se colocar entre os criminosos, tomando sobre si os pecados de muitos homens, e intercedendo pelos culpados.  (Is 53,7.12).

Neste texto a imagem do cordeiro está associada à destruição do pecado.

Jesus – profetiza o Batista – tomará sobre si todas as fraquezas, todas as misérias, todas as maldades dos homens, e com a sua mansidão e com a oferta da sua vida, os aniquilará. Não se trata de um simples perdão, nem de curas, nem de arranjos parciais para os erros (ou pecados) que o ser humano costuma cometer, alguns mais graves que outros. Ao contrário, introduzirá no mundo um novo dinamismo, uma força irresistível –seu Espírito– que conduzirá os homens ao bem e à vida. É uma mudança radical: o mal, o sofrimento, o pecado, a morte não terão mais nada a ver conosco, seremos definitivamente libertos, como naquela noite pascal em que Israel conseguiu escapar de tanta dor e sofrimento em sua escravidão.

Há uma terceira ressonância bíblica nas palavras do Batista: o cordeiro imolado de Abraão. Isaac, enquanto caminhava com seu pai em direção ao Monte Moriá, pergunta:

Isaac disse ao seu pai: “Meu pai!”. “Que há, meu filho?” Isaac continuou: “Temos aqui o fogo e a lenha, mas onde está a ovelha para o holocausto?”. “Deus, respondeu-lhe Abraão, providenciará ele mesmo uma ovelha para o holocausto, meu filho.” E ambos, juntos, continua­ram o seu caminho. (Gn 22,7-8).

Eis o Cordeiro de Deus!” – responde agora o Batista – é Jesus, entregue por Deus ao mundo para ser sacrificado. Como Isaac (Gn 22,1-18), ele é agora o Filho único, o bem-amado, aquele que carrega a lenha dirigindo-se ao lugar do sacrifício, mas é Jesus quem, livremente e por amor, se entrega ao Pai para ser amarrado no altar da cruz.

Destas notas muito breves e resumidas, podemos extrair algumas consequências:

  • Ao comungar é como se nos “banhássemos” com o sangue de Cristo para que nos defenda, proteja e salve de tantos males que nos espreitam, nos quais nos envolvemos e nos quais os outros nos inserem. Precisamos de alguém mais poderoso do que o mal, do que o pecado, do que a morte… para nos libertar da nossa escravidão, para nos “marcar” (com seu próprio sangue/vida) para que possamos partir para a terra da liberdade , para que sejamos verdadeiramente filhos de Deus (João 1, 12).
  • Em segundo lugar está o tema do “PECADO DO MUNDO”. Não fala de “pecados” no plural, não se refere àqueles atos, comportamentos, atitudes pessoais em que caímos com mais ou menos frequência, e pelos quais costumamos confessar ou pedir perdão. Ele está falando de algo muito mais relevante: O “PECADO DO MUNDO“. Para o Evangelista João só existe um pecado: a oposição do mundo que rejeita Deus, que rejeita a plenitude de vida que Deus propõe a cada pessoa.

[O Verbo] era a verdadeira luz que, vindo ao mundo, ilumina todo homem.  Estava no mundo e o mundo foi feito por ele, e o mundo não o reconheceu. Veio para o que era seu, mas os seus não o receberam. Mas a todos aqueles que o receberam, aos que creem no seu nome, deu-lhes o poder de se tornarem filhos de Deus, os quais não nasceram do sangue, nem da vontade da carne, nem da vontade do homem, mas sim de Deus, os quais não nasceram do sangue, nem da vontade da carne, nem da vontade do homem, mas sim de Deus. os quais não nasceram do sangue, nem da vontade da carne, nem da vontade do homem, mas sim de Deus. (João 1, 9-13).

Deus quer que cada homem, acolhendo o seu amor e colocando-o no centro da sua vida, chegue à plena realização de si mesmo, tornando-se filho de Deus. O Concílio Vaticano II na “Gaudium et Spes” já dizia que o pecado constitui “uma diminuição do ser humano que o impede de alcançar a própria plenitude“. E são tantas as coisas que nos travam! Não só os nossos erros, falhas e limitações… Jesus foi um verdadeiro “cordeiro de Deus” que libertou os mais vulneráveis ​​das grandes desumanidades, ou seja, curou os enfermos, deu dignidade a quem não a tinha, teve pena de quem sofria, libertava quem sofria de todo tipo de escravidão, fazia refeições abertas sem distinção de classe social. Esta foi a forma que Jesus teve para afastar o pecado, a grande desumanidade do mundo, assolado por numerosos pobres e desamparados: remediando os efeitos negativos e dolorosos que os contravalores mais importantes para aquele mundo (fome, discriminação de todo o tipo , doenças) causavam em pessoas indefesas.

  • E como Jesus faz para eliminar este pecado? João Batista aponta: “eis aquele que batiza no Espírito Santo”. Batizar significa imergir, impregnar, mergulhar a pessoa na água. “Espírito” é a própria presença, energia de Deus, Seu Amor. E “Santo” é o efeito sobre nós daquele amor de Deus que nos purifica, nos santifica, nos consagra, nos liberta. Jesus libertará as pessoas que o receber de tudo que os limita, que os reduz, que os aprisiona, que os tranca e bloqueia, incluindo injustiças, desigualdades econômicas, sociais, estruturais… e a própria morte. Será, então, o triunfo do amor e da vida, o triunfo de Deus.

Isto significa que a Eucaristia nos é oferecida para que não nos cansemos nem nos desesperemos em nossa luta para qual somos chamados: santos, plenos, luminosos, filhos de Deus e felizes. Esse é o pecado que Cristo aniquila, ou “tira”, como dizemos. E o faz entregando-se livremente, amando sem condições e permitindo que o Pai o resgate do altar do sacrifício (como aconteceu com Isaac), transformando-o em vida para todos. “Eu vim para que tenhais vida, e vida em abundância“. (João 10,10)

Que estas simples reflexões nos ajudem a viver mais profundamente a nossa Eucaristia e a nossa relação com o Servo/Cordeiro de Deus.

Texto: Quique Martínez de la Lama-Noriega, cmf  
Fonte: MISSIONÁRIOS CLARETIANOS (CIUDAD REDONDA)