II DOMINGO DO ADVENTO (ANO B)

A PALAVRA

A liturgia do II domingo de Advento constitui um veemente apelo ao reencontro do homem com deus, à CONVERSÃO

Por sua parte, Deus está sempre disposto a oferecer ao homem um mundo novo de  liberdade, de justiça e de paz; mas esse mundo só se tornará uma realidade quando o homem aceitar reformar o seu coração, abrindo-o aos valores de Deus. 

Na primeira leitura (Isaías 40,1-5.9-11), um profeta anônimo da época do Exílio garante aos exilados a fidelidade de Jahwéh e a sua vontade de conduzir o Povo – através de um caminho fácil e direito – em direção à terra da liberdade e da paz. Ao Povo, por sua vez, é pedido que se dispa dos seus

hábitos de comodismo, de egoísmo e de autossuficiência e aceite, outra vez, confrontar-se com os desafios de Deus. 

No Evangelho (Marcos 1,1-8), João Batista convida os seus contemporâneos (e, claro, os homens de todas as épocas) a ACOLHER O MESSIAS LIBERTADOR. A missão do Messias – diz João – será oferecer a todos os homens esse Espírito de Deus que gera vida nova e permite ao homem viver numa dinâmica de amor e de liberdade. No entanto, só poderá estar aberto à proposta do Messias quem tiver percorrido um autêntico caminho de conversão, de transformação, de mudança de vida e de mentalidade. 

A segunda leitura (Segunda Carta de São Pedro 3,8-14 ) aponta para a parusia, a segunda vinda de Jesus. Convida-nos à VIGILÂNCIA – isto é, a vivermos dia a dia de acordo com os ensinamentos de Jesus, empenhando-nos na transformação do mundo e na construção do Reino. Se os crentes pautarem a sua vida por esta dinâmica de contínua conversão, encontrarão no final da sua caminhada terrena “OS NOVOS CÉUS E A NOVA TERRA ONDE HABITA A JUSTIÇA”. 
Fonte: Congregação dos Sacerdotes do Coração de Jesus

Leituras

Primeira Leitura – Livro do Profeta Isaías (40,1-5.9-11)
SalmoSl 84,9ab-10.11-12.13-14 (R.8)      
Segunda Leitura – Livro do Profeta Isaías (40,1-5.9-11)
EvangelhoEvangelho de Jesus Cristo segundo Marcos (1,1-8)
Fonte: Liturgia Diária CNBB

Reflexão

Onde está o perigo também cresce a salvação” (Friedrich Holderlin)

 Isaías é um profeta que vale para todos os tempos. Sua palavra não era simplesmente o fruto de um momento de reflexão, mais a expressão viva de sua profunda experiência de Deus. Tentava olhar a realidade de seu tempo, à qual estava muito atento, com os olhos e o coração de Deus. O profeta sabe que a história é sempre HISTÓRIA DE SALVAÇÃO. Quando ele escreve, seu povo está bastante perdido, desiludido, desesperançado, desconcertado, desanimado, – e todos os “dê” que queiramos acrescentar- pela situação política, econômica e pessoal de todos eles, pois se encontram “exilados“, não têm “Terra sob seus pés onde se segurar, onde aumentar suas vidas. Estão entregues, dispersos, inseguros. A névoa cinza envolve seu presente e os impede de ver seu futuro. Não há futuro.

Por sua vez, os chefes do povo não estão à altura, estão preocupados -como tantas vezes- por seus mesquinhos interesses, e dominados pelo medo e a resignação. Ou adaptados às circunstâncias, tentando que ocorra o melhor possível.

Não é uma situação muito diferente da nossa. Não vou me referir à Espanha (de onde escrevo) por causa dos muitos irmãos que nos lêem de fora. Simplesmente aponto alguns fatos, exemplos, do que acontece aqui, assim como em outros lugares, com incidência diferente.

Li (em pesquisas e estudos) que os jovens se preocupam com a situação econômica e de emprego. A maioria deles acredita que terá que trabalhar em algo diferente do que estudou. Muitos tiveram que voltar para a casa dos pais. Os confinamentos geraram estresse ou ansiedade para muitos (jovens ou não), e os relacionamentos familiares e pessoais frequentemente são prejudicados. Muitos perderam suas empresas, seus empregos. Há medo do contágio (com proporção diferente de acordo com a idade), mas também medo de infectar outras pessoas. Muitos idosos encontram-se muito sozinhos em residências e hospitais e, em muitas ocasiões, não recebem os cuidados adequados. As filas em bancos de alimentos e instituições como a Cáritas se multiplicaram. Houve uma polarização ideológica e é muito difícil dialogar com quem pensa diferente; muita agressividade é percebida no trato com os outros. Sentimos muita falta dos momentos “NÃO VIRTUAIS” do encontro, dos beijos, dos abraços, das presenças… Muitos não puderam dizer adeus ao falecido. E alguns estudos detectam um afastamento da Igreja e da fé em muitos (melhor não cifrar) que até pouco tempo eram tradicionalmente considerados católicos, em consequência do que se viveu nos últimos meses.

 Por suposto que também ocorreram coisas belas, emocionantes, generosas, solidárias… porém estas indicam um ambiente de desânimo, nervosismo, medo e desesperança em não poucos irmãos.

Pois naqueles tempos de Isaías -e a cada vez que se repetem circunstâncias semelhantes- Deus tem uma palavra que dizer através dos que têm um coração “BEM CHEIO DE DEUS“. Costuma servir-se de oráculos, de porta-vozes, de mediadores… para fazer-se presente. Neste caso Deus lança um desejo, uma petição, quase uma ordem a quem possa e queira escutar-lhe: “CONSOLEM A MEU POVO E FALEM AO CORAÇÃO“.

Nunca é demais uma palavra de consolo, e sempre chega uma palavra que fale mais ao coração do que à cabeça. Não qualquer palavra: estamos saturados de palavras vazias e de mensagens de “autoajuda” que não ajudam em nada.

Consolar significa estar com o que se sente só, com o que sofre e com o que se encontra em dificuldades, é aliviar seu fardo, acalmar a inquietude, fortalecer sua fragilidade, amenizar as angústias… para que vivam com mais paz, mais esperançosamente, com mais confiança. O consolo não elimina a dor, e nem a “relativiza” (ao menos não sempre), mais amplia a esperança e fortalece a coragem para enfrentá-la.

No Evangelho de hoje ouvimos: “VOZ DE QUEM CHORA NO DESERTO: PREPARA O CAMINHO DO SENHOR”. Deserto é uma palavra inquietante em nossos dias. Quase 33% da superfície da Terra é ocupada por desertos. E a proporção está aumentando rapidamente. Li, por exemplo, que a taxa de desmatamento no Brasil aumentou para cerca de 4.430 campos de futebol por dia e que entre agosto de 2019 e julho de 2020, 11.088 quilômetros quadrados de floresta foram derrubados na região. Todos os anos, centenas de milhares de hectares de terras aráveis transformam-se em desertos. E milhões de pessoas foram forçadas a deixar suas terras para trás, através do avanço do deserto.

Porém existe outro deserto: não fora, mais dentro de nós; não em zonas remotas do planeta, mais dentro de nossas próprias cidades: É a TERRA SECA das relações humanas, a solidão, a indiferença, o isolamento, o anonimato. O deserto é esse local onde se grita, e ninguém te ouve, se jaz em terra acabada e ninguém se aproxima, se uma feroz besta te assalta ninguém te defende, e se experimenta um grande desfruto ou uma grande perda não tem com quem a compartilhar. E NÃO É ISTO O QUE OCORRE EM MUITAS EM NOSSAS CIDADES? NOSSA AGITAÇÃO INDO E VINDO E AS NOSSAS QUEIXAS, NÃO SÃO TAMBÉM UM GRITAR NO DESERTO?

E também há um deserto, talvez mais perigoso: O QUE A CADA UM DE NÓS LEVA DENTROJustamente o coração pode ser transformado em um deserto: árido, apagado, sem afetos, sem esperança, infecundo. Por que muitos não conseguem decolar do trabalho, desligar o celular, o rádio, a TV, o WhatsApp… ? O medo de reconhecer esse deserto é grande. A natureza, dizem, tem “horror do vazio”, e também o homem evita o vazio. Se nos examinarmos honestamente, veremos quantas coisas fazemos para evitar nos encontrar sozinhos, cara a cara conosco mesmos e diante da realidade. Quanto mais crescem os meios de comunicação e as redes sociais, mais diminui a verdadeira comunicação. Temos a sensação de que este mundo é como um deserto sem caminhos. Onde os gritos de socorro não são acolhidos, não obtêm resposta encoberta por nossos ruídos, e enganados pelos miragens e oásis que nos ajudam a nos esquecer de tudo…

E também há um deserto, talvez mais perigoso: aquele que cada um de nós carrega para dentro. Na verdade, o coração pode se tornar um deserto: árido, enfadonho, sem afeto, sem esperança, infértil. Por que muitos não conseguem se desligar do trabalho, desligar o celular, o rádio, a TV, o WhatsApp, os fones de ouvido …? Eles têm medo de se reconhecer naquele deserto. A natureza, dizem eles, tem “HORROR AO VAZIO“, e o homem também evita o vazio. Se nos examinarmos com honestidade, veremos quantas coisas fazemos para evitar nos encontrarmos sozinhos, cara a cara conosco e diante da realidade. Quanto mais a mídia e as redes sociais crescem, mais diminui a verdadeira comunicação. Temos a sensação de que este mundo é como um deserto sem caminhos. Onde os gritos de socorro não são acolhidos, não obtêm resposta encoberta pelos nossos ruídos e iludidos pelas miragens e oásis que nos ajudam a esquecer tudo…

Diante dessa situação de desolação do povo de Israel, Deus toma partido de uma vez por todas. Coloca-se à frente do rebanho como um pastor amoroso. Mas não fica em simples palavras: seu consolo vem acompanhado de ações. O texto descreve muito bem para nós: as montanhas se aplainam, os vales sobem e o próprio Deus toma a dianteira. Guia de ações e caminhos abertos. O conforto fala aos nossos ouvidos no presente e nos infunde uma esperança que nos faz enfrentar o futuro com a segurança e a confiança de saber que não estamos sós no meio do “DESERTO” dos nossos medos e dúvidas.

O apóstolo Pedro nos diz que:  cristãos “O QUE NÓS CRISTÃOS ESPERAMOS SÃO NOVOS CÉUS E UMA NOVA TERRA. Mas é um sonho ao estilo de Walt Disney? Bem, não: aquele sonho tem muito a ver com as palavras de João Batista: “ PREPARAI O CAMINHO DO SENHOR, ENDIREITAI SUAS ESTRADAS “.        

O cristão é um eterno inconformista, e está convencido de que há muitos obstáculos que remover. Sua esperança não é uma ilusão evasiva da realidade, já que somos seguidores de Alguém que se deixou a pele na cruz por lutar a favor desse Mundo Novo. E, além disso, contamos com a força e o discernimento do Espírito. Quando escutamos hoje: “AQUI ESTÁ VOSSO DEUS“, é o sinal de saída para que coloquemos a mãos à obra, começando por nós mesmos. Deus sai ao encontro de quem se põe a remover obstáculos: sempre podemos estender pontes àqueles que se afastaram de nós por ter opiniões ou critérios diferentes; sempre podemos revisar nosso consumismo desenfreado; sempre podemos pôr mais ternura nas relações humanas; sempre podemos buscar espaços de silêncio e oração para deixar que Deus nos fale ao coração e nos ajude a encontrar caminhos em qualquer de nossos desertos; sempre podemos ajudar a alguém a ser mais feliz, a sofrer menos… podemos porque Cristo pôde, e ser discípulo seu é achar que é possível um mundo novo, e a luta por ele é a que dá sentido ao nosso caminhar. A única batalha que se perde é aquela na qual deixamos de lutar. Nunca nos render nem nos conformar nem nos acostumar. Nunca renunciar, sempre seguir tentando. Nunca perder nossa dignidade humana e nossa confiança em nós mesmos e em Deus: ELE É A FORÇA DE NOSSA FORÇA.

Este segundo domingo do Advento quer confortar-nos, tirar-nos da nossa desesperança e sonolência, para que as coisas más que nos rodeiam não nos superem, para não deixar que nada nem ninguém tirem a paz do nosso coração e os nossos desejos de sermos melhores e fazermos um mundo ainda melhor. É por isso que Deus veio à terra e continua a vir e não se cansa de vir. Até que tudo isso seja verdadeiramente UM NOVO CÉU E UMA NOVA TERRA onde habita a justiça. E a paz. E a fraternidade.
Texto: Quique Martínez de la Lama-Noriega, cmf