A Solenidade da Ascensão de Jesus que hoje celebramos sugere que, no final de um caminho percorrido no amor e na doação, está a vida definitiva, em comunhão com Deus. Sugere, também, que Jesus nos deixou o testemunho e que somos agora nós, seus seguidores, que devemos continuar a realizar o projeto libertador de Deus para os homens e para o mundo.
O Evangelho (Lc 24,46-53) apresenta-nos as palavras de despedida de Jesus que definem a missão dos discípulos no mundo. Faz, também, referência à alegria dos discípulos: essa alegria resulta do reconhecimento da presença no mundo do projeto salvador de Deus e resulta do fato de a ascensão de Jesus ter acrescentado à vida dos crentes um novo sentido.
Na primeira leitura (At 1,1-11) , repete-se a mensagem essencial desta festa: Jesus, depois de ter apresentado ao mundo o projeto do Pai, entrou na vida definitiva da comunhão com Deus – a mesma vida que espera todos os que percorrem o mesmo caminho de Jesus. Quanto aos discípulos: eles não podem ficar a olhar para o céu, numa passividade alienante, mas têm de ir para o meio dos homens e continuar o projeto de Jesus.
A segunda leitura (Ef 1,17-23) convida os discípulos a terem consciência da esperança a que foram chamados (a vida plena de comunhão com Deus). Devem caminhar ao encontro dessa esperança de mãos dadas com os irmãos – membros do mesmo “corpo” – e em comunhão com Cristo, a “cabeça” desse “corpo”. Cristo reside nesse “corpo”.
Leituras
A ascensão de Jesus recorda-nos, sobretudo, que Ele foi elevado para junto do Pai e nos encarregou de continuar a tornar realidade o seu projeto libertador no meio dos homens nossos irmãos. É essa a atitude que tem marcado a caminhada histórica da Igreja?
Ela tem sido fiel à missão que Jesus, ao deixar este mundo, lhe confiou?
1No meu primeiro livro, ó Teófilo,
já tratei de tudo o que Jesus fez e ensinou,
desde o começo,
2até ao dia em que foi levado para o céu,
depois de ter dado instruções pelo Espírito Santo,
aos apóstolos que tinha escolhido.
3Foi a eles que Jesus se mostrou vivo
depois da sua paixão, com numerosas provas.
Durante quarenta dias, apareceu-lhes
falando do Reino de Deus.
4Durante uma refeição, deu-lhes esta ordem:
‘Não vos afasteis de Jerusalém,
mas esperai a realização da promessa do Pai,
da qual vós me ouvistes falar:
5‘João batizou com água;
vós, porém, sereis batizados com o Espírito Santo,
dentro de poucos dias`.’
6Então os que estavam reunidos perguntaram a Jesus:
‘Senhor, é agora que vais restaurar
o Reino em Israel?’
7Jesus respondeu:
‘Não vos cabe saber os tempos e os momentos
que o Pai determinou com a sua própria autoridade.
8Mas recebereis o poder do Espírito Santo
que descerá sobre vós, para serdes minhas testemunhas
em Jerusalém, em toda a Judéia e na Samaria,
e até os confins da terra.’
9Depois de dizer isto,
Jesus foi levado ao céu, à vista deles.
Uma nuvem o encobriu,
de forma que seus olhos não mais podiam vê-lo.
10Os apóstolos continuavam olhando para o céu,
enquanto Jesus subia.
Apareceram então dois homens vestidos de branco,
11que lhes disseram: ‘Homens da Galiléia,
por que ficais aqui, parados, olhando para o céu?
Esse Jesus que vos foi levado para o céu,
virá do mesmo modo como o vistes partir para o céu.’
Palavra do Senhor.
o Senhor subiu ao toque da trombeta!
2Povos todos do universo, batei palmas,*
gritai a Deus aclamações de alegria!
3Porque sublime é o Senhor, o Deus Altíssimo,*
o soberano que domina toda a terra.R.
6Por entre aclamações Deus se elevou,*
o Senhor subiu ao toque da trombeta.
7Salmodiai ao nosso Deus ao som da harpa,*
salmodiai ao som da harpa ao nosso Rei! R.
8Porque Deus é o grande Rei de toda a terra,*
ao som da harpa acompanhai os seus louvores!
9Deus reina sobre todas as nações,*
está sentado no seu trono glorioso. R.
Na nossa peregrinação pelo mundo, convêm termos sempre presentes “a esperança a que fomos chamados”. A ressurreição de Cristo é a garantia da nossa própria ressurreição. Formamos com Ele um “corpo”, destinados à vida plena. Esta perspectiva tem de dar-nos a força de enfrentar a história e de avançar – apesar das dificuldades – nesse caminho do amor e da entrega total que Cristo percorreu.
Irmãos:
17O Deus de nosso Senhor Jesus Cristo,
o Pai a quem pertence a glória,
vos dê um espírito de sabedoria
que vo-lo revele e faça verdadeiramente conhecer.
18Que ele abra o vosso coração à sua luz,
para que saibais
qual a esperança que o seu chamamento vos dá,
qual a riqueza da glória
que está na vossa herança com os santos,
19e que imenso poder ele exerceu
em favor de nós que cremos,
de acordo com a sua ação e força onipotente.
20Ele manifestou sua força em Cristo,
quando o ressuscitou dos mortos
e o fez sentar-se à sua direita nos céus,
21bem acima de toda a autoridade, poder, potência,
soberania ou qualquer título que se possa mencionar
não somente neste mundo, mas ainda no mundo futuro.
22Sim, ele pôs tudo sob os seus pés e fez dele,
que está acima de tudo, a Cabeça da Igreja,
23que é o seu corpo,
a plenitude daquele que possui a plenitude universal.
Palavra do Senhor.
A ressurreição/ascensão de Jesus convida-nos a ver a vida com outros olhos – os olhos da esperança. Diz-nos que o sofrimento, a perseguição, o ódio, a morte, não são a última palavra para definir o quadro do nosso caminho; diz-nos que no final de um caminho percorrido na doação, na entrega, no amor vivido até às últimas consequências, está a vida definitiva, a vida de comunhão com Deus. Esta esperança permite-nos enfrentar o medo, os nossos limites humanos, o fanatismo, o egoísmo dos fazedores de pecado e permite-nos olhar com serenidade para esse qualquer coisa de novo que nos espera,
para esse futuro de vida plena que é o nosso destino final.
Naquele tempo, disse Jesus a seus discípulos:
46‘Assim está escrito:
O Cristo sofrerá
e ressuscitará dos mortos ao terceiro dia
47e no seu nome, serão anunciados
a conversão e o perdão dos pecados
a todas as nações, começando por Jerusalém.
48Vós sereis testemunhas de tudo isso.
49Eu enviarei sobre vós aquele que meu Pai prometeu.
Por isso, permanecei na cidade,
até que sejais revestidos da força do alto’.
50Então Jesus levou-os para fora, até perto de Betânia.
Ali ergueu as mãos e abençoou-os.
51Enquanto os abençoava,
afastou-se deles e foi levado para o céu.
52Eles o adoraram.
Em seguida voltaram para Jerusalém, com grande alegria.
53E estavam sempre no Templo, bendizendo a Deus.
Palavra da Salvação.
Fonte: Liturgia Diária – CNBB
Reflexão
A ASCENSÃO: UM CONVITE PARA DESCER
Tal como ninguém foi testemunha ocular do fato da “Ressurreição de Jesus“, também se deve dizer que ninguém foi testemunha ocular da “ASCENSÃO DE JESUS“, apesar dos relatos bem conhecidos que acabámos de ouvir e das numerosas e muito belas iconografias artísticas que reproduzem esta cena tal como ela é. Devemos começar por aclarar o que queremos dizer com “CÉU” e o que significaria “ASCENSÃO AO CÉU“. Ao rezar o “Pai nosso, que estás no céu”, ninguém pensa que Deus pode ser encontrado entre os planetas e galáxias, por muito bons que sejam os telescópios que construímos.
A compreensão das histórias bíblicas levou literalmente a propaganda russa dizer que o astronauta Gagarin teria dito em sua saída para o espaço sideral: “Estou no céu e não vi Deus em lugar nenhum“. No entanto, Gagarin era cristão e nunca disse tal coisa. Foi em um discurso do secretário-geral do Partido Comunista, Nikita Khrushchev, ao Comitê Central da União Soviética que ele declarou: “Gagarin voou para o espaço, mas não viu nenhum Deus lá“. Bem, a única coisa que faltava era que ele tivesse visto!
A Ascensão não é uma questão de lugar, nem é apenas uma questão de ausência física de Jesus, mas de uma nova presença. O Espírito de Jesus, presente e ativo, toma o lugar de Jesus, inspira e eleva os corações, sopra onde quer, abre os lábios para louvar, une os seus seguidores e torna credível o testemunho dos crentes. A Ascensão de Jesus à direita do Pai não significa que somos deixados à nossa própria sorte; pelo contrário, a partir daí podemos experimentar a plenitude de Jesus dentro de nós. Jesus já não pertence a uma época, cultura e raça judaica, nem a um corpo masculino com uma aparência muito específica. Como Senhor do Universo, ascendeu ao Pai, pertence agora a todos os povos, a todos os tempos e a todos os povos. Todos nós temos acesso a ele.
Para os seguidores de Jesus, a Ascensão é um convite para descer. Pois a vida de Jesus no nosso meio foi marcada pelo verbo “descer”:
- O Filho do Altíssimo “desceu” à nossa humanidade, no ventre de uma mulher, e depois em uma caverna em Belém.
- Ele baixou o “volume” da voz trovejante de Deus ouvida no Sinai quando ditou os mandamentos, ou se fez sentir no meio de relâmpagos, fogo e terremotos, para se tornar um sussurro, uma Palavra oferecida discretamente para a comunidade reunida em seu nome, para ser acolhida livremente e sem medo.
- Ele reduziu substancialmente a tremenda lista de regras, leis, obrigações e proibições que faziam o homem rastejar continuamente sob o peso do pecado. O seu, nós sabemos, é um jugo leve e suportável. No final, reduziu tudo a um único mandamento: O AMOR.
- Desceu às margens do Jordão (dito ser um dos rios mais baixos do mundo), para ser batizado entre os pecadores. E desceu todos os degraus para estar entre os mais baixos da sociedade: prostitutas, leprosos, cegos, mulheres samaritanas desnorteadas de amor, pescadores de pouca cultura, os pobres… Desceu até onde estavam os mais esquecidos e esmagados pela sociedade… Para ajudá-los a SUBIR.
- São Paulo retoma um dos primeiros hinos cristológicos, onde nos diz que:
Cristo Jesus, que era de condição divina, não Se valeu da sua igualdade com Deus, mas aniquilou-Se a Si próprio. Assumindo a condição de servo, tornou-Se semelhante aos homens. Aparecendo como homem, humilhou-Se ainda mais, obedecendo até à morte e morte de cruz.
E por isso Deus ressuscitou-O… O Filho do Altíssimo abaixou-se… e assim a solenidade de hoje significa que foi levantado pelo Pai para recuperar o seu estatuto divino, o “nome acima de cada nome“.
Porém subir, subir… a montanha das bem-aventuranças para ensinar o povo e ao Tabor, para conversar com Moisés e Elias e também com os seus Doze. Na verdade, nessa ocasião, Pedro estava tão à vontade “lá em cima” que propôs ficar e preparar três tendas. Mas Jesus diz que tinha de “DESCER“. E subiu a Jerusalém (que está no alto de uma montanha), várias vezes, para ser finalmente levantado numa cruz.
Embora possa parecer paradoxal, a Ascensão de Jesus convida-nos a “descer”, como ele próprio sempre fez. É só descendo… que se atinge o mais alto. Nós “descemos” e Deus nos “LEVANTA“. JUAN ANTONIO VALLEJO-NÁJERA escreveu-o de forma muito breve e bela:
Abaixa-te e subiras voando para o céu do vosso consolo,
porque para subir ao céu, devemos nos abaixar.
(Do livro: Concerto para instrumentos desafinados)
Jesus convidou seus discípulos a “descer”, por exemplo:
- “Os últimos serão os primeiros“. Ele é um exemplo vivo disto: “ascendeu” pelo “Chefe”.
- “Quem quiser ser o primeiro, que seja o servo de todos“. Mesmo que isto signifique abaixar-se aos pés de quem quer que seja, esteja sempre “armado” com uma toalha para lavá-los.
Gostaríamos de dizer que Jesus nos convida a “descer“, como ele próprio sempre fez. É só descendo… que se atinge o mais alto. Nós “descemos” e Deus “ergue-nos“. O Senhor Jesus deixou-nos livres “o elevador” para que tenhamos acesso ao céu (=Deus).
Porém primeiro temos de descer à arena do mundo e tentar fazer com que esta terra comece a ser o céu. Porque “céu” não é onde normalmente pensamos que é. Gosto da forma como esta história o explica:
Era uma vez dois monges que, num manuscrito antigo, encontraram notícias de um lugar onde o céu e a terra se tocavam, e decidiram partir em busca disso. Subiram montanhas, atravessaram rios, atravessaram desertos, sofreram todo o tipo de dificuldades na sua viagem através do mundo, e venceram todo o tipo de tentações que os poderiam desviar do seu propósito.
Finalmente chegaram à porta de que falava o antigo manuscrito. Estavam a poucos segundos do cumprimento dos seus anseios. Bastava bater à porta, e se encontrariam perante Deus. Estavam prestes a passar a fronteira entre o céu e a terra. Finalmente a porta abriu-se, e quando entraram, encontraram-se na cela do seu mosteiro. Depois compreenderam que o lugar onde o céu e a terra se encontram é na terra, no lugar que Deus nos designou.
Ali (aqui) é onde podemos encontrar-nos com Deus. É aqui que se encontra a porta do céu. É aqui que temos que realizar a nossa missão: ir (para baixo) até aos confins da terra, procurando destruir todos os infernos e ajudando a fazer desta terra um céu…
Algum dia o Pai também nos “puxará para cima”, e nós estaremos sempre com ele. É isso que é o céu. Podemos orar estes próximos dias com as palavras do Apóstolo na segunda leitura de hoje:
O Deus de nosso Senhor Jesus Cristo, o Pai a quem pertence a glória, vos dê um espírito de sabedoria e revelação para o conhecerdes verdadeiramente, e que ilumine e abra o vosso coração para compreenderes qual é a esperança que o seu chamamento vos dá.
Mas cuidado, como advertiram os dois vestidos de branco: « Homens da Galileia, por que ficais aqui, parados, olhando para o céu?». Até chegar a hora de subir… temos que descer, colocar os pés no chão e melhorar, seguindo os mesmos passos daquele que hoje subiu e esta à direita do Pai.
Texto: Quique Martínez de la Lama-Noriega, cmf
Fonte: Ciudad Redonda