A PALAVRA DE DEUS É LUZ E ALIMENTO NA CAMINHADA

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As comunidades cristãs católicas dedicam o mês de setembro à Palavra de Deus. Em parte, é graças ao movimento luterano que a Igreja Católica resgatou, mesmo que tardiamente, a centralidade das Sagradas Escrituras na vida cristã. Coube ao Concílio Vaticano II reestabelecer o necessário equilíbrio entre o Sacramento e a Palavra: os fiéis se alimentam concomitantemente da mesa da Palavra e da mesa da Eucaristia.

Segundo o Papa Bento XVI, a Palavra de Deus que chama as criaturas à existência, despoja-se da sua grandeza e da sua potência e faz-se pequena, tão pequena que cabe numa manjedoura. Desde então, a Palavra de Deus é ‘boa notícia’ com carne e rosto humanos. No alto da cruz, essa mesma Palavra faz-se silêncio clamoroso, não porque Deus se recuse a falar à Humanidade, mas porque nela ele diz tudo e tudo entrega.

Assim, nossa atenção reverente não se dirige mais simplesmente a um texto codificado num livro, mas àquele que é o Verbo Eterno. Deus nos fala mediante tudo aquilo que ele diz e faz. Não há palavra que supere os gestos de acolhida aos proscritos, as refeições solidárias com os excluídos, os braços abertos na cruz que Jesus compartilha com dois outros condenados. É nesses gestos que a Palavra de Deus adquire força e eloquência.

A vida, os gestos, a pregação e o ensino de Jesus são sempre uma Boa Notícia dirigida prioritariamente às pessoas e grupos humanos que são vítimas das relações sociais desiguais e violentas e uma interpelação profética àqueles que ferem e dominam, ou que se fazem indiferentes às dores e aos direitos humanos. Ao assumir a carne humana no estábulo de Belém e o grito dos excluídos na cruz, Jesus nos chama à fraternidade.

Nos últimos dias o Brasil assiste às artimanhas defensivas e criminosas do Congresso Nacional. Ele aprova leis que anistiam inimigos da lei e do povo, que protegem preventivamente políticos criminosos e legalizam a destruição do meio ambiente. Ao mesmo tempo, posterga a aprovação de medidas que visam beneficiar minimamente o povo. Nesse contexto, não há como não lembrar as palavras de Jesus e de outros profetas.

Amós (783-743 a.C.) acusa a elite do seu tempo: “Vendem o justo por dinheiro e o indigente por um par de sandálias. Pisoteiam os fracos no chão e desviam o caminho dos pobres” (2,6-7). E Miquéias (725-701 a.C.) provoca, com força: “Por acaso não é dever de vocês conhecer o direito? Vocês devoram a carne do meu povo e arrancam sua pele; quebram seus ossos e os fazem em pedaços, como carne no caldeirão” (2,1-3).

Jesus, que se diz “manso e humilde de coração” (Mt 11,29), desmascara a falsa piedade dos líderes religiosos: “Ai de vocês! Sobrecarregam as pessoas com cargas insuportáveis, mas vocês mesmos nem com um dedo tocam nessas cargas” (Lc 11,46). “Vocês são como sepulcros caiados: por fora parecem bonitos, mas por dentro estão cheios de ossos de mortos e podridão… Serpentes! Raça de cobras venenosas!” (Mt 23,27.33).

Deus nos livre de usar sua Palavra como arma direcionada aos outros. Mas também não permita que a reduzamos a uma moral intimista, inofensiva e cinicamente alheia às dores e esperanças dos homens e mulheres do nosso tempo. Não nos ocorra cavar um abismo de indiferença que nos afaste dos pobres e suas necessidades (cf. Lc 16,19-31). Que a busca do Reino de Deus e sua justiça (cf. Mt 6,33) tenha prioridade sobre tudo o mais.

Texto: Dom Itacir Brassiani
Fonte: CNBB