A liturgia do Natal, especialmente na Missa do Dia, ressoa como um cântico luminoso ao amor gratuito e ousado de Deus. Não se trata de um amor abstrato ou distante, mas de um amor que toma iniciativa, que atravessa o silêncio do céu e se deixa tocar pela fragilidade humana. “E o Verbo se fez carne e habitou entre nós”: nessa afirmação central da fé cristã, Deus arma a sua tenda no meio da história, entra nas casas simples, nas alegrias breves e nas dores prolongadas da humanidade. Em Jesus, o menino de Belém, Deus não apenas se aproxima; Ele se compromete com a vida humana até as últimas consequências.
A Primeira Leitura (Is 52,7-10), do profeta Isaías, anuncia a chegada de um mensageiro que corre sobre os montes proclamando a paz. É a Boa-Nova de um Deus que liberta, que rompe o ciclo da opressão e inaugura um tempo novo. Isaías convida o povo a trocar o luto pela alegria, não por ingenuidade, mas porque Deus age na história. Também hoje, em meio a guerras, desigualdades e desesperança, essa palavra continua atual: há motivos para levantar os olhos e acreditar que Deus não abandonou o seu povo.
A Carta aos Hebreus – Segunda Leitura (Hb 1,1-6) – amplia esse horizonte ao recordar que Deus, que outrora falou de muitos modos, agora nos fala plenamente por meio do Filho. Jesus é a Palavra definitiva, não apenas dita, mas vivida. Nele, Deus revela quem é e, ao mesmo tempo, revela quem nós somos chamados a ser.
O Evangelho (Jo 1,1-18) de João aprofunda esse mistério: a Palavra eterna se faz carne para completar a criação, curando o que está ferido e recriando o ser humano por dentro. O Natal não é apenas memória de um nascimento passado; é convite a deixar nascer, hoje, o Homem Novo – em gestos concretos de perdão, solidariedade e cuidado com os mais frágeis.
Celebrar o Natal, portanto, é acolher a Luz que insiste em brilhar nas trevas do nosso tempo. É permitir que Deus nos eleve à dignidade de filhos e nos ensine, na simplicidade de um presépio, que a vida plena começa quando abrimos espaço para o amor que vem, permanece e transforma.
Leituras
À luz de Isaías, proclamamos que todos os confins da terra hão de ver a salvação que vem do nosso Deus, esperança que consola feridas, ergue povos cansados e inaugura caminhos de paz.
de quem anuncia o bem e prega a salvação,
e diz a Sião: “Reina teu Deus!”
sabem que verão com os próprios olhos
o Senhor voltar a Sião.
o Senhor consolou seu povo
e resgatou Jerusalém.
todos os confins da terra hão de ver
a salvação que vem do nosso Deus.
Palavra do Senhor.
Hoje proclamamos que os confins do universo contemplaram a salvação do nosso Deus, canto novo que atravessa dores humanas, desperta esperança concreta, convoca povos feridos à alegria, à justiça e ao louvor eterno.
R. Os confins do universo contemplaram
a salvação do nosso Deus.
1 Cantai ao Senhor Deus um canto novo, *
porque ele fez prodígios!
Sua mão e o seu braço forte e santo *
alcançaram-lhe a vitória. R.
2 O Senhor fez conhecer a salvação, *
e às nações, sua justiça;
3a recordou o seu amor sempre fiel *
3b pela casa de Israel. R.
3c Os confins do universo contemplaram *
3d a salvação do nosso Deus.
4 Aclamai o Senhor Deus, ó terra inteira, *
alegrai-vos e exultai! R.
5 Cantai salmos ao Senhor ao som da harpa *
e da cítara suave!
6 Aclamai, com os clarins e as trombetas, * ao Senhor, o nosso Rei! R.
Hoje, na história ferida, confessamos que Deus falou-nos por meio de seu Filho, Palavra viva que ilumina o caos, revela o rosto do Pai e chama a humanidade a escutar, crer e viver.
ele nos falou por meio do Filho,
a quem ele constituiu herdeiro de todas as coisas
e pelo qual também ele criou o universo.
Este é o esplendor da glória do Pai,
Tendo feito a purificação dos pecados,
ele sentou-se à direita da majestade divina,
nas alturas.
Ou ainda: “Eu serei para ele um Pai
e ele será para mim um filho?”
Palavra do Senhor.
Hoje, quando a humanidade busca sentido, a Palavra se fez carne e habitou entre nós, revelando um Deus próximo que toca feridas, partilha esperanças, ilumina sombras e recria a vida com amor eterno.
e a Palavra era Deus.
para que todos chegassem à fé por meio dele.
ilumina todo ser humano.
mas o mundo não quis conhecê-la.
isto é, aos que acreditam em seu nome,
nem da vontade do varão,
mas de Deus mesmo.
glória que recebe do Pai como filho unigênito,
cheio de graça e de verdade.
O que vem depois de mim
passou à minha frente,
porque ele existia antes de mim”.
na intimidade do Pai,
Palavra da Salvação.
Homilia
A PALAVRA SE TORNOU CARNE
Irmãs e irmãos,
Celebrar o Natal do Senhor é entrar no centro mais luminoso da nossa fé. Não estamos diante de uma ideia bonita, de um símbolo poético ou de uma lembrança distante. Estamos diante de um acontecimento que mudou para sempre o curso da história: Deus falou… e falou definitivamente. Não com discursos ruidosos, não com imposição ou espetáculo, mas com a fragilidade de uma criança. Como afirma Karl Rahner, proclamar que é Natal significa reconhecer que Deus disse sua última e mais bela palavra ao mundo, uma palavra irrevogável, inscrita na carne da história: “Mundo, eu te amo”.
O profeta Isaías já anunciava a beleza dessa notícia que corre pelos caminhos da humanidade: “Como são belos, sobre os montes, os pés do mensageiro que anuncia a paz, que proclama boas-novas” (Is 52,7). Natal é exatamente isso: a Boa-Nova que chega aos pés cansados da humanidade, aos caminhos marcados por guerras, injustiças e desalentos. Deus não envia apenas uma mensagem; Ele mesmo se faz Mensagem, faz-se Palavra viva no meio de nós.
O Salmo ecoa como um canto de alegria universal: “Os confins da terra contemplaram a salvação do nosso Deus” (Sl 97[98],3cd). Não se trata de uma salvação reservada a poucos, nem confinada aos espaços sagrados. Ela é oferecida a todos, alcança os confins, toca a vida concreta, as dores escondidas, os medos não ditos e também as esperanças silenciosas que habitam o coração humano.
A Carta aos Hebreus nos ajuda a compreender a profundidade deste mistério: “Muitas vezes e de muitos modos Deus falou outrora aos nossos pais pelos profetas; nestes dias, falou-nos pelo Filho” (Hb 1,1-2). Em Jesus, Deus não apenas fala sobre si mesmo; Ele se entrega. Não nos oferece apenas orientações morais, mas a própria vida. O Filho é a Palavra plena, definitiva, que revela o rosto do Pai e o sentido mais profundo da nossa existência.
E o Evangelho de João nos conduz ao cume desta celebração: “No princípio era o Verbo, e o Verbo estava junto de Deus, e o Verbo era Deus” (Jo 1,1)… “E o Verbo se fez carne e habitou entre nós” (Jo 1,14). Aqui está o escândalo e a beleza do Natal: a Palavra eterna entra no tempo, o Infinito aceita os limites, Deus escolhe morar no chão da nossa história. Ele não grita para ser ouvido; pede silêncio para ser acolhido.
Irmãos e irmãs, vivemos na era das comunicações. Nunca se falou tanto, nunca se escreveu tanto, nunca se produziu tanta informação. E, paradoxalmente, nunca foi tão difícil ouvir. Estamos imersos numa verdadeira “infodemia”, um excesso de palavras que nos confunde, nos cansa e, muitas vezes, nos afasta do essencial. Notícias falsas, fofocas disfarçadas de entretenimento, discursos agressivos, promessas vazias, palavras usadas como armas… Tudo isso vai criando um ruído constante que ocupa a mente e endurece o coração.
O Natal surge como um convite radical à desintoxicação. Para ouvir a Palavra que salva, precisamos silenciar tantas outras palavras que nos dominam: as da publicidade que nos fazem acreditar que somos aquilo que consumimos; as palavras superficiais que empobrecem nossos relacionamentos; as palavras feridas, carregadas de preconceito, suspeita e julgamento. Em meio a esse emaranhado, Deus fala baixo, como quem respeita nossa liberdade, mas fala com uma profundidade que pode recriar a vida.
A Palavra que nasce em Belém não vem para nos informar, mas para nos transformar. Como uma mãe que ensina seu filho a falar, Deus nos educa para uma nova linguagem. Ele nos ensina palavras que geram vida: amor, misericórdia, perdão, acolhimento, escuta, fraternidade, solidariedade, comunhão. Este é o vocabulário do Reino. Quem acolhe essa Palavra começa a existir de outra maneira, começa a viver de outro modo.
O Evangelho nos recorda: “A todos os que a receberam, deu-lhes o poder de se tornarem filhos de Deus” (Jo 1,12). Acolher a Palavra não é apenas ouvi-la, mas deixá-la habitar em nós, orientar nossas escolhas, curar nossas feridas, iluminar nossas decisões. É permitir que ela transforme nossas famílias, nossas amizades, nossas comunidades e também nosso modo de participar da vida social e política, tornando-nos construtores de diálogo e não de ódio, de verdade e não de manipulação.
Maria, a mulher do silêncio fecundo, ensina-nos o caminho. Depois de acolher a Palavra do Anjo, ela pronunciou a palavra que mudou a história: “FAÇA-SE”. Hoje, o Natal nos pede a mesma disponibilidade. Deus continua querendo nascer, mas precisa do nosso “SIM”. Precisa do nosso silêncio atento, do nosso coração aberto, da nossa coragem de viver segundo a lógica do amor.
Irmãs e irmãos, que neste Natal sejamos capazes de criar espaços de silêncio para ouvir a Palavra que se fez carne. Que saibamos escolher palavras que geram vida e abandonar aquelas que ferem e dividem. Que o Verbo encarnado encontre morada em nossas casas, em nossas relações e em nossas comunidades. Então, a luz que brilhou em Belém continuará a iluminar os dias de hoje, e o mundo poderá, através de nós, ouvir novamente a Palavra mais bela que Deus já pronunciou: “EU TE AMO”.
Feliz e santo Natal do Senhor para todos.
Texto de Quique Martínez de la Lama-Noriega, cmf
Fonte: MISSIONÁRIOS CLARETIANOS (CIUDAD REDONDA)
Este artigo foi produzido com a assistência de ferramentas de inteligência artificial.