II DOMINGO DO ADVENTO (ANO A)

A PALAVRA DESTAQUE

À medida que avançamos pelo Advento, somos convidados a desacelerar o passo e a permitir que a luz de Deus toque zonas do nosso coração que, por vezes, preferimos manter fechadas. Celebrar o nascimento de Jesus não é apenas recordar um fato passado: é abrir espaço, no presente, para que a vinda do Filho transforme o que ainda permanece velho dentro de nós. A liturgia deste tempo aponta exatamente para isso: Cristo vem cumprir as promessas de Deus e inaugurar um mundo novo – não um mundo imaginário, mas um mundo possível, embora radicalmente diferente da realidade marcada por conflitos, violências e feridas que insistem em se repetir em nossa história.

Isaías, com sua poesia cheia de esperança, descreve na Primeira Leitura (Is 11,1-10) esse mundo com imagens quase desconcertantes: lobo e cordeiro caminhando lado a lado, criança brincando sem medo junto ao esconderijo da serpente. À primeira vista, parecem metáforas distantes; mas, se deixarmos que a Palavra ressoe mais fundo, percebemos que o profeta fala também de nós. Ele descreve o que Deus deseja restaurar em nosso interior: relações reconciliadas, medos pacificados, feridas curadas. Essa visão aponta para o Menino de Belém, o Deus que vem pequeno, frágil, mas capaz de reordenar o caos humano com a mansidão de quem ama sem limites.

O Evangelho (Mt 3,1-12) nos apresenta João Batista, firme e direto, convocando cada pessoa a uma decisão concreta: converter-se. Não se trata apenas de mudar comportamentos, mas de mudar a rota da própria vida – deixar os caminhos que não levam a lugar nenhum e voltar-se para Deus. Esse movimento, exigente e libertador, prepara o coração para reconhecer o Reino que se aproxima, para acolher Aquele que vem trazer justiça e paz.

Paulo, na Segunda Leitura (Rm 15,4-9), recorda aos cristãos de Roma – e a nós – que seguir Cristo significa tornar visível, no cotidiano, o mundo novo anunciado. Acolher os frágeis, promover a unidade, viver a fraternidade real, e não apenas desejada: tudo isso é participar, aqui e agora, do Reino que chegou em Jesus. Ele não inaugura apenas uma esperança futura; inaugura uma missão presente. E nós somos chamados a ser sinais vivos dessa promessa que já começou.

Fonte: Congregação dos Sacerdotes do Coração de Jesus

Leituras

Diante das feridas de nosso tempo, ergue-se a raiz de Jessé: sobre Ele, o Espírito do Senhor repousa, trazendo à nossa humanidade fatigada justiça para os humildes e uma paz tão profunda que reconcilia até os mais antigos inimigos, inundando a terra com o conhecimento de Deus.

Naqueles dias,
1 nascerá uma haste do tronco de Jessé
e, a partir da raiz, surgirá o rebento de uma flor;
2 sobre ele repousará o espírito do Senhor:
espírito de sabedoria e discernimento,
espírito de conselho e fortaleza,
espírito de ciência e temor de Deus;
3 no temor do Senhor encontra ele seu prazer.
Ele não julgará pelas aparências que vê
nem decidirá somente por ouvir dizer;
4 mas trará justiça para os humildes
e uma ordem justa para os homens pacíficos;
fustigará a terra com a força da sua palavra
e destruirá o mau com o sopro dos lábios.
5 Cingirá a cintura com a correia da justiça
e as costas com a faixa da fidelidade.
6 O lobo e o cordeiro viverão juntos
e o leopardo deitar-se-á ao lado do cabrito;
o bezerro e o leão comerão juntos
e até mesmo uma criança poderá tangê-los.
7 A vaca e o urso pastarão lado a lado,
enquanto suas crias descansam juntas;
o leão comerá palha como o boi;
8 a criança de peito vai brincar
em cima do buraco da cobra venenosa;
e o menino desmamado
não temerá pôr a mão na toca da serpente.
9 Não haverá danos nem mortes
por todo o meu santo monte:
a terra estará tão repleta do saber do Senhor
quanto as águas que cobrem o mar.
10 Naquele dia, a raiz de Jessé
se erguerá como um sinal entre os povos;
hão de buscá-la as nações, e gloriosa será a sua morada.
Palavra do Senhor.

Em meio aos clamores por justiça de nosso tempo, o Senhor nos convida a sonhar: que o Seu Reino de paz e retidão floresça em nossos corações, transformando nossa compaixão em abrigo real para os pobres, até que a lua não brilhe mais, pois só no amor que se inclina ao frágil, a humanidade inteira encontrará sua bendita canção.

R. Nos seus dias a justiça florirá.

1 Dai ao Rei vossos poderes, Senhor Deus, *
vossa justiça ao descendente da realeza!
2 Com justiça ele governe o vosso povo, *
com equidade ele julgue os vossos pobres. R.

7 Nos seus dias a justiça florirá *
e grande paz, até que a lua perca o brilho!
8 De mar a mar estenderá o seu domínio, *
e desde o rio até os confins de toda a terra! R.

12 Libertará o indigente que suplica, *
e o pobre ao qual ninguém quer ajudar.
13 Terá pena do indigente e do infeliz, *
e a vida dos humildes salvará.  R.

17 Seja bendito o seu nome para sempre! *
E que dure como o sol sua memória!
Todos os povos serão nele abençoados, *
todas as gentes cantarão o seu louvor!  R.

Diante das divisões que ainda nos afligem, recordemos que tudo quanto outrora foi escrito, foi escrito para nossa instrução, para que, abraçados pelo conforto das Escrituras e pelo exemplo supremo de Cristo que nos acolheu, encontremos na constância e na concórdia a força para sermos, hoje, um só coração que glorifica a Deus.

Irmãos,
4 tudo o que outrora foi escrito,
foi escrito para nossa instrução,
para que, pela nossa constância
e pelo conforto espiritual das Escrituras,
tenhamos firme esperança.
5 O Deus que dá constância e conforto
vos dê a graça da harmonia e concórdia, uns com os
outros, como ensina Cristo Jesus.
6 Assim, tendo como que um só coração e a uma só voz,
glorificareis o Deus
e Pai do Senhor nosso, Jesus Cristo.
7 Por isso, acolhei-vos uns aos outros,
como também Cristo vos acolheu, para a glória de Deus.
8 Pois eu digo:
Cristo tornou-se servo dos que praticam a circuncisão,
para honrar a veracidade de Deus,
confirmando as promessas feitas aos pais.
9 Quanto aos pagãos,
eles glorificam a Deus, em razão da sua misericórdia,
como está escrito:
“Por isso, eu vos glorificarei entre os pagãos
e cantarei louvores ao vosso nome”.
Palavra do Senhor.

No árido deserto de nossas vidas, ressoa ainda a voz profética: Convertei-vos, porque o Reino dos Céus está próximo – um clamor urgente que, hoje, nos convida a endireitar os caminhos do coração, acolhendo o fogo purificador do Espírito que transforma nossa aridez em fecundidade divina.

1 Naqueles dias, apareceu João Batista,
pregando no deserto da Judéia:
2 Convertei-vos, porque o Reino dos Céus está próximo”.
3 João foi anunciado pelo profeta Isaías, que disse:
“Esta é a voz daquele que grita no deserto:
preparai o caminho do Senhor,
endireitai suas veredas!”
4 João usava uma roupa feita de pelos de camelo
e um cinturão de couro em torno dos rins;
comia gafanhotos e mel do campo.
5 Os moradores de Jerusalém, de toda a Judéia
e de todos os lugares em volta do rio Jordão
vinham ao encontro de João.
6 Confessavam os seus pecados
e João os batizava no rio Jordão.
7 Quando viu muitos fariseus e saduceus
vindo para o batismo, João disse-lhes:
“Raça de cobras venenosas, quem vos ensinou
a fugir da ira que vai chegar?
8 Produzi frutos que provem a vossa conversão.
9 Não penseis que basta dizer: ‘Abraão é nosso pai’,
porque eu vos digo: até mesmo destas pedras
Deus pode fazer nascer filhos de Abraão.
10 O machado já está na raiz das árvores,
e toda árvore que não der bom fruto
será cortada e jogada no fogo.
11 Eu vos batizo com água para a conversão,
mas aquele que vem depois de mim
é mais forte do que eu.
Eu nem sou digno de carregar suas sandálias.
Ele vos batizará com o Espírito Santo e com fogo.
12 Ele está com a pá na mão;
ele vai limpar sua eira
e recolher seu trigo no celeiro;
mas a palha ele a queimará
num fogo que não se apaga”.
Palavra da Salvação.

Homilia

O HOMEM QUE GRITOU NO DESERTO

Depois de tantos anos… aprendi algo essencial: as palavras mais importantes raramente são as mais elaboradas. João Batista sabia disso. Seu anúncio cabia numa única palavra: Convertei-vos! Uma palavra que, em nossos dias, domesticamos a ponto de torná-la inofensiva.

Mas “conversão” não significa acrescentar uma prática piedosa à rotina. Metanoia, em grego, significa literalmente “mudar a mente”, dar uma volta completa. É deixar um caminho para assumir outro radicalmente diferente. João não nos convida a um retoque superficial: ele chama a uma revolução interior.

E o faz porque proclama algo iminente: “Está próximo o Reino dos Céus” (Mt 3,2). Não diz “um dia virá”, mas “está próximo”, “já chega”. O Reino de Deus irrompe na história, e nós seguimos distraídos, como se nada estivesse prestes a mudar.

O PROFETA INCÔMODO

João é uma figura desconcertante. Vestido com peles, alimentando-se de gafanhotos, vivendo no deserto. Nada parecido com os líderes religiosos de Jerusalém, com suas vestes impecáveis e teologia confortável. João rompe os padrões. É a voz que clama onde quase ninguém quer ouvir: no deserto, no vazio, no silêncio que provoca. E, no entanto, “vinha a ele gente de Jerusalém, de toda a Judeia e de toda a região do Jordão”. Por quê? Porque o povo intuía que aquele homem dizia a verdade – uma verdade sem filtros, sem diplomacias, sem concessões. E, quando estamos cansados de meias verdades e palavras ocas, a autenticidade se torna irresistivelmente magnética.

Quando fariseus e saduceus chegam, João não os cumprimenta com cortesia. Ele brada: “Raça de víboras! Quem vos ensinou a fugir da ira que está para vir?” (Mt 3,7). Palavras que hoje seriam inadmissíveis em muitos púlpitos. Mas João não deseja agradar — deseja despertar. E despertar, às vezes, dói. “Não penseis: ‘Temos Abraão por pai’.” Em outras palavras: não adianta escudar-se na tradição, na pertença religiosa, em credenciais espirituais. Deus pode suscitar filhos de Abraão até das pedras. O que conta é o fruto real de nossa vida — não o sobrenome espiritual que carregamos.

O BATISMO DA ÁGUA E O BATISMO DO FOGO

Eu vos batizo com água”, afirma João, “mas aquele que vem depois de mim é mais forte do que eu”. O batismo de João era um sinal externo de arrependimento — importante, sim, mas insuficiente. O que vem depois – Jesus – batizará “com o Espírito Santo e com fogo”.

O fogo purifica. Queima o que é falso, o que sobra, o que impede a vida. Deixa apenas o essencial. E isso, irmãos e irmãs, é o que mais precisamos em 2025: não mais verniz, não mais aparência, não mais “religião de vitrine”. Precisamos desse fogo que transforma por dentro, que nos devolve a nós mesmos – renovados, íntegros, vivos.

O poeta polonês Czesław Miłosz escreveu algo profundamente afinado com este Advento: “Na vida de cada pessoa há um momento em que está perto da grandeza, da luz, do real. E depois esquece.” João nos recorda esse momento. Ele nos sacode para que não o deixemos morrer.

O REBENTO DE JESSÉ: O SONHO DE ISAÍAS

O profeta Isaías – aquele que João anuncia – proclamou algo humanamente impossível: um broto surgiria do tronco de Jessé; um rei cheio do Espírito – sabedoria, inteligência, conselho, fortaleza, ciência, piedade e temor de Deus – que julgaria com justiça e defenderia os pobres. Um rei sob cujo reinado o lobo habitaria com o cordeiro, o leopardo repousaria com o cabrito, o bezerro e o leão pastariam juntos (cf. Is 11,1-10).

UTOPIA? Talvez. Mas o cristianismo é exatamente isso: acreditar que o impossível pode tornar-se presente. Que os incompatíveis podem reconciliar-se. Que a violência pode ser vencida pelo amor. Que o ódio pode transformar-se em perdão. Em nosso mundo de 2025, polarizado até o extremo, onde cada grupo se entrincheira em sua própria verdade e demoniza o outro, esse sonho de Isaías parece ingênuo. Mas aí reside a radicalidade do Evangelho: ele não se adapta ao nosso cinismo – ele nos desafia a crer que outro mundo é possível.

O QUE FOI ESCRITO, FOI ESCRITO PARA NÓS

São Paulo, na carta aos Romanos, afirma algo essencial: “Tudo o que foi escrito no passado, foi escrito para nossa instrução” (Rm 15,4). O passado não é arqueologia: é memória viva, alimento para o hoje. As promessas de Deus não caducaram; a esperança dos profetas não é nostalgia – é combustível para o presente.

Paulo nos convida a “TER OS MESMOS SENTIMENTOS DE CRISTO JESUS” e a “acolher-nos uns aos outros como Cristo nos acolheu” (cf. Rm 15,5-7). Não é uma moral de manual, mas uma forma de olhar o mundo com o coração de Cristo — e esse olhar é sempre acolhedor, misericordioso, cheio de esperança que não se corrompe.

O DESERTO DE 2025

João gritava no deserto da Judeia. Qual é o nosso deserto hoje? Não é geográfico: É EXISTENCIAL.
É o ruído incessante que impede o silêncio interior.
É a avalanche de informações que destrói critérios.
É a solidão em meio à hiperconexão.
É a ansiedade que paralisa e fere.

E, nesse deserto, ainda ressoa a mesma pergunta:
Estás disposto a mudar de direção, ou apenas caminhas em círculos?

João preparava o caminho do Senhor. Como o preparamos hoje? Não com gestos grandiosos, mas com honestidade profunda; com a coragem de reconhecer onde erramos; com a decisão de deixar morrer o que já não gera vida; com abertura ao fogo do Espírito que purifica e renova.

O machado já está posto à raiz das árvores”, diz João (Mt 3,10). Não é ameaça: é convite urgente. O tempo se encurta — não para condenar, mas para libertar. Para que deixemos de fingir e comecemos a viver.

ADVENTO: O TEMPO DO REAL

Neste Advento, Deus não nos pede perfeição – PEDE VERDADE.
Verdade diante d’Ele, do próximo e de nós mesmos.
Verdade como João no deserto: sem máscaras, sem poses, sem “mentiras piedosas”.

O Reino de Deus está próximo. O “Mais Forte” vem. E quando vier, não perguntará por nossas credenciais, mas pelo fruto.

Amamos de verdade?
Acolhemos o diferente?
Trabalhamos pela justiça?
Fomos — mesmo que um pouco — antecipação do mundo onde o lobo habita com o cordeiro?

Irmãos e irmãs, depois de tantos anos refletindo sobre essas coisas, digo com simplicidade: não compliquemos o Evangelho. João não complicou. Uma única palavra: CONVERTEI-VOS. Porque “está próximo o Reino dos Céus” (Mt 3,2).

Que este Advento seja, para cada um de nós, aquele momento de proximidade com “a grandeza, a luz e o real” de que falava Miłosz. E que não o esqueçamos.

Texto: JOSÉ CRISTO REY GARCÍA PAREDES
Fonte: ECOLOGÍA DEL ESPÍRITU
Este artigo foi produzido com a assistência de ferramentas de inteligência artificial.