Meu pai faleceu quando eu tinha vinte e três anos. Eu era seminarista, jovem, ainda em processo de aprendizado sobre a vida. Perder um pai é doloroso em qualquer idade; no meu caso, a dor foi ainda maior porque apenas começava a perceber o valor do que ele havia me dado.
Com o tempo compreendi que já não o necessitava – embora o desejasse intensamente. Tudo o que ele tinha para me oferecer, já havia me entregado. Eu possuía a sua bênção.
Eu sabia que tinha a sua bênção. Ele se alegrava com a minha vida e com o caminho que eu havia escolhido. Como a voz do Pai no batismo de Jesus – “Tu és o meu Filho amado, em ti ponho toda a minha complacência” (Mc 1,11) — também ele, de certa forma, já me havia dito isso. Nem todos têm essa graça. E talvez esta seja a maior riqueza que um filho pode receber de seu pai.

E O QUE ELE DEIXOU A MIM E A MEUS IRMÃOS?
Mais do que poderia enumerar, mas entre tantas heranças, destacou-se uma firmeza moral inabalável. Foi uma das pessoas mais retas que conheci, quase incapaz de aceitar concessões no campo da moral. Rejeitava a ideia de que “somos humanos e, portanto, podemos dar-nos exceções”. Repetia com vigor: “Qualquer um pode me mostrar humanidade; eu preciso que alguém me mostre divindade”. Esperava de nós que não falhássemos, que vivêssemos de acordo com a fé e com a moral, sem desculpas. Essa exigência moral era o ar que respirávamos em casa.
Além disso, havia nele uma serenidade constante, quase exagerada. Hoje costumamos brincar dizendo que a moderação era o seu único excesso. Nunca havia explosões de raiva, nem depressões, nem euforias, nem oscilações de humor. Não era preciso adivinhar em que estado de ânimo ele se encontrava.
Com essa estabilidade – e com a presença de minha mãe – ofereceu-nos um lar seguro, um refúgio. Por vezes, monótono, sim, mas sempre firme e protetor. Quando recordo a casa em que cresci, penso em um abrigo no qual se contemplavam as tempestades do lado de dentro, aquecido e protegido. Nem todos têm essa bênção.
E, como éramos muitos irmãos e seu afeto precisava ser repartido, jamais o senti como “meu” pai, mas como “NOSSO” pai. Isso me ajudou a compreender o ensinamento inicial da oração do Senhor: Deus é “Pai Nosso” (Mt 6,9). Não é apenas “meu”, mas “nosso”, compartilhado com todos.
Sua família, porém, ia além de seus próprios filhos. Desde pequeno aprendi a não me irritar por ele nem sempre estar em casa. Havia razões justas: seu trabalho, a comunidade, a paróquia, os hospitais, a escola, a vida política. Ele era pai também de uma família mais ampla do que a nossa.
E, por fim, transmitiu a mim e a meus irmãos o amor pelo beisebol. Durante muitos anos dirigiu um time local. Ali encontrava descanso e alegria.
Mas nenhuma bênção é perfeita. Meu pai era humano, e as maiores virtudes costumam vir acompanhadas de limitações. Em sua firmeza moral e em sua serenidade, havia também uma certa reserva, que não lhe permitia entregar-se plenamente à alegria da vida. Todo filho observa como o pai “dança” a vida, e mede sua liberdade pela espontaneidade, pelo abandono, pela capacidade de deixar-se levar, até mesmo pela imprudência.
Meu pai não tinha muita espontaneidade nem abandono em sua forma de “dançar a vida”. E eu herdei isso. Às vezes isso me dói profundamente. Houve momentos, tanto na infância como na vida adulta, em que teria desejado outro pai – mais livre, menos contido diante da alegria.
Essa é, em parte, a minha luta para receber plenamente a sua bênção. Lembro-me dos versos de William Blake, em Infant Sorrow: “Lutando nas mãos de meu pai”. Para mim, isso significa lutar com aquela dificuldade que meu pai tinha de se deixar levar, de saborear plenamente a vida.
Contudo, ainda que houvesse reserva, nunca houve irresponsabilidade em sua maneira de “dançar”. Mesmo que isso significasse permanecer à margem da pista. No dia do seu funeral, chorei, mas também me enchi de orgulho: orgulho pelo respeito que todos demonstraram à forma como ele viveu. Ninguém o julgou por sua reserva.
Hoje, tenho mais anos do que ele tinha quando morreu. Já vivi quinze anos além do tempo que lhe foi concedido. E, no entanto, continuo habitando dentro de sua bênção – consciente ou inconscientemente – procurando estar à altura dela, honrando o que me transmitiu. E quase sempre isso é fonte de bem, ainda que, por vezes, eu me descubra fora da pista da vida, olhando os que dançam com mais liberdade, trazendo no rosto o mesmo semblante reservado dele, e sentindo uma certa inveja daqueles que sabem bailar a vida com mais leveza. Eu, sempre filho de meu pai.
Texto: Ron Rolheiser
Fonte: Ciudad Redonda