A Carta aos Hebreus foi escrita para uma comunidade cristã de origem judaica, provavelmente em um contexto de perseguição, cansaço espiritual e risco de abandono da fé. Seu autor – de identidade incerta, mas com profundo conhecimento do Antigo Testamento e da liturgia judaica – procura animar os leitores apresentando uma “galeria dos heróis da fé”. No capítulo 11, ele expõe exemplos de grandes personagens bíblicos, como Abraão e Sara, que viveram e perseveraram confiando nas promessas de Deus, mesmo sem verem sua plena realização.
Pela fé, Abraão obedeceu ao chamado divino e partiu rumo a uma terra desconhecida, sustentado unicamente pela promessa de Deus (Hb 11,8-9). Viveu como estrangeiro, na esperança da “cidade cujo arquiteto e construtor é Deus” (Hb 11,10). Depositou toda a sua confiança no Senhor, a ponto de se dispor a oferecer Isaac, certo de que Deus era capaz de ressuscitá-lo (Hb 11,17-19). Sara, por sua vez, mesmo sendo estéril e de idade avançada, acreditou na promessa, pois considerou fiel aquele que a havia feito (Hb 11,11).

Esses exemplos revelam que a fé é confiança profunda, capaz de sustentar, contra toda evidência humana, o salto para o desconhecido, apoiado unicamente na Palavra de Deus. É a certeza de que, mesmo quando o caminho não se mostra claro, o Senhor nos guia com amor fiel. É nesse contexto que o autor da Carta aos Hebreus nos oferece uma das mais belas e densas definições da fé: “A fé é o fundamento daquilo que se espera, a convicção a respeito do que não se vê” (Hb 11,1).
Essa afirmação coloca a fé – virtude teologal – em estreita relação com a virtude teologal da esperança, orientando-a para o futuro e para o invisível. Nessa perspectiva, a fé é a firme confiança de já possuir, de forma antecipada, os bens futuros que ainda não se veem. Pela fé, acolhemos no presente aquilo que existe apenas como promessa, vivendo com a certeza daquilo que ainda esperamos. Por outro lado, a fé é também uma convicção sólida a respeito de realidades invisíveis, fundamentada na fidelidade de Deus. Tal concepção pode parecer estranha ou até mesmo controversa em nossa cultura, marcada pelo imediatismo e pelo materialismo, que tende a reconhecer como real apenas o que é tangível e mensurável. Entretanto, a própria experiência humana demonstra que a realidade não se restringe ao que podemos tocar ou perceber com os sentidos. Há um horizonte mais amplo, que abrange verdades profundas e essenciais, acessíveis somente pela fé.
Para Bento XVI (Audiência Geral, 24/10/2012), as grandes questões do sentido da vida – de onde viemos, para onde vamos, qual a finalidade da nossa existência – só encontram resposta no horizonte da fé. Os mais avançados progressos científicos não conseguem tocar o núcleo das perguntas existenciais, como bem observou Wittgenstein: “Ainda que todas as questões científicas possíveis tenham obtido resposta, nossos problemas de vida sequer teriam sido tocados” (Tractatus Logico-Philosophicus, 6.52). De fato, os avanços científicos, tecnológicos e econômicos, embora tornem a vida mais confortável, não eliminam os grandes questionamentos sobre o sentido da existência.
A fé é, antes de tudo, um ato de confiança e entrega pessoal ao Deus vivo. É dom divino e, ao mesmo tempo, resposta livre do ser humano, expressão de uma adesão confiante Àquele que nos guia e ampara. Viver pela fé é peregrinar nesta vida com os olhos voltados para o céu, como Abraão e Sara, crendo contra toda evidência. A fé antecipa, no presente, a eternidade prometida, sustentando-nos nas noites escuras da vida. Crer é caminhar na luz da promessa, certos de que Deus é fiel à sua Palavra (Hb 10,23).
Texto: Dom João Santos Cardoso
Fonte: CNBB