À primeira vista, essa pode parecer uma pergunta frívola ou até irreverente. Mas, na verdade, não é. Trata-se de uma questão profundamente séria – e ao mesmo tempo reverente. Por quê? Porque o humor saudável, a brincadeira sincera e a leveza da alma trazem alegria, serenidade e uma visão equilibrada para nossas vidas. Podemos mesmo imaginar que essa maravilhosa leveza do coração não tenha nenhuma ligação com Deus?
Deus tem senso de humor? Claro que sim! Sem dúvida alguma! Jesus nos ensina que Deus é o autor de todas as coisas boas. O humor, a capacidade de brincar e as piadas sadias são coisas boas, humanas e espiritualmente saudáveis. Portanto, seu último e verdadeiro fundamento só pode estar no próprio Deus.
Mas por que essas coisas são boas? Que papel positivo desempenham em nossas vidas?
Freud certa vez sugeriu que, para compreender algo, ajuda observar também o seu contrário. E quais seriam os opostos do humor, do brincar e das piadas? Podemos encontrá-los em três realidades: a excessiva seriedade, a irritação desnecessária e a pomposidade — nenhuma delas saudável.
Considere este exemplo: vivi praticamente toda a minha vida adulta numa comunidade religiosa masculina, e, em geral, tem sido uma experiência profundamente positiva e vivificante. Contudo, entre os (literalmente) centenas de religiosos com quem partilhei comunidade nesses mais de cinquenta anos, às vezes havia irmãos excessivamente sérios, cuja simples presença na sala comum ou à mesa conseguia, de fato, roubar a alegria do ambiente.
Recordo-me de um episódio durante uma refeição: alguém contou uma piada um pouco ousada (picante, mas não desrespeitosa). A maioria de nós respondeu com uma boa gargalhada. Porém, assim que o riso se dissipou, um dos irmãos, com um tom pesado e excessivamente piedoso, perguntou:
“Você contaria uma piada dessas diante do Santíssimo Sacramento?”
Aquela pergunta não apenas silenciou a alegria no ambiente e trouxe um peso ao encontro, mas também, de certa forma, drenou o oxigênio da sala.
A seriedade excessiva, embora não seja um defeito moral, pode nos deixar vulneráveis demais às exigências da vida familiar e comunitária — exigências que, de fato, jamais conseguiremos cumprir totalmente. Ao contrário, o jogo, o humor e as brincadeiras, quando saudáveis, se tornam o “lubrificante” necessário para que a convivência seja leve e possível.
Por exemplo, quando alguém ingressa numa congregação religiosa, faz voto de viver em comunidade (no meu caso, masculina) pelo resto da vida. Além disso, não se pode escolher com quem vai morar. Simplesmente se é enviado a uma comunidade, que inevitavelmente terá alguns membros de temperamento muito diferente do nosso – pessoas com quem, em circunstâncias normais, talvez jamais escolheríamos conviver.
Pois bem: vivo há quase sessenta anos nesse tipo de comunidade religiosa e, com pouquíssimas exceções, tem sido uma experiência positiva e cheia de alegria. Grande parte disso se deve ao fato de que sempre tive a bênção de viver em comunidades onde faz parte do nosso modo de ser o intercâmbio diário de humor, brincadeiras e leveza. A oração e a missão comum são, evidentemente, o cimento que nos mantém unidos; mas o humor, o jogo e as piadas são a graxa que impede que pequenos atritos e a tentação sempre presente da pomposidade nos desgastem.
É curioso notar que os filósofos gregos clássicos entendiam o amor como composto de seis elementos:
- Eros – encantamento e atração
- Manía – obsessão
- Asteísmo – jogo e humor
- Storgé – cuidado
- Philia – amizade
- Ágape – altruísmo
Quando definimos o amor, geralmente incluímos quase todos esses elementos – exceto o Asteísmo, o jogo e a brincadeira. E pagamos caro por isso.
Meu mestre de noviços, um maravilhoso sacerdote franco-canadense, certa vez nos contou (a nós, jovens noviços) uma piada com propósito pedagógico. Dizia assim:
Uma família estava organizando o casamento da filha, mas não tinha condições de alugar um salão para a festa após a cerimônia religiosa. Então o sacerdote fez uma proposta:
“Por que vocês não usam a entrada, o vestíbulo da igreja? Há espaço suficiente para uma recepção. Tragam um bolo e façam a festa ali mesmo.”/
Tudo parecia resolvido até que o pai da noiva perguntou se poderiam levar bebidas alcoólicas para a recepção. O sacerdote respondeu muito enfaticamente:
“De jeito nenhum! Não se pode ter bebida alcoólica numa igreja!”
O pai da noiva protestou:
“Mas Jesus bebeu vinho nas Bodas de Caná.
Ao que o sacerdote replicou:
“Sim, mas não diante do Santíssimo Sacramento!”
Essa piada funciona quase como uma pequena parábola que nos alerta para o perigo de retirar de Deus o humor e a alegria do brincar.
Deus tem senso de humor, tem gosto pela brincadeira e possui um talento para a leveza muito maior do que qualquer um dos nossos melhores comediantes. Como poderia ser diferente?
Você consegue imaginar a eternidade no céu sem risos ou brincadeiras?
Consegue imaginar um Deus que é amor perfeito, mas com quem você teria medo até de brincar?
Será que a última risada antes da morte seria a última para sempre?
Não. Deus possui um senso de humor que, certamente, será para todos nós uma bela e surpreendente alegria.
Perguntas para Reflexão
- Como o humor saudável pode ser um caminho de santidade e de equilíbrio espiritual na vida cotidiana?
- Em quais momentos tenho permitido que a seriedade excessiva ofusque a leveza que Deus deseja para minha vida?
- De que forma posso cultivar um ambiente mais humano e fraterno através do riso e da brincadeira saudável?
- Como imagino o humor de Deus atuando hoje em minha comunidade, minha família ou meu coração?
Texto: RON ROLHEISER
Fonte: Ciudad Redonda