Neste domingo, celebramos com alegria a Festa da Dedicação da Basílica de São João de Latrão, a catedral do Papa, símbolo da comunhão das Igrejas espalhadas pelo mundo. Erguida por Constantino e consagrada no ano 324, ela é chamada de “mãe de todas as igrejas da Urbe e do Orbe”. Mais do que uma construção de pedra, o Latrão é sinal visível de uma realidade espiritual profunda: a Igreja é a morada de Deus no meio da humanidade, um templo vivo onde Cristo continua a habitar e agir.
Essa celebração nos convida a olhar para além das paredes do templo e perceber que a verdadeira Casa de Deus é o coração do seu povo. O profeta Ezequiel, na Primeira Leitura, contempla uma visão extraordinária: das portas do Templo brota um rio de água viva, que transforma o deserto em jardim e dá vida onde antes havia morte. Essa água é símbolo da graça de Deus, que flui do seu amor e renova tudo o que toca. Cada batizado, alimentado por essa fonte, é chamado a tornar-se canal de vida, esperança e consolo para o mundo ferido.
No Evangelho, Jesus Se apresenta como o “Templo Novo”, o lugar onde Deus habita e se faz acessível. Ele é a presença viva do Pai, o santuário onde encontramos perdão, acolhida e sentido. Encontrar Deus, portanto, é encontrar-se com Cristo – é deixar-se purificar por Ele, que derruba as muralhas do egoísmo e reconstrói o templo interior de cada coração.
São Paulo, na Segunda Leitura, recorda aos coríntios – e a nós – que somos o templo do Espírito Santo. Onde há amor, justiça e fraternidade, aí Deus se faz presente. Somos pedras vivas dessa Igreja universal, chamadas a testemunhar o rosto misericordioso de Deus com gestos concretos de serviço e compaixão.
Celebrar a Dedicação do Latrão é redescobrir quem somos: missionários de esperança entre os povos, templos vivos onde o Espírito de Deus continua a fazer brotar rios de vida nova. Que esta festa nos inspire a renovar o coração e a fazer da nossa vida uma casa acolhedora, onde cada pessoa possa experimentar a presença transformadora de Cristo.
Leituras
Da ferida aberta do mundo, do Templo Vivo que é Cristo, jorra um rio de graça que, ao inundar a aridez de nossos dias, sacia toda sede de sentido e faz desabrochar, mesmo no asfalto, jardins de vida eterna.
na direção leste,
porque o Templo estava voltado para o oriente;
a água corria do lado direito do Templo,
ao sul do altar.
até à porta que dá para o leste,
onde eu vi a água jorrando do lado direito.
descem para o vale do Jordão,
desembocam nas águas salgadas do mar,
e elas se tornarão saudáveis.
Haverá peixes em quantidade,
pois ali desembocam as águas que trazem saúde;
e haverá vida onde chegar o rio.
crescerá toda espécie de árvores frutíferas;
suas folhas não murcharão
e seus frutos jamais se acabarão:
cada mês darão novos frutos,
pois as águas que banham as árvores saem do santuário.
Seus frutos servirão de alimento
e suas folhas serão remédio”.
Palavra do Senhor.
Em meio ao caos que estremece o coração, os braços de um rio vêm trazer alegria à Cidade de Deus: Ele é a presença serena que hoje irriga nossa alma sedenta, nos convidando a repousar em suas margens e encontrar a paz inabalável.
à Cidade de Deus, à morada do Altíssimo.
2 O Senhor para nós é refúgio e vigor, *
sempre pronto, mostrou-se um socorro na angústia;
3 assim não tememos, se a terra estremece, *
se os montes desabam, caindo nos mares. R.
5 Os braços de um rio vêm trazer alegria *
à Cidade de Deus, à morada do Altíssimo.
6 Quem a pode abalar? Deus está no seu meio! *
Já bem antes da aurora, ele vem ajudá-la. R.
8 Conosco está o Senhor do universo! *
O nosso refúgio é o Deus de Jacó!
9 Vinde ver, contemplai os prodígios de Deus †
e a obra estupenda que fez no universo: *
reprime as guerras na face da terra. R.
Não sois apenas frágeis tijolos, mas sois santuário de Deus, um templo sagrado onde o seu Espírito habita com amor; honrai, pois, esta divina morada em vós e nos irmãos, especialmente no mundo que tanto profana a dignidade humana.
— como experiente mestre de obra — o alicerce,
sobre o qual outros se põem a construir.
Mas cada qual veja bem como está construindo.
Jesus Cristo.
pois o santuário de Deus é santo,
e vós sois esse santuário.
Palavra do Senhor.
Quando o sagrado é profanado pela ganância e o coração vira mercado, lembrai-vos que Jesus estava falando do Templo do seu corpo: um santuário vivo, agora ressuscitado em nós, clamando para que nossa humanidade seja, hoje, morada de Deus e não um covil de comércio.
e os cambistas que estavam aí sentados.
junto com as ovelhas e os bois;
espalhou as moedas
e derrubou as mesas dos cambistas.
Não façais da casa de meu Pai uma casa de comércio!”
“O zelo por tua casa me consumirá”.
deste santuário e tu o levantarás em três dias?”
e acreditaram na Escritura e na palavra dele.
Palavra da Salvação.
Homilia
TEMPLOS VIVOS DE ESPERANÇA: DEUS HABITA NO CORAÇÃO DA HUMANIDADE
Irmãos e irmãs, hoje a Igreja nos convida a contemplar um mistério que vai muito além das pedras e dos altares: celebramos a Dedicação da Basílica de São João de Latrão, a catedral do Papa, chamada com ternura e reverência de “mãe e cabeça de todas as igrejas da Urbe e do Orbe”. Desde o século IV, quando o imperador Constantino a ofereceu ao Papa Silvestre I, ela se tornou símbolo visível da comunhão da Igreja universal, da unidade que brota da fé em Cristo e da esperança que sustenta os povos em meio às tribulações.
Mas esta festa não é apenas memória de uma construção antiga; é uma convocação espiritual. A Basílica do Latrão representa algo muito maior: a Igreja viva, feita de homens e mulheres redimidos por Cristo. E, olhando o mundo de hoje – fragmentado, apressado e, muitas vezes, indiferente ao sagrado – somos chamados a redescobrir o que significa ser “templos do Espírito Santo” (1Cor 3,16).
Vivemos tempos em que muitos templos interiores estão em ruínas. As pessoas buscam sentido em meio à pressa, e a alma humana – criada para ser morada de Deus – parece sufocada por ruídos e distrações. A Festa do Latrão vem como uma luz que nos recorda: Deus quer habitar conosco, não em edifícios distantes, mas no coração concreto de cada pessoa, nas casas, nas famílias, nas comunidades.
O profeta Ezequiel, em sua visão, vê “um rio de água viva que saía do templo e dava vida a tudo o que tocava” (Ez 47,1-12). Essa imagem é profundamente atual: o mundo de hoje precisa dessas águas! O deserto de nossos tempos – o deserto da solidão, da indiferença, da violência e do desânimo – só será fecundado quando deixarmos que a graça de Deus flua de nós, suas pedras vivas. Somos chamados a ser esse rio, levando esperança onde há aridez, levando ternura onde há dor.
No Evangelho, Jesus expulsa os vendilhões e declara: “Destruí este templo, e em três dias o levantarei” (Jo 2,19). Ele falava do templo de seu corpo, o verdadeiro santuário da presença de Deus. Hoje, Cristo continua purificando o templo do nosso coração. Ele nos convida a retirar o que é profano: o egoísmo, a indiferença, a frieza diante da dor alheia. Ele quer restaurar em nós a beleza do templo interior, para que o Pai possa ser adorado “em espírito e em verdade” (Jo 4,24).
Irmãos, cada igreja de pedra que visitamos é um lembrete visível daquilo que somos chamados a ser: templos vivos de fé, esperança e amor. Quando entramos em uma igreja, não estamos apenas em um lugar bonito; estamos diante de um sinal do próprio coração de Deus, que deseja acolher a todos. Por isso, é necessário recuperar o respeito e o silêncio sagrado diante do mistério. As igrejas não são espaços sociais, mas lugares onde o céu toca a terra.
E, no entanto, há algo ainda mais urgente: precisamos ser Igreja viva fora das paredes, testemunhas do Deus que habita entre nós. Ser missionários de esperança entre os povos é levar a presença de Cristo aos ambientes onde Ele parece esquecido – ao trabalho, à escola, à política, à cultura, às periferias existenciais. Onde houver um coração ferido, ali deve fluir a água viva que brota do templo de Deus.
Que esta celebração reacenda em nós a consciência de que o verdadeiro templo que o Senhor deseja edificar é o nosso coração, e que cada gesto de amor e reconciliação é uma pedra nova colocada nessa morada divina.
Que o Espírito Santo, que habita em nós, faça de cada um de nós uma basílica viva – não de mármore e ouro, mas de fé sólida, esperança perseverante e caridade ardente.
Amém.
Texto: Virginia Fernández
Fonte: Ciudad Redonda