XXVI DOMINGO DO TEMPO COMUM (ANO C)

A PALAVRA

Diante do abismo escandaloso que separa os que acumulam fortunas sem medida dos que sobrevivem com migalhas, ignorados em seus clamores, ecoa uma pergunta que não pode ser silenciada: o que pensa Deus desta desigualdade estrutural que marca nossa época? A liturgia de hoje responde com firmeza: o projeto do Criador não admite exclusão, nem miséria, nem a apropriação egoísta dos recursos destinados a todos. O sonho de Deus continua sendo este: uma vida digna, justa e plena para cada ser humano.

O profeta Amós continua atual. Hoje ele denunciaria aqueles que, anestesiados pelo consumismo e pelo conforto, vivem fechados em suas “bolhas digitais”, indiferentes ao sofrimento de milhões que enfrentam a fome, o desemprego e a falta de acesso à saúde e à educação. A indiferença, ontem como hoje, é um insulto ao coração de Deus. E Amós recorda: toda falsa segurança – seja riqueza acumulada, status social ou poder tecnológico – cedo ou tarde desmorona. Deus não se alia a sistemas construídos sobre a dor dos pobres.

Na parábola de Jesus, o rico não era um criminoso, mas um homem indiferente. E este é o drama de hoje: podemos atravessar a vida distraídos, centrados em nós mesmos, fechados em telas, em metas pessoais, sem enxergar o “Lázaro” que se encontra à nossa porta – o migrante, o morador de rua, o vizinho desempregado, até mesmo alguém da própria família. O abismo que criamos pela indiferença durante a vida pode se tornar, na eternidade, uma separação definitiva.

Em contrapartida, a Carta a Timóteo nos apresenta a imagem do homem e da mulher de Deus para o nosso tempo: gente que, movida pela fé e pelo Batismo, se empenha por justiça, partilha, solidariedade e cuidado com a criação. Não são apenas filantropos ocasionais, mas testemunhas vivas do Reino, faróis que iluminam uma sociedade anestesiada pela indiferença. Sua vida anuncia que o verdadeiro sentido da existência é este: um amor que se encarna em gestos concretos de proximidade e compaixão.

Fonte: Congregação dos Sacerdotes do Coração de Jesus

Leituras

Em meio aos excessos de nossa era, onde o luxo cega os corações à dor alheia, convido-vos a contemplar a advertência profética de Amós: Agora o bando dos gozadores será desfeito, despertando em nós a urgência de solidariedade e justiça que redime vidas reais.

Assim diz o Senhor todo-poderoso:
1a Ai dos que vivem despreocupadamente em Sião,
os que se sentem seguros nas alturas de Samaria!
4 Os que dormem em camas de marfim,
deitam-se em almofadas,
comendo cordeiros do rebanho
e novilhos do seu gado;
5 os que cantam ao som das harpas,
ou, como Davi, dedilham instrumentos musicais;
6 os que bebem vinho em taças,
e se perfumam com os mais finos unguentos
e não se preocupam com a ruína de José.
7 Por isso, eles irão agora
para o desterro, na primeira fila,
e o bando dos gozadores será desfeito.
Palavra do Senhor.

O Senhor faz justiça aos oprimidos e dá pão aos que têm fome, libertando os cativos: bendize, ó minha alma, este Deus que não é dos poderosos, mas da vida que pulsa nos pequenos.

R. Bendize, minha alma, louva ao Senhor!

O Senhor é fiel para sempre,*
7 faz justiça aos que são oprimidos;
ele dá alimento aos famintos, *
é o Senhor quem liberta os cativos. R.

8 O Senhor abre os olhos aos cegos *
o Senhor faz erguer-se o caído;
o Senhor ama aquele que é justo *
9a É o Senhor quem protege o estrangeiro. R.

bc Ele ampara a viúva e o órfão *
mas confunde os caminhos dos maus.
10 O Senhor reinará para sempre! †
Ó Sião, o teu Deus reinará *
para sempre e por todos os séculos! R.

Guarda o teu mandato até a manifestação gloriosa do Senhor, vivendo com fé corajosa, amor ardente e esperança firme, para que tua vida seja testemunho luminoso do Reino que já irrompe no mundo.

1 Tu que és um homem de Deus,
foge das coisas perversas,
procura a justiça, a piedade, a fé,
o amor, a firmeza, a mansidão.
12 Combate o bom combate da fé,
conquista a vida eterna,
para a qual foste chamado
e pela qual fizeste tua nobre profissão de fé
diante de muitas testemunhas.
13 Diante de Deus, que dá a vida a todas as coisas,
e de Cristo Jesus,
que deu o bom testemunho da verdade
perante Pôncio Pilatos, eu te ordeno:
14 guarda o teu mandato íntegro e sem mancha até
à manifestação gloriosa de nosso Senhor Jesus Cristo.
15 Esta manifestação será feita no tempo oportuno
pelo bendito e único Soberano,
o Rei dos reis e Senhor dos senhores,
16 o único que possui a imortalidade
e que habita numa luz inacessível,
que nenhum homem viu, nem pode ver.
A ele, honra e poder eterno. Amém.
Palavra do Senhor.

A indiferença que ergue um abismo na vida presente, onde recebeste os bens e Lázaro, os males, solidifica-se na eternidade: um consolo inesperado para os pequenos e um tormento insondável para o coração que se fechou ao irmão.

Naquele tempo, Jesus disse aos fariseus:
19 “Havia um homem rico,
que se vestia com roupas finas e elegantes
e fazia festas esplêndidas todos os dias.
20 Um pobre, chamado Lázaro, cheio de feridas,
estava no chão à porta do rico.
21 Ele queria matar a fome
com as sobras que caíam da mesa do rico.
E, além disso, vinham os cachorros lamber suas feridas.
22 Quando o pobre morreu,
os anjos levaram-no para junto de Abraão.
Morreu também o rico e foi enterrado.
23 Na região dos mortos, no meio dos tormentos,
o rico levantou os olhos e viu de longe a Abraão,
com Lázaro ao seu lado.
24 Então gritou: ‘Pai Abraão, tem piedade de mim!
Manda Lázaro molhar a ponta do dedo
para me refrescar a língua,
porque sofro muito nestas chamas’.
25 Mas Abraão respondeu: 
‘Filho, lembra-te que tu recebeste teus bens durante a vida
e Lázaro, por sua vez, os males.
Agora, porém, ele encontra aqui consolo
e tu és atormentado.
26 E, além disso, há um grande abismo entre nós:
por mais que alguém desejasse,
não poderia passar daqui para junto de vós,
e nem os daí poderiam atravessar até nós’.
27 O rico insistiu: 
‘Pai, eu te suplico, manda Lázaro à casa do meu pai,
28 porque eu tenho cinco irmãos.
Manda preveni-los, para que não venham também eles
para este lugar de tormento’.
29 Mas Abraão respondeu:
‘Eles têm Moisés e os Profetas, que os escutem!’
30 O rico insistiu: 
‘Não, Pai Abraão,
mas se um dos mortos for até eles,
certamente vão se converter’.
31 Mas Abraão lhe disse:
‘Se não escutam a Moisés, nem aos Profetas,
eles não acreditarão,
mesmo que alguém ressuscite dos mortos'”.
Palavra da Salvação.

Homilia

AS DUAS MESAS E O OUTRO LADO DA VIDA

Este domingo, o Evangelho nos apresenta duas mesas: a do banquete opulento do rico e a do chão, onde Lázaro recolhe as migalhas. E nos faz uma pergunta desconcertante: em qual dessas duas mesas nós nos sentamos? Enquanto condenamos os grandes dramas da humanidade, a Palavra de Deus nos recorda que a verdadeira tragédia começa, muitas vezes, dentro de casa, na mesa familiar, quando esquecemos que a nossa abundância não é apenas um presente, mas também uma responsabilidade. É um domingo incômodo, porque nos obriga a escolher de que lado queremos estar.

Dividiremos esta reflexão em três partes:

O PROFETA AMÓS E A IGREJA DO DESPERDÍCIO

A profecia incômoda de Amós, proclamada neste domingo, nos confronta com o abismo entre pobres e ricos. Ele nos repreende: “Vocês não se afligem com a ruína de José” (Am 6,6).

De fato, quando uma tragédia acontece – seja um acidente, uma catástrofe ou um ato de violência – lamentamos e até protestamos. Mas, após a comoção, voltamos facilmente à nossa rotina de consumo e conforto. O profeta descreve com dureza essa vida anestesiada: “Deitam-se em leitos de marfim, comem os cordeiros do rebanho, improvisam ao som da harpa, bebem vinho em taças e se perfumam com as melhores essências” (cf. Am 6,4-6).

Hoje, não é difícil perceber semelhanças: em uma sociedade do espetáculo e do consumo, até dentro da própria Igreja, ainda buscamos mais a estética dos grandes eventos do que a simplicidade evangélica. Há comunidades que se esforçam por viver a partilha e a solidariedade, mas o caminho ainda é longo. Quando, afinal, seremos a IGREJA DOS POBRES, e não a “igreja dos designers”, dos grandes espetáculos televisivos e do desperdício facilmente justificado?

HOMEM… MULHER DE DEUS!

Na segunda leitura, São Paulo apresenta a Timóteo uma visão grandiosa de Deus: “o Bem-aventurado e único Soberano, Rei dos reis e Senhor dos senhores, o único que possui a imortalidade e habita numa luz inacessível” (1Tm 6,15-16).

Diante de tal grandeza, a vida cristã não pode ser uma teoria, mas uma prática: “Procura a justiça, a piedade, a fé, o amor, a perseverança e a mansidão. Combate o bom combate da fé” (1Tm 6,11-12). São quatro verbos carregados de força espiritual: praticar, combater, conquistar e guardar o mandamento.

Ser homem ou mulher de Deus, portanto, é viver em constante luta interior, guiados pela fidelidade e pela esperança. É afastar-se da idolatria do dinheiro e colocar toda a vida a serviço d’Aquele que é o único Senhor.

O ABISMO ENTRE POBRES E RICOS

O Evangelho deste domingo é, de fato, estremecedor. Jesus narra a parábola de um mendigo com nome próprio – Lázaro, que significa “Deus ajuda”. É a única parábola onde um pobre recebe um nome. Do outro lado está o rico, muitas vezes chamado de Epulão, que permanece sem nome, porque sua vida, marcada pela indiferença, perdeu todo o sentido.

Ambos morrem. Lázaro é levado ao seio de Abraão, enquanto o rico é condenado ao tormento. O rico pede, então, que ao menos sua família seja advertida, mas escuta de Abraão: “Entre nós e vocês foi estabelecido um grande abismo” (Lc 16,26).

Essa parábola é dirigida aos fariseus apegados ao dinheiro, mas fala também ao nosso tempo. A sociedade do bem-estar nos aprisiona no egoísmo, fazendo-nos esquecer da solidariedade. Nunca nos parece suficiente o que temos; sempre queremos mais. E aos pobres, muitas vezes, não oferecemos nem as migalhas que sobram de nossa mesa.

Não é cristão viver indiferente diante dos que sofrem. Não é cristão virar o rosto diante da pobreza que nos incomoda. Eles são juízes da nossa vida e da nossa fé. Suas feridas questionam nossas economias, nossos banquetes, nossos gastos, nosso modo de vestir e até nossa forma de crer. O dinheiro que guardamos, também ele, pertence aos necessitados.

CONCLUSÃO

Diante das duas mesas – a do rico e a do pobre, a da indiferença e a da solidariedade – somos convidados a escolher de que lado queremos estar. A Palavra de Deus nos desafia a não fechar os olhos diante do sofrimento alheio, a não nos acomodar em uma vida confortável, mas a viver com justiça, piedade e amor, como nos ensina São Paulo.

Que cada gesto de partilha, cada olhar de atenção ao necessitado, seja sinal visível do Reino de Deus no mundo. Que não nos limitemos a lamentar as injustiças, mas nos tornemos instrumentos vivos de transformação, levando esperança, dignidade e compaixão àqueles que Lázaro representa à porta de nossas casas e de nossas comunidades.

Em cada decisão cotidiana, em cada mesa em que nos sentamos, que possamos refletir: NOSSA VIDA SERVE AO EGOÍSMO OU AO AMOR? Que sejamos, verdadeiramente, homens e mulheres de Deus, cuidando uns dos outros e construindo pontes sobre o abismo que separa ricos e pobres, até a manifestação gloriosa do Senhor.

Que assim seja, hoje e sempre. Amém.

Texto: JOSÉ CRISTO REY GARCÍA PAREDES
Fonte: ECOLOGÍA DEL ESPÍRITU
Este artigo foi produzido com a assistência de ferramentas de inteligência artificial.